• Nenhum resultado encontrado

2. Ensinar a aprender de forma significativa

2.2. O que significa aprender?

“Os nossos primeiros mestres de filosofia são os nossos pés, as nossas mãos, os nossos olhos. Substituir tudo isto por livros não é ensinar-nos a raciocinar, é ensinar-

nos a razão de outrem, é ensinar-nos a acreditar em muitas coisas e nunca a saber nenhuma.”

Rousseau, in Emílio II, p. 2854 Apresentar uma definição cabal e estruturada do conceito de aprendizagem constitui-se como uma tarefa complexa considerando as inúmeras definições disponíveis e os diversos contextos de aplicação existentes. O termo aprendizagem deriva do latim apprehendere que significa adquirir o conhecimento de uma arte ou ofício através do estudo ou da experiência. A abordagem do presente relatório terá como base a definição geral de aprendizagem humana comummente aceite apresentada por Gagné (1984): a aprendizagem pode ser entendida como uma “mudança na capacidade humana”, relativamente duradoura e não explicável através de processos de maturação (MIRANDA, 2005, p. 177). Esta “mudança cognitiva” ocorre apenas quando há aquisição de conhecimentos, habilidades, valores e/ou atitudes, situação que implica necessariamente a relação entre um organismo e um meio, ou seja, em função da experiência. A aprendizagem é, assim, um processo cognitivo através do qual vamos construindo vários conhecimentos, conceitos e competências que resultam numa alteração de comportamento, no sentido de responder às novas situações que enfrentamos, aos desafios com que nos deparamos e aos quais temos de dar resposta.

Para abordar o conceito de aprender importa considerar em simultâneo o conceito de ensinar. Conceber estratégias e orientações teorias para ensinar sem considerar a estrutura do “aprendizado” é desconexo. Para concebermos a aprendizagem temos que assumir a existência de um corpo (organismo) e de algo exterior que desperte a sua sensibilidade para a aprendizagem (não parece viável conceber a existência de interação e aprendizagem sem a existência do “exterior”). Conforme considera Morin (2002), o Homem é um ser de enorme complexidade estrutural bio-mental, requer uma adaptação ao meio envolvente de forma distinta das outras espécies do planeta e é aí que a aprendizagem é uma

mais valia sem a qual não seria possível a sua sobrevivência.

Face à abordagem multidisciplinar da estrutura atual, é útil clarificar que género de “aprender” pretendemos explorar no sentido de mobilizar as fontes que

54

56

nos interessam. Consideremos genericamente dois níveis radicalmente distintos de aprendizagem: i) nível comum a humanos e outros animais: este nível de aprendizagem relaciona-se com a sobrevivência. Do ponto de vista da psicologia evolutiva, a aprendizagem pode ser definida como a capacidade de adaptação ao meio ambiente. Para ser “bem sucedido”, um organismo necessita aprender um conjunto de conhecimento necessários ao seu sucesso adaptativo ao meio que o rodeia, pelo que esta aprendizagem é maioritariamente instintiva; ii) nível exclusivo dos humanos: neste nível encontra-se aquilo a que podemos chamar de aprendizagem humana. Esta aprendizagem distingue-se da aprendizagem meramente mimética e tem como característica singular a procura de conhecimento que transcende a sobrevivência, apelando a formas “superiores” de desenvolvimento e evolução no meio envolvente. Neste campo de ação, a aprendizagem é entendida como processo cognitivo fundamental do processo de

adaptação que nos torna essencialmente humanos. Esta adaptação humana

comporta a necessidade de se ensinar a si mesmo – os animais também aprendem, entre ajudam-se nesse processo porém, não neste sentido de autoeducação – de se impor a si próprio, conjuntamente com os outros da sua espécie, no sentido de evoluir cognitivamente, transformando o universo que o rodeia em favor de um estado “elevado”. Este nível de aprendizagem em que o homem se sente sempre “insatisfeito” é o ponto principal de distinção entre a humanidade e os restantes seres vivos, sendo aquele que nos interessa para a compreensão do fenómeno intitulado conhecimento – e para a correta interpretação da relação entre conceitos (inerente aos MC) – supondo que ainda não sabemos da existência de outros seres vivos mais evoluídos. (MORIN, Reformar o Pensamento, 2002, p. 9).

Partindo da definição consensual de aprendizagem como “um processo mental interno (ainda que possa ser observável), uma mudança relativamente estável adquirida pela experiência de aquisição de novos conhecimentos”, importa analisar a matéria de aprendizagem que é “do domínio do conhecimento” (REBOUL, 1982, p. 21) e sem a qual este não seria exequível: a informação. Sem informação não pode haver conhecimento, porém, a presença de informação não garante à partida a construção de conhecimento. O conceito de informação possui múltiplos significados, desde o uso quotidiano ao uso técnico. De modo simplista, a informação é essencialmente pragmática (MORIN, 2002; REBOUL, 1982) pode ser entendida como a organização de um conjunto de dados, cuja finalidade

é fornecer “esclarecimentos” úteis para a nossa existência e adaptação ao meio, “(...) serve para viver e não para saber; (...) a sua verdade reduz-se à sua utilidade.” (REBOUL, 1982, p. 30). De um ponto de vista técnico, a informação pode ser entendida como o estado de um sistema de interesse que pode ser materializado através da mensagem (processada entre emissor e recetor). Neste sentido, uma mensagem recebida e entendida pode ser designada de informação (SHANNON & WEAVER, 1949). A informação é a leitura que cada indivíduo faz de um conjunto de dados, o significado que o indivíduo lhe atribui ao internalizar um conjunto de dados. Como processo individual, a informação parece encontrar-se sujeita a variações próprias de cada um, na medida em que “cada pessoa recebe mais ou menos bem a informação conforme corresponde aos seus interesses e necessidades” (REBOUL, 1982, p. 23). Este aspeto “individual de assimilação” denomina-se de afetividade e é crucial quando o trabalho de transmissão de informação decorre em sala de aula – o professor deve estar consciente que cada elemento irá registar ou afastar a informação de forma diversa. É neste domínio que a afetividade e as experiências anteriores do sujeito são uma condição determinante para a “internalização” ou significação de uma determinada informação. Tal como afirma Reboul (1982), “(...) qualquer informação é recebida mais ou menos ativamente pelo destinatário, segundo a sua afectividade própria.” (pp.23-24). Quando não existe ligação entre o sujeito e os dados fornecidos, os mesmos serão intencionalmente afastados da sua estrutura cognitiva.

A comunicação é um veículo importante no processo de aprendizagem: é o intermediário que conduz a informação oriunda de um sujeito que ensina (professor) para um sujeito que aprende (aluno). De acordo com as tradicionais teorias da aprendizagem, o professor era o detentor fiel da informação (emissor) e o aluno, o recetor passivo da mensagem (informação) reproduzida. Nesta relação, supunha-se a existência de uma linguagem comum que permitisse a compreensão da comunicação emitida pelo professor, incorporando-a ou internalizando-a no seu entendimento. A “informatização” do conhecimento providenciada pelo rápido desenvolvimento das tecnologias da informação na atual sociedade, fez com que as escolas – que durante décadas se constituíram como fontes privilegiadas de acesso à informação e ao saber – deixassem de ser a primeira fonte de conhecimento para os alunos. Face à destituição massificada de

58

informação que outrora era privilegiada, as escolas devem fomentar nos alunos “capacidades de gestão do conhecimento ou, se preferirmos, de gestão metacognitiva” que os ajude a enfrentar as tarefas e os desafios que os aguardam na sociedade do conhecimento (POZO, 2007, p. 36). A tarefa de ensinar não se prende mais com a transmissão de verdades construídas, de conhecimentos estruturados mas com a diversidade de perspectivas, relatividade de teorias. Contrariamente à mera transmissibilidade de mensagens, o professor deve ensinar o aluno a utilizar habilmente a informação, a transformar um conjunto de asserções em conhecimento verdadeiro, ajudando-o a construir (no meio da imensidão de informação disponível) a sua própria verdade (perspectiva pessoal):

“Nós vivemos numa sociedade da informação que só se converte numa verdadeira sociedade de conhecimento para alguns, aqueles que puderam ter acesso às capacidades que permitem desentranhar e ordenar essa informação (POZO, 2007, p. 35).

Para o catedrático Pozo, o grande desafio na sociedade da aprendizagem estará na possibilidade de fazer um uso epistemológico dos sistemas culturais de representação do conhecimento, na criação de novas formas de relacionamento com o conhecimento. Informar não é ensinar. Aprender não é um ato generalizado, possui um carácter pessoal e emocional. O êxito da aprendizagem repousa na capacidade do docente despertar as experiências anteriores dos alunos adequadas à agregação de novos conceitos e informações (AUSUBEL, 1963).

No mundo informacional, esta tarefa passa por ensinar as metodologias adequadas à manipulação correta da informação, mediante a criação de situações de diálogo e discussão propícias à assimilação dos conteúdos. O professor deve definir-se tanto sujeito cognoscente quanto os alunos que pretende doutrinar. Ao contrário do conhecimento, a finalidade da aprendizagem não se encontra em si mesma, mas nos seus resultados, nas modificações que opera no comportamento exterior, no processo de adaptação ao meio.