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O QUE OS GRAMÁTICOS NORMATIVISTAS COMPREENDEM

3 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA SOBRE O VOCATIVO

3.1 O QUE OS GRAMÁTICOS NORMATIVISTAS COMPREENDEM

Cunha (1976, p. 111), em Gramática do português contemporâneo, compreende os vocativos como termos “de entonação exclamativa e isolados do resto da frase”. Para o autor, nos versos de Manoel Nobre:

a) Manuel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.

b) E Ó sinos de Santa Clara, por quem dobrais, quem morreu?

Os vocativos Manuel e Ó sinos de Santa Clara “não estão subordinados a nenhum outro termo da frase. [E] servem apenas para invocar, chamar ou nomear, com ênfase maior ou menor, uma pessoa ou coisa personificada” (CUNHA, 1976, p. 111). Embora afirme que os vocativos não são subordinados a outros termos, o autor destaca a possibilidade de eles poderem se relacionar com algum dos termos. Cita o exemplo:

c) Dizei-me vós, Senhor Deus! (Castro Alves)

Para tanto, em (c), o vocativo senhor Deus se relacionaria com o sujeito vós e o vocativo Ó lanchas se relacionaria com o objeto direto vos, em (d). Essa observação é interessante na medida que o autor aponta para a existência de diferentes tipos de vocativos: um que é isolado e não mantém conexão com outro(s) termo(s) e aquele que faz referência ao termo que é subordinado. Em nota de observação, o autor destaca o uso da interjeição Ó, usada para dar maior ênfase a frase e o uso de vírgulas ou ponto de exclamação isolando o vocativo dos demais elementos da frase.

Cegalla (1998), na sua Novíssima Gramática da língua portuguesa, dedica uma curta seção a esse fenômeno. Pontuando apenas três aspectos: i) o que é o vocativo; ii) a qual pessoa se refere e iii) sua natureza sintática.

A respeito do primeiro ponto, segundo o autor, “o vocativo [do latim vocare = chamar)

é o termo (nome, título, apelido) usado para chamar, ou interpelar a pessoa, o animal ou a coisa personificada a que nos dirigimos” (CEGALLA, 1998, p. 334). Para ilustrar, o autor se utiliza de construções retiradas de obras literárias, veja os exemplos:

(1) a) “Elesbão? Ó Elesbão! Venha ajudar-nos, por favor! ” (Maria de Lourdes Teixeira) b) “A ordem, meus amigos, é a base do governo”. (Machado de Assis) c) “Correi, correi, ó lágrimas saudosas! ” (Fagundes Varela) d) “Vocês por aqui, meninos?!” (Afonso Arinos) e) “Meu nobre perdigueiro, vem comigo! (Castro Alves)

(CEGALLA, 1998, p. 334)

Em nota de observação, o autor afirma que o vocativo profere-se com entonação exclamativa e na escrita deve ser separado por vírgula(s). Sobre o segundo ponto, o autor esclarece que “ o vocativo se refere sempre à 2º pessoa do discurso, que pode ser uma pessoa, um animal, uma coisa real ou entidade abstrata personificada, po[dendo] antepor-lhe uma interjeição de apelo (ó, olá, eh!)” (CEGALLA, 1998, p. 334). Por fim, no terceiro e último apontamento, Cegalla (1998, p. 334) afirma que “o vocativo é uma unidade à parte. Não pertence[nte] à estrutura da oração, por isso, não se anexa ao sujeito nem ao predicado”. Todavia, em nenhum momento o autor faz menção aos vocativos poderem se apresentar em diversas posições, como nos exemplos mostrados por ele.

Na mesma linha de Cegalla, Bechara (2009) também compreende os vocativos como uma “unidade à parte”. Afirmando ser o vocativo “desligado da estrutura argumental da

oração e desta separado por curva de entonação exclamativa” (BECHARA, 2009, p. 460). Acrescentando que “é através de seu intermédio é que chamamos ou pomos em evidência a pessoa ou a coisa a que queremos nos dirigir” (p. 460). O autor cita como exemplos:

(2) f) José, vem cá!

g) Tu, meu irmão, precisas estudar!

h) Felicidade, onde te escondes? (BECHARA, 2009, p. 460)

Para Bechara, os três exemplos de (3) apresentam função apelativa, pois em todos os casos invocam uma 2ª pessoa. O autor faz uma observação a respeito dos casos de vocativos precedidos por interjeições. Pontuando que, algumas vezes, os vocativos precedidos da palavra “Ó”, tratados pelos demais gramáticos como interjeições, são na sua concepção morfemas de vocativo, dada a característica de entonação própria, que o diferencia das interjeições propriamente ditas, a exemplo de (4):

(3) Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?

(BECHARA, 2009, p. 460)

Para o autor, exemplos como (3) e (4) apresentam peculiares a respeito do fenômeno. Ele observa que “ pelo desligamento da estrutura argumental da oração, [ o vocativo] constitui por si só, a rigor, uma frase exclamativa à parte ou um fragmento de oração, à semelhança das interjeições” (BECHARA, 2009, p. 461).

Por outro lado, em exemplos como (3g), o autor afirma que o vocativo (meu irmão) não parece ser algo à parte da estrutura sintática. Uma vez que parece haver uma relação entre o vocativo e o pronome pessoal (tu). Dada a posição do vocativo, nesse caso, tem-se a impressão que ele seria parte do termo anterior como se fosse um aposto explicativo deste. Nas palavras de Bechara (2009, p.461), o vocativo, em algumas situações, “como no caso de

Tu, meu irmão, precisas estudar! às vezes, se aproxima do aposto explicativo, pela razão que

vai constituir a particularidade seguinte. ”

Por fim, o gramático acrescenta que “o vocativo pode ser representado por um substantivo ou um pronome, podendo admitir a presença de expansões (p. ex., adjuntos

adnominais, de orações adjetivas) ” (BECHARA, 2001, p.461). Tal afirmação pode ser ilustrada pelo exemplo (5), retirado do nosso corpus.

(4) Todo ano tu diz isso. Todo ano tu tá lá, rapariga mentirosa!

No exemplo, o adjetivo mentirosa se agregou ao vocativo rapariga, formando, assim, um nome adjetivado, por assim dizer.

Já na gramática de Houaiss, Azeredo (2010) compreende o vocativo de forma mais pragmática, diferente dos demais autores citados acima. Contudo, o termo é citado em uma subseção, da seção atos de fala e a frase, intitulada a frase de situação e o vocativo. Sendo, portanto, destinado a ele pouca relevância. Para o autor, termos como Caro amigo!, Prezados

senhores! e Majestade! São enunciados que constituem frases de situação e “atendidos

certos requisitos pragmáticos, podem ser combinados com as expressões [de] outros grupos [de frase de situações]”15: Entrem, prezados senhores!/ Com licença, Majestade! Alô, caro

amigo!. Formando, desse modo, recursos, na língua, para indicar que estamos dirigindo a

palavra a um interlocutor ou destinatário.

Para Azeredo (2010, p. 76), o vocativo é “uma unidade inerente à atividade interlocutiva” e assim como para os demais gramáticos citados até então, afirma que “o vocativo não pertence à estrutura da oração” (p. 76) e se assemelha com o caso das interjeições, pois a entonação o individualiza na cadeia da fala. Por fim, o autor acrescenta que alguns vocativos, quando isolados em frases exclamativas, cristalizam-se como locuções interjetivas, como exemplo: minha nossa senhora, Deus do céu.

Como podemos ver, a descrição de Bechara (2009) é relevante assim como algumas considerações feitas por Cunha (1976) a respeito da diferença entre os vocativos, sobre fazer ou não referência a outro termo da oração, de modo que possa ou não estar relacionado com o predicado. Ademais, a maioria dos gramáticos consideram apenas o vocativo como um termo à parte da oração.

15

O autor divide os enunciados que constituem frases de situação em quatro grupos: i) formas que nomeiam a ação que o enunciador espera de seu interlocutor: entrem! Retornar!; ii) formas que nomeiam o próprio interlocutor ou lhe concedem um tratamento: meu caro Vinicius!, Prezados senhores!, Majestade!; iii) interjeições apelativas: Alô!, Psiu!, Hem? e iv) expressões heterogêneas: Alto!, Atenção!, Com licença!, Seu sem-vergonha!, Por favor!, Já pra dentro!, Prontinho! (AZEREDO, 2010, p. 75)