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1. O NASCIMENTO DO MERCADO, A COMUNICAÇÃO E AS AGÊNCIAS DE

1.2 O que são e para quê servem as agências de notação

Defendemos que é o discurso veiculado pela grande imprensa especializada em economia, como é o caso de The Economist, acerca das agências de notação que traduz para o investidor e mais especialmente para o cidadão comum a análise delas sobre retorno nos investimentos em ações de companhias as mais diversas e mesmo de países.

Emergentes ou ricos, todos passam a depender da avaliação de “gurus” do mercado financeiro, que emprestam o seu conhecimento às referidas agências de notação, transformando através da projeção conquistada na mídia, a sua análise em dogma mercadológico.

Os sustos e a euforia não são diferentes no ator político que busca a cada instante na sociedade midiatizada obter a aprovação de suas atitudes. Isso tem um valor ainda mais premente quando o que está em jogo é a saúde financeira, o potencial de investimentos e geração de emprego e renda nos países em vias de desenvolvimento, como o Brasil.

No cerne de toda a “angústia” está o discurso. O modo como esses índices – análises – gráficos e tudo o que envolve as questões de ordem macroeconômica é divulgado pelas agências, torna o conteúdo inacessível ao entendimento do cidadão comum, fora da ciranda financeira. Cabe assim à imprensa especializada em economia a função de tornar claros os conceitos e direcionar o consumidor da notícia rumo à compreensão.

Decidimos concentrar, portanto, a nossa análise no formato discursivo das agências de notação o que irá flexibilizar o nosso entendimento acerca da importância das “traduções” feitas pelas publicações de economia e negócios.

Como atesta Cristóvão Brito18, a mídia serve como um “intérprete” que traduz um discurso técnico para a sociedade. Conforme Brito, as agências de notação tem por objetivo estabelecer um ponto de contato exclusivamente com os atores da seara político- econômica e mercadológica, o que resulta na linguagem inacessível utilizada por essas instituições.

Apesar do acesso quase nulo dos diferentes estratos sociais ao conteúdo emitido pelas agências de notação, é notório que essas organizações desempenham uma função estratégica nos mercados bancários e dos valores mobiliários em nível mundial, uma vez que estabelecem parâmetros acerca da saúde financeira das corporações e países, que ecoam por todo o planeta graças à “tradução” realizada pelo jornalismo econômico.

É justamente o entendimento do discurso traduzido pelos órgãos de imprensa que deve ser aprofundado neste estudo. Defendemos que quaisquer equívocos na “tradução” podem se transformar em um desastre sócio-econômico para os países avaliados.

No tocante às agências de notação, portanto, é fundamental que elas atribuam notações independentes, objetivas e da melhor qualidade possível19. Esse clamor, entretanto, esbarra no fato de que o discurso é um elemento ideológico, jamais desvencilhado da história – dos interesses – das relações que envolvem os diversos atores e mecanismos sociais. Com as agências de notação não é diferente!

18

Economista e Professor Doutor do curso de sistemas de informação da Universidade de Pernambuco (UPE). Dados colhidos através de entrevista semi-estruturada realizada em 26 de agosto de 2010 e gravada em áudio.

19

A partir deste parágrafo, aprofundamos nossa análise sobre as agências de notação com base no Jornal Oficial da União Européia – acesso: disponível em: - além da entrevista semi-estruturada com o Prof. Dr. Cristóvão Brito – economista e docente da Universidade de Pernambuco (UPE)

Antes mesmo de aprofundarmos acerca do discurso dessas agências, é importante demonstrar o seu funcionamento, o que nos fará compreender ainda melhor a pressão exercida pelo setor, em conjunto obviamente com a imprensa especializada, nas relações econômicas mundiais, afetando assim, aspectos políticos, além de sociais ao redor do globo.

As agências de notação emitem pareceres sobre a solvência de um emitente ou a qualidade de crédito de um instrumento financeiro específico. Por outras palavras, avaliam a probabilidade de não cumprimento de um emitente em relação às suas obrigações financeiras em geral (notação de emitente), ou às suas obrigações no que diz respeito a um título específico de dívida ou de rendimento fixo (notação de instrumentos).

Estes pareceres – ou notações – baseiam-se em informações sobre o fluxo de receitas e a estrutura de balanço (em especial de endividamento) da entidade notada. São igualmente tomados em conta os desempenhos financeiros passados. Estas informações apenas dão uma imagem da situação num determinado momento, devendo ser confirmadas ou revistas periodicamente, a fim de ter em conta as evoluções mais recentes, econômicas ou de outro tipo.

As notações de risco de crédito classificam os emitentes segundo categorias que correspondem a graus mais ou menos significativos de risco de insolvência de acordos. Para este efeito, as agências de notação empregam escalas alargadas de qualidade de crédito nas quais a fronteira crítica ocorre ente o grau designado de notação de investimento (baixo risco) e o grau de notação especulativo (risco elevado), refletindo os riscos associados ao título (isto é – a probabilidade de não cumprir acordos).

As notações são habitualmente solicitadas – e pagas – pelos próprios emitentes. Nestes casos, as notações baseiam-se tanto nos dados disponíveis publicamente como nas informações não acessíveis ao público que são voluntariamente divulgadas pela entidade notada. Contudo, por vezes acontece que as agências publicam notações por sua própria iniciativa, as quais são geralmente elaboradas sem ter acesso a informações reservadas.

Ainda que a atribuição de notações seja obviamente a sua atividade principal, numerosas agências de notação tiram partido da sua experiência em matéria de avaliação dos riscos para propor outros serviços financeiros, como consultoria em investimentos.

As notações exercem uma influência considerável sobre os mercados financeiros e, como para que suas avaliações cheguem ao grande público e muitas vezes ao próprio investidor necessita da imprensa especializada, isso ratifica o papel da revista The

Eis as duas razões que fundamentam a influência exercida pelas agências de notação, reforçando e sempre repetindo, todavia, o aspecto multiplicador exercido pela revista e, óbvio, pela imprensa de forma geral. Em primeiro lugar, as notações são a síntese de avaliações complexas, apresentadas de uma forma que em nosso entendimento consonante à visão do Prof. Dr. Cristóvão Brito, pode ser entendida fácil e instantaneamente por investidores, público-alvo das agências, mas não pelo cidadão comum. Em segundo lugar, essas instituições gozam de boa reputação e são consideradas pelos intervenientes no mercado como empresas que fornecem análises objetivas.

Defendemos a ideia de que o jornalismo econômico expande esse mesmo imaginário em relação às agências. Uma das maiores provas é a euforia com que as notações positivas são publicadas pelos veículos especializados e o temor gerado palas avaliações negativas feitas por essas entidades. Ratificamos também que o espaço dado pela The Economist à divulgação das notas negativas ou positivas é um dos principais causadores do impacto, afinal, como destaca o Prof. Dr. Cristóvão Brito, a revista é mesmo a bíblia do liberalismo mundial.

Destacamos como elemento central à tese que a importância adquirida pelas agências e notação nos últimos anos pode observar-se tanto em nível das práticas comerciais como dos requisitos regulamentares. Por um lado, o sucesso comercial da maior parte das emissões de títulos de dívida depende em larga medida da notação que obtiveram. A notação tornou-se um requisito indispensável para a mobilização de financiamentos externos em mercados de valores mobiliários – em especial quando o emitente ainda não goza de reputação sólida nos mercados dos títulos de dívida, como o Brasil do início do governo Lula.

Entre outras coisas, a notação de risco de crédito obtida por um emitente determina as taxas de juro que deverá propor para obter um financiamento externo. Além disso, as notações de risco de crédito são utilizadas, cada vez com maior freqüência, nas disposições contratuais relativas à interrupção de facilidades de crédito, à aceleração do ritmo de reembolsos ou à alteração de outras condições dos contratos de crédito.

Por outro lado, várias legislações nacionais estabelecem atualmente que certos produtos de investimento só podem ser colocados no mercado se o seu emitente puder demonstrar que beneficia de um certo grau de solvência, tal como resulta de uma notação atribuída por uma agência de notação reconhecida.

A função que as agências de notação desempenham nos mercados é geralmente positiva, tanto para os investidores como para os emitentes. As agências fornecem aos

investidores uma informação que os ajuda a avaliar os riscos associados a um determinado título e contribuem para baixar o custo suportado pelos emitentes na obtenção de capitais.

Apesar da avaliação positiva sobre essas instituições, o Parlamento Europeu20 identifica questões problemáticas na atuação das agências de notação, que se relacionam ao discurso adotado por elas, além do acesso privilegiado à informação.

As preocupações dizem respeito, em primeiro lugar à qualidade das notações atribuídas pelas agências de notação. Estas agências são obrigadas a basear as suas notações em uma análise diligente das informações disponíveis e num controle permanente da integridade das suas fontes de informação. Isto significa que as notações devem ser regularmente revistas, sempre que for necessário.

Outro ponto preocupante diz respeito diretamente ao discurso adotado; fechado. A posição das agências de notação não deve ser comprometida pelas suas relações com os emitentes. A questão do acesso das agências de notação a informações confidenciais detidas pelos emitentes coloca igualmente problemas: é necessário evitar que estas agências utilizem essas informações no quadro de outras atividades.

Um aspecto que nos chama atenção, sendo inquietação do próprio Parlamento Europeu, é o elevado grau de concentração no setor, além dos eventuais efeitos anti- concorrenciais que daí podem surgir. Esses fatores servem para reforçar o nosso entendimento de que o discurso adotado por essas instituições funciona como uma espécie de vetor no mercado financeiro, que direciona os investidores, auxilia corporações e mesmo países, como é o caso do Brasil, a “seduzir” parceiros comerciais.

O jornalismo especializado em economia, campo onde The Economist se destaca como um dos veículos mais lidos por experts e consequentemente como um dos grandes formadores de opinião em nível global, é para nós um dos principais responsáveis por essa sedução.

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