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2.5 Pesquisas sobre docência em de contabilidade

2.5.1 O que revelam as pesquisas sobre a docência em contabilidade

Como contadores decidem iniciar na docência? Esta questão, simples em sua formulação, torna-se importante no contexto do ensino de contabilidade pois contadores são profissionais formados para o exercício da contabilidade no mundo do trabalho não acadêmico. No processo de sua formação profissional inicial, a docência inexiste enquanto especificidade de formação dado que o objetivo dos cursos de Ciências Contábeis “[...] não é o de formar professores, mas sim contadores, portanto, com uma especificidade de trabalho distinta da de ser professor [...]” (LAFFIN, 2002, p. 97). E essa formação-foco dos cursos guarda estreita coerência com aspectos e processos históricos e socioeconômicos pelos quais a profissão passou, evoluiu e se insere na atualidade. Formar contadores e não professores de contabilidade é o eixo central dos cursos de Ciências Contábeis.

Entretanto, contadores se tornam professores de contabilidade. Mas como se dá esse processo? Para Behrens (2011), de modo geral, professores ingressam no ensino universitário muito em função de notável atuação profissional, sucesso e qualificação que possuem enquanto profissionais em sua área específica de conhecimento. Nesse mesmo sentido Nossa (1999), ao tratar do ensino de contabilidade, afirma que os professores são normalmente recrutados entre profissionais de sucesso em suas áreas de atuação específicas e que normalmente encontram-se despreparados para a docência. Laffin (2002, p. 97), por sua vez, investigou sobre os fundamentos epistemológicos da organização do trabalho do professor de contabilidade e em relação a como contadores iniciam na docência, identificou que o início se dá na maior parte das vezes “[...] por meio da rede de relações pessoais construída no exercício da profissão de contador ou da frequência em cursos de pós-graduação (especialização ou mestrado).” É por meio das redes de relações pessoais no decurso do exercício profissional da contabilidade que os professores investigados por Laffin (2002) se tornaram professores. Junto ao aspecto das relações sociais estabelecidas por eles, o autor diz que deve-se levar em consideração que

normalmente também são profissionais que de alguma forma se destacam em termos de conhecimentos especializados em matéria contábil pelo exercício profissional que desempenham e apresentam certa “aptidão ou facilidade” de comunicação interpessoal e em público.

Um aspecto das análises que Laffin (2002) realiza e que merece destaque diz respeito a ausência da compreensão por parte dos professores pesquisados, em toda sua extensão e profundidade, de que exercem duas profissões que possuem especificidades diferentes – o trabalho docente e o trabalho de contador. Segundo o autor, os professores até admitem que há especificidades no trabalho docente, porém de forma reducionista, considerando que a docência se relaciona mais com situações ideais e não com o que denominam de “vida real das empresas” (LAFFIN, 2002, p. 178). A falta de compreensão dessa diferenciação das especificidades dos dois trabalhos decorre, segundo o autor, da ambiguidade em que se inserem as duas profissões. De um lado o trabalho do contador, com razoável remuneração de mercado mas que, entretanto, carece de status social. De outro lado o trabalho docente que ainda possui status social mas que, em termos de remuneração, não é de fato tão atrativa. Com esse argumento Laffin (2002) diz que a docência assume, então, papel de segunda atividade para os contadores, que em muitos casos também constitui-se como importante complemento de renda em relação ao trabalho de contador.

Diante dessas constatações, Laffin (2002, p. 99) afirma que a ausência de investimentos na formação para a docência em contabilidade decorre dessa “[...] ambiguidade econômica e social, aliada à imagem assumida como uma segunda atividade [...]” que gera, consequentemente, o “[...] não investimento na formação para ser professor”. No mesmo sentido de parte dos achados da pesquisa de Laffin (2002), Araújo (2012) concluiu em sua investigação com professores de contabilidade de IES de Fortaleza/CE, que a identificação profissional deles é dividida entre as profissões de docente e de contador. Araújo (2012) constatou que quase a totalidade dos investigados exerce a docência em paralelo a outras atividades profissionais não docentes, fato que contribui para a dificuldade de identificação profissional com a docência. Nas palavras de Araújo (2012, p. 97) “[...] a contabilidade é uma profissão com fortes influencias do mercado de trabalho e muitas vezes os aspectos docentes são menos valorizados, daí a imprecisão da compreensão entre o ‘ser professor’ e o ‘ser contador’.”

A respeito da formação para a docência universitária de modo geral – e para a de contabilidade, em específico – faz-se importante compreender que seu desenvolvimento se dá de forma ainda muito difusa e também restrita a iniciativas pontuais de instituições de ensino

superior e/ou dos próprios docentes. A Lei 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB – é também vaga a esse respeito. Em seu artigo 65 estabelece que “A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas.” E no artigo 66 trata expressamente da preparação para a docência de nível superior, especificando que “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.”

A LDB indica programas de mestrado e doutorado, portanto, como lócus prioritário onde deve ocorrer a preparação do docente para o exercício no ensino superior, mas não dá os termos de como poderá ou deverá ser desenvolvida no âmbito dos cursos. E também não há regulamentação posterior a ela que o faça. Entretanto, Severino (2011, p. 30) diz que a partir da entrada em vigor da LDB, em 1997, “[...] a preocupação com o preparo do docente universitário passa a receber mais atenção dos Programas, até mesmo em função de cobrança e apoio da CAPES.”

Todavia, desde seu surgimento, a CAPES teve como foco a ideia de capacitação dos docentes das universidades. Mas não necessariamente a capacitação para a docência, mas sim para a formação de pesquisadores dentro das universidades. A marca de sua evolução e o desenvolvimento de ações ao longo de sua existência caracterizaram-se também mais pela ênfase na nucleação da pesquisa como foco da pós-graduação. No Plano Nacional de Pós- Graduação 2011-2020 essa concepção política é clara quando expressamente está posto que “O núcleo da pós-graduação é a pesquisa.” (CAPES, 2010, p. 18)

Programas de pós-graduação não apresentam como prioridade, de fato, a preparação e a formação para o exercício do magistério superior, mas sim para o aprimoramento da qualidade de pesquisador dos que por eles passam (LAROCCA, ROSSO & SOUZA, 2005; LAPINI, 2012; CAMPOS, 2011). Em artigo que procurou compreender, a partir de professores- pesquisadores e coordenadores, como Programas de Pós-Graduação em Educação acolhem docentes de campos científicos distintos e se questões sobre docência no ensino superior são preocupações desses programas, Soares & Cunha (2010, p. 577) apresentam como principal resultado que a “[...] pós-graduação stricto sensu é percebida como o lugar privilegiado para a formação do docente universitário; todavia, os coordenadores reconhecem que os programas concentram sua atenção na formação do pesquisador, consoante as práticas reguladoras da Capes.”

Especificamente sobre o papel da pós-graduação stricto sensu na formação de professores de contabilidade as pesquisas de Andere & Araújo (2008), Miranda, Oliveira & Zanette (2008) e Lapini (2012) trazem evidências importantes para sua compreensão. Andere

& Araújo (2008) publicaram resultado de pesquisa que mostrou que os programas de pós- graduação em contabilidade estão direcionados para a formação do professor na seguinte ordem dos aspectos pesquisados: (1) formação técnico-científica; (2) formação pedagógica; (3) formação prática; e (4) formação social e política. E em relação aos aspectos da formação pedagógica, as autoras concluíram que os programas apresentam um direcionamento à formação pedagógica. Todavia, não ficaram claros resultados mais específicos que indicassem em que medida esse direcionamento ocorre.

Já Miranda, Oliveira & Zanette (2008), por sua vez, constataram que disciplinas e conteúdos sobre didática são praticamente inexpressivos nos 18 programas de mestrado e 3 de doutorado que investigaram, e que em apenas dois dos programas existiam disciplinas obrigatórias de conteúdo didático-pedagógico, porém, com carga horária reduzida. Os autores destacaram ainda a ênfase dos programas investigados na formação para a pesquisa e argumentam que “[...] formar pesquisador não significa prepara-lo para a docência. A pesquisa é fundamental no desempenho do professor, mas sozinha não garante sua formação.” (MIRANDA, OLIVEIRA & ZANETTE, 2008, p. 13)

Lapini (2012) também desenvolveu estudo que buscou explicar a analisar de que maneira os cursos de pós-graduação stricto sensu em contabilidade do Brasil realizam a preparação de seus alunos para a docência. A autora constatou que apesar de todos os cursos investigados (26) declararem em seus documentos de referência que tem por objetivo a preparação para a docência, de fato apenas 6 deles o fazem. Lapini (2012) constatou que professores de contabilidade investem na carreira acadêmica, com a realização de capacitação em cursos de pós-graduação stricto sensu, contudo pouca contribuição de tais cursos foi atribuída ao aprendizado e/ou desenvolvimento da docência que exercem.

Além da evidencia que os dados das pesquisas apresentam em relação à pertinência e contribuição dos programas de pós-graduação em contabilidade na formação e desenvolvimento para a docência, torna-se relevante considerar, ainda, que programas stricto sensu em contabilidade no Brasil são poucos se comparados com outras áreas, como administração e economia, por exemplo. Dados da CAPES (2013) apontam a existência de 29 cursos de pós-graduação stricto sensu em contabilidade e, destes, 24 surgiram a partir do ano de 2000. Em Administração e Economia são 78 e 122 de pós-graduação, respectivamente. Ainda que muitos professores de contabilidade busquem realizar cursos de mestrado e doutorado em outras áreas – Economia, Administração, Engenharia de Produção, por exemplo – a hipótese de que em programas de áreas relacionadas ao bacharelado há pouca preocupação

com a formação para a docência parece plausível de ser confirmada dadas as características comuns entre as áreas.

Assim, os resultados de algumas pesquisas sugerem que o papel da pós-graduação na formação de professores de contabilidade – e não diferente da de outras áreas – pouca contribuição tem agregado à formação ou desenvolvimento da docência para os que a realizam. Efetivamente, a capacitação do professor de contabilidade via pós-graduação tem dado contribuição mais voltada para o aprimoramento de suas habilidades e competências para a pesquisa e produção de conhecimentos. O que se pode considerar como necessário e importante para o avanço da área enquanto campo científico. Todavia, a ênfase no aprofundamento de conhecimentos específicos de conteúdos disciplinares em detrimento de outros tipos de conhecimentos necessários à ação docente, apesar de contribuir, não se mostra adequada e suficiente para melhorar o ensino que os professores realizam e conferir elevação de qualidade ao processo de ensino como um todo. E, ainda, conforme Miranda et al. (2013) apontaram, existe o problema do pouco interesse de pesquisadores em investigar e produzir conhecimentos sobre a área de educação em contabilidade, tornando-a, ao mesmo tempo, um “vazio” e um porvir.

Mas se a pós-graduação não está sendo responsável pela formação ou mesmo pelo aperfeiçoamento e desenvolvimento da formação para a docência, que elementos estruturam e fundamentam a ação docente dos professores de contabilidade?

Slomski et al. (2009, p. 119) afirmam que professores de contabilidade aprendem e exercem a docência de maneira intuitiva e autodidata, “[...] na qual a rememorização de suas experiências escolares e a rotina dos pares é o que orienta as ações de sala de aula. A pesquisa de Araújo (2012) revela forte influência de modelos de professores do passado como referência sobre ensinar. Laffin (2002) identificou que o exercício de ser professor de contabilidade se constitui na prática profissional não docente também exercida em paralelo a de professor e que, em grande medida, baseia-se nos modelos de ex-professores bem como nas experiências construídas no exercício da profissão docente.

Já a pesquisa de Silva (2006) identificou que professores consideram domínio de conteúdo, experiência empresarial, formação específica na área, habilidades na transposição do conteúdo e a prática reflexiva necessárias ao desempenho do magistério na área contábil. Em relação ao aprendizado da docência, o autor afirma ser a influência de ex-professores, a prática docente e a experiência empresarial os fatores que o estruturam e fundamentam.

Assim, literatura e pesquisas sobre formação e desenvolvimento profissional docente de professores de contabilidade, de modo geral, tem sugerido que professores não possuem

preparação para o exercício da docência com ênfase em saberes e conhecimentos profissionais específicos da docência. Cursos de pós-graduação não tem se voltado para proporcionar essa preparação, mesmo constituindo-se em espaços próprios para tanto. E em grande medida o que tem sustentado a prática docente desses professores são as referências pessoais, da história de vida e do mundo do trabalho não docente que, apesar de importantes, principalmente quando se trata de processos formativos ao longo da vida profissional, são insuficientes por si sós para dar conta de promover aprendizado profissional da docência.

De fato, professores de contabilidade não recebem durante sua formação profissional inicial e nem mesmo após o ingresso na carreira docente, formação que lhes proporcione a construção de conhecimentos, atitudes, valores, técnicas e práticas para o exercício profissional do magistério no ensino superior. Falar de processo formativo dos docentes de contabilidade é falar de processo baseado no binômio tentativa-erro dado que, sem nenhuma preparação precedente e de modo geral, o professor de contabilidade aprende a ser professor no exercício da docência. A formação que normalmente lhes é proporcionada ocorre em cursos de pós- graduação stricto sensu, que são realizados normalmente após algum tempo em que já se encontram no exercício da docência. Neles é reforçada a orientação acadêmica e, quando muito, a técnica. A pós-graduação prepara-os mais com ênfase no aprofundamento de conhecimentos específicos de contabilidade e na forma de produzir conhecimentos pela pesquisa. Pouco ou quase nada nesses cursos é efetivamente proporcionado em termos de preparação para o exercício da docência. Nesse sentido, ao tratar da formação do professor de contabilidade é preciso que se conheça e considere o conjunto de pressupostos que fundamentam tanto o campo da investigação quanto das práticas profissionais não acadêmicas e as próprias da formação de professores.

CAPÍTULO III

DELINEAMENTO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

Neste capítulo é apresentado o delineamento metodológico do estudo cujo propósito é descrever os pontos de referência do percurso investigativo percorrido sempre de forma contextualizada, ou seja, estabelecendo relação direta com o contexto da pesquisa, seus sujeitos, características e ambiente. E nesse sentido possibilitar compreensão de como a investigação foi realizada, tanto do ponto de vista da matriz teórico-metodológica que a sustenta quanto sobre os procedimentos que foram utilizados.