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O que são recursos e quais os tipos de recursos

2. CONCEITOS E PARADIGMAS

2.3. A criação de valor e a sua natureza interativa

2.3.4. A integração de recursos na cocriação de valor

2.3.4.1. O que são recursos e quais os tipos de recursos

O tema dos recursos tem sido objeto de análise e estudo através de posições teóricas diferenciadas. Hunt e Deroziers (2004), seguindo uma perspetiva binária com ênfase no fornecedor de serviços, propõem uma tipologia diferenciada de recursos, caracterizando- os como: i) físicos – nestes incluídos os recursos e os produtos materiais; ii) humanos – relativos às competências e conhecimentos dos colaboradores e dos clientes; iii) organizacionais – que agregam rotinas, culturas e competências; iv) informacionais – que concernem dados de informação sobre mercados, parceiros, competidores e fontes de conhecimento sobre inovações tecnológicas; v) relacionais – compreendendo os sistemas e as dinâmicas relacionais internas e externas das organizações.

Na ótica da S-D logic, Vargo e Lusch (2004) classificam os recursos em i) operantes e ii) operados. Os recursos operantes são forças de natureza intangível, constituídas por conhecimentos, competências, capacidades e valores, que agem e são aplicados aos recursos operados, forças materiais, visíveis e tangíveis, com vista à criação de valor (Vargo & Lusch, 2004). A utilização dinâmica destes recursos afirma-se, portanto, como um processo combinatório de conhecimentos e competências, geradores de uma ação, uma prática. Na perspetiva da criação de valor poder-se ia então dizer que o efeito tangível dos recursos operados tem como condição ou pressuposto uma aplicação qualificada da natureza intangível dos recursos operantes (Vargo & Lusch, 2011). Para estes autores, a aplicação qualificada dos recursos operantes numa dada organização é determinante nas ofertas ou proposições de valor apresentadas aos seus clientes.

O conceito de “recursos”, independentemente do quadro de análise teórica em que é utilizado, não é definível substantivamente em si mesmo, sendo que no seu significado está sempre implicada a ideia de uma ação ou uma combinação de ações interrelacionais. É neste sentido que se pode entender a expressão “resources as ‘becoming’, not ‘being’” (Pels et al.,2009, p. 328) (Edvardsson et al, 2012). A noção de recursos pressupõe, assim, uma ação copulativa e transformativa (Zimmermann, 1951, apud Edvardsson et al, 2012), um processo através do qual se procura suprir necessidades para realizar valor ou benefícios. Nesse conceito está implícita a ideia de uma atualização de potencialidades ognitivas e profissionais, de uma pragmática tipificada de competências individuais geradoras de valor (McColl Kennedy et al, 2012; Edvardsson et al, 2012).

49 Segundo Edvardsson et al (2012, p. 2),

(…) resources are becoming, suggesting that it is not about knowledge and skills per se, but about using knowledge and skills in a specific context with a specific aim. (…)During the value co-creation process, human resources such as competence, communication, status, and motivation are deployed in order to integrate and act on other types of resources. ”(p.2)

Se a perspetiva G-D logic reconhece, primariamente a importância dos recursos operados (Campbell et al, 2012) na S-D logic, reconhece-se os recursos operantes como os mais relevantes no processo de cocriação de valor, apresentando-os com uma superioridade hierárquica face aos operados (idem, 2012). Sendo assim, os termos ‘operantes’ e ‘operados’ surgem na lógica dominante de serviço como composições dicotómicas. Este tipo de abordagem, que segundo aqueles autores remonta à antiguidade clássica, teve um grande eco na filosofia de Descartes que privilegiava o pensamento (recurso operante) sobre a matéria física (recurso operado). Este paradigma do primado do pensamento sobre a matéria tem vigorado até aos dias de hoje. Segundo Campbell et al (2012, p.6), a perspetiva de valorização hierárquica dos recursos operantes funda-se na acumulação de fluxos imateriais, que integra “ a pré-eminência do imaterial (mente, competências e vida cognitiva) sobre as coisas materiais”.

It is a way of thinking that endorses the pre-eminence of the immaterial and disembodied (mind, skill, mental life) over all things material and embodied (brute matter, physicality).” (Campbell et al, 2012, p. 6)

Se considerarmos na ótica da S-D logic, que um serviço é definido em termos de aplicação de recursos, o termo aplicação sugere, uma ação, uma prática e uma interação por parte de alguém com vista à realização de um propósito ou benefício. Nesta perspetiva, todos os atores (clientes, fornecedores e outros atores) são integradores de recursos que, através de um diálogo, de uma interação e de uma transferência de conhecimento, realizam valor em termos de benefícios (Gummesson & Mele, 2010). Cada ator protagoniza um conjunto de recursos idiossincráticos – entendidos como uma agregação diferenciada de elementos, tais como a maneira de ver, pensar, conhecer, sentir e reagir cuja combinação define o temperamento e o caráter de um indivíduo – que os converte em ações integrativas, geradoras de valor. O cliente, entidade individual, é assim entendido como portador de um conjunto de traços de personalidade derivados e inscritos em redes de interdependência e de vivência familiares, amigáveis, profissionais.

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Edvardsson e Tronvoll (2013) designam estas redes sob a expressão ‘constelação de recursos humanos’. Deste modo, a integração de recursos requer mobilização, colaboração, envolvimento, motivação e participação dos atores envolvidos nos processos funcionais das organizações (Gummesson & Mele, 2010; Edvardsson et al, 2012). O ator, em cada serviço, é portanto desafiado a utilizar criativamente uma combinação de recursos para gerar uma proposta original, inovacional e assim contribuir, distinta e positivamente, para uma rede de criação de valor.

Madhavaram e Hunt (2008), por seu turno, definem “recursos” considerando-os entidades tangíveis e intangíveis, disponíveis para a criação de valor, sendo que Fischer et al, (2010) referem-se a este conceito como o uso de capacidades subjetivas profissionalmente enquadradas na realização de uma dada prática.

Ainda sobre recursos, queremos aqui sublinhar o aporte de outra abordagem teórica utilizada por Arnould et al, (2006).No seu estudo (Arnould et al, 2006), estes autores procuram compreender como a utilização de recursos se relaciona com a formação interativa do valor por intervenção individual do cliente. Baseando-se na Consumer Culture Theory (CCT) e nos contributos da S-D logic sobre integração de recursos, aqueles autores procuram explicar como a aplicação seletiva e criteriosa dos recursos operantes aos recursos operados, pode gerar e fornecer novos sentidos e propósitos de vida aos consumidores, antecipando-lhes e proporcionando-lhes a aquisição de novos interesses, e contribuindo assim para a criação de valor através do uso (value-in-use). Recorrendo à mesma distinção concetual adotada por Vargo e Lusch (2004) para caracterizar os “recursos”, porém matizando-os pelo tipo de capacidades que a sua utilização requer, estes autores classificam-nos, segundo a díade operados|operantes. Os primeiros compreendem os instrumentos ou bens materiais sobre os quais são exercidas as capacidades ‘alocativas’(allocative), isto é, os meios tangíveis específicos sobre os quais são aplicados as formas adequadas de controlo. Os segundos, de natureza intangível, são aqueles que requerem uma capacidade ‘autorizada’ (authoritative), isto é, o exercício qualificado na coordenação das mais diferentes práticas. Estes recursos operantes podem, por sua vez, ser de ordem (i) física, nestes incluindo a energia despendida, a emoção sentida etc; ii) cultural, relativos a aspetos familiares, profissionais, etc.; iii) social, incorporando os conhecimentos e competências especializadas, os esquemas sociais e ideológicos que influenciam o modo como os recursos são operados.

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Outra classificação dos recursos é realizada por Edvardsson e Tronvoll (2013) sob uma dupla perspetiva: i) humana e ii) não-humana. Os primeiros, de natureza dinâmica, definem-se pela ação que exercem sobre os segundos ou sobre outros atores humanos; os segundos, estáticos por natureza, requerem que sobre eles seja exercida uma ação ou prática para adquirirem significado.

De acordo com a premissa fundacional quatro da S-D logic (FP4, Vargo & Lusch, 2004), os recursos operantes são potenciadores e geradores de vantagens competitivas quando utilizados de modo articulado e combinado. Nesta perspetiva, importa esclarecer e compreender a dinâmica e o papel dos atores na transferência e integração de recursos por meio de interações num contexto específico. Os clientes são portadores de diferentes tipos de recursos que, uma vez integrados, podem gerar resultados distintos de valor. Se para a G-D logic a empresa controla e define o valor através do valor-em-troca, tal conceção contrasta com a perspetiva da S-D logic que encara o cliente como um recurso operante ativo e livre de poder ou não escolher e seguir as propostas apresentadas pelo fornecedor (Vargo & Lusch, 2008).

As organizações, devido a circunstâncias de variadíssima ordem, estão sujeitas a mudanças funcionais que se podem constituir em oportunidades de sucesso. Condicionalismos de natureza económica, social, cultural determinam que o desempenho dos seus serviços garantam ofertas adequadas. É, portanto, por interação com as necessidades e expectativas do cliente (Edvardsson et al, 2013)17 que o valor surge co- criado enquanto efeito de uma adequada e ajustada aplicação de recursos operantes a recursos operados.

Em suma, na lógica dominante de serviço Vargo e Lusch (2008) declaram que os recursos de per si não têm valor e quem o determina é o beneficiário através da sua integração, uso e ativação. Os recursos são realidades transformativas ativadas pelo uso gerando valor. São algo que podem servir como fonte de criação de valor. Os recursos podem assumir duas formas: recursos operantes, que pela sua natureza são dinâmicos (conhecimentos, competências emoções, energia e valores) e operados que são estáticos (físicos e materiais). A sua existência tem como condição a sua ativação e uso num

17 Edvardsson, B., Ng, G., Choo, Z. & Firth, R. (2013).Why is service-dominant logic based service system better?

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contexto social e geram valor que por sua vez decorre da sua ativação (Vargo & Lusch, 2011; Edvardsson et al, 2011).

De acordo com a S-D logic os clientes e os colaboradores de serviço são integradores de recursos. O cliente é o ator chave no processo de integração de recursos pois tem a capacidade de fazer apelo, adquirir, integrar e usar as estruturas disponíveis em contexto social (Edvardsson et al, 2013). E os colaboradores ao participarem no processo de cocriação de valor são também eles cocriadores de valor pela integração de recursos com os clientes. Nesse sentido, clientes e colaboradores, no desempenho das suas atividades são integradores de recursos que atuam em redes (família, amigos e outros atores) sociais incluídas no service system (Åkesson, 2011).

Os clientes são um dos atores fundamentais das relações prosseguidas no âmbito do funcionamento das organizações. Ao serem portadores de um capital humano que integra um conjunto de motivações, competências e conhecimentos manifestados através de interações, os clientes podem gerar ou não valor de forma intencional. Essa possibilidade, como vimos, não é passível de ser integralmente controlada por quem propõe as ofertas, uma vez que o valor não existe por si mesmo, realizando-se no processo de apreensão, integração e uso dos bens ou serviços que são permutados ou adquiridos. Nesta perspetiva, se o serviço é encarado como uma aplicação de recursos para benefício de diferentes atores (Vargo & Lusch, 2006), estes podem agir de tal maneira que ampliam o seu campo de atuação através de um jogo de interações e de redes conectivas (Grönroos, 2006; Gummesson, 2006).

A ênfase dada à dimensão coletiva (relações triádicas), a perspetiva meso, centra a sua atenção nos atores económicos e sociais, que, de acordo com as suas necessidades, expectativas e capacidades, mobilizam e trocam recursos num movimento contínuo e dinâmico de redes partilhadas. Este processo social e cultural capacita os seus diferentes atores a tornarem-se membros dessas redes interativas através da realização de ações e atividades tidas como recursos (Gummesson & Mele, 2010; Caridà et al, 2015).

Esta ativação de recursos não é redutível ao mero ato de fornecimento de uma proposta – serviço diádico – estando antes na origem de um conjunto de oportunidades mediante as quais o cliente pode, numa perspetiva social e cultural, gerar valor.

Esta perspetiva reticular, dinâmica integrativa e transformativa – que condiciona o eficiente funcionamento organizações – permite encarar o serviço como um sistema que,

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mediante a alocação e capacitação de recursos (operantes e operados), faz emergir, de modo iterativo, a criação de valor.

Segundo (Hibbert et al., 2012), a perspetiva de integração de recursos implica que os clientes e os colaboradores adquiram as competências e conhecimentos (aprendizagem) para se constituírem efetivos integradores de recursos no envolvimento das suas atividades para facilitar ou criar valor

Nesta investigação, o conceito de recursos será utilizado numa aceção associada às de integração e interação e será entendido como uma aplicação e um processo que permite realizar valor ou produzir efeitos através da incorporação de propostas de valor para benefício próprio ou de outrem.

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