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4. A PESQUISA REALIZADA

5.2 Fragmentos do dia 15 de junho de 2012

5.2.3 O que se vê, quando se olha a partir de dois lugares, ao

Para narrar o acontecido Talita se remete a dois momentos distintos: o do estágio quando ela ainda não trabalhava em escolas e o do estágio depois de começar a trabalhar como professora. Em cada um desses momentos, ela enuncia posturas distintas (julgar a partir de si x “ver diferente”, ou seja, entender a partir do ponto de vista do outro, da aproximação com o outro) e compreensões distintas da experiência do estágio (fato isolado x contexto; verdade x inverdade).

A mudança do lugar social altera a visão de Talita sobre o trabalho da professora. Enquanto exercia o papel somente de estagiária a visão sobre o trabalho da professora era a de que ela não se esforçava para fazer um trabalho diferente por preguiça. Como professora, Talita relata uma mudança de olhar em função do lugar social que passou a ocupar. "Agora que eu sei como é que é. Nesses últimos

estágios que eu fiz, eu já fui com um outro olhar. Você não sabe o dia-a-dia da sala, você está ali dois dias da semana, você não sabe o que aconteceu nos outros dias".

O lugar social de onde olhamos é constitutivo dos significados e sentidos atribuídos às relações vividas.

Ao destacar tal pressuposto, Talita responde a mim concordando com a sugestão de se colocar no lugar do outro e discordando de minha oposição à desconfiança das professoras e diretoras em relação ao estágio. Assumindo que o que se diz no estágio, a partir de fatos isolados são inverdades (conf. turno 24), ela justifica a desconfiança dos profissionais da escola: por serem inverdades, não merecem mesmo confiança.

Ela também responde a Alana e a Jade, ainda que não abertamente, ao sugerir que se o lugar social ocupado é constitutivo dos sentidos atribuídos às relações vividas, não são apenas as diretoras e as professoras que cismam sobre o estágio, os estagiários também o fazem.

Ela também não responde diretamente a Gil, mas sugere que as estagiárias estranham o que vivem na escola porque seu conhecimento do funcionamento dessa instituição, antes e mesmo durante o estágio, é lacunar e insuficiente. Há tarefas que são assumidas por diretores, coordenadores e professores, tais como recortar “os bilhetes da festa junina” e fazer “os canhotinhos

da venda de votos da miss sinhazinha”, que sequer são imaginadas pelos

estagiários, mas que são por eles executadas no dia-a-dia da escola.

Em resposta a Talita, endosso sua crítica às limitações e lacunas do estágio e o faço enunciando-me como participante dessa visão, na medida em que tomo o enunciado da Talita como uma justificativa de minhas orientações para as estagiárias: “Por isso que eu sempre oriento vocês a não ficarem um dia em uma

sala e outro dia em outra sala" (conf. turno 23). Entretanto não retomo minhas

contradições ao longo da interlocução. Contradições das quais, a bem da verdade, só me dei conta no momento desta análise.

Considerada a rede de relações tecida entre os enunciados analisados, a questão do lugar da estagiária na escola mostra-se muito mais complexa do que “o não lugar” assumido por mim.

Essa categoria, sugerida por Fontana e Guedes-Pinto em seus trabalhos (2002) é interessante para indicar que não há um lugar assegurado e definido de antemão para o estagiário na escola e para explicitar o caráter transitório do estágio. No entanto, ela não contribui para dar visibilidade ao lugar de cada uma das estagiárias na escola. Esse lugar que é produzido nas relações ali vividas e que indiciam o percurso feito por elas nas escolas, suas escolhas diante das diversas situações com que se confrontam, os modos como participam das relações escolares e como se percebem e se enunciam nessas relações.

Frente à complexidade da produção do lugar da estagiária na escola, do mesmo modo que não há um lugar definido de antemão, também não há estratégias de condução do estágio asseguradas por si mesmas. As condições de produção das relações entre os sujeitos envolvidos no estágio, pessoal e mediadamente, modulam a condução do estágio. A análise dessa diversidade de percursos é o que a supervisão de estágio proporciona em termos de aprendizagem tanto para as estagiárias quanto para a professora supervisora. Nessa análise, a escola é colocada no centro. Ela é, embora isso seja frequentemente negado pelas propostas de formação, o modelo da ação profissional por exigir dos estagiários uma resposta a cada uma das situações que lá acontecem.

Madalena Freire (1986) sinaliza, acertadamente, que todo educador tem seus modelos e necessita deles e quem está se formando necessita, mais ainda, partir de um modelo, de um parâmetro, para poder superá-lo. O empréstimo do modelo referencial é uma condição da superação, pois como a criança, o aprendiz necessita introjetar modelos para daí „nascer‟ para o mundo maior. No estágio, em contato direto com o cotidiano da sala de aula e da escola como um todo, com os professores, diretores, coordenadores e suas práticas, o pedagogo em formação se vê diante de referências, de parâmetros de ação que incorpora pela concordância e pela refutação.

A supervisão, como ponto de confluência das diversas leituras que se tem da escola (inclusive as do supervisor), dos sujeitos, rotinas e atividades que a constituem, mediatiza a elaboração dos modelos referenciais emprestados, de seus pressupostos e dos valores neles implicados. Essa mediação não é neutra e, como

os estagiários e o pessoal da escola, o supervisor de estágio também é surpreendido em suas contradições.