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Não bastassem as questões sociais, há ainda uma questão semântica a ser pontuada.

74 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 12.

75 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 13.

76 De acordo com definição fornecida por Juarez Cirino dos SANTOS quando trata da teoria negativa/agnóstca da pena criminal: “a) o modelo ideal de estado de polícia se caracteriza pelo exercício de poder vertical e autoritário e pela distribuição de justiça substancialista de grupos ou classes sociais, expressiva de direitos meta-humanos paternalistas, que suprime os conflitos humanos mediante as funções manifestas positivas de retribuição e de prevenção da pena criminal, conforme a vontade hegemônica do grupo ou classe social no poder; b) o modelo ideal de estado de direito se caracteriza pelo exercício de poder horizontal/democrático e pela distribuição de justiça procedimental da maioria, expressiva de direitos humanos fraternos, que resolve os conflitos humanos conforme regras democráticas estabelecidas, com redução ou limitação do poder punitivo do estado de polícia.” (itálicos originais) (SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 2.

ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2007. p. 467).

Na seara do Direito Penal e Processual Penal a gravidade de expressões descorporificadas, desprovidas de um pacífico significado e que, por tal, geram instabilidade se torna mais evidente, pois é onde se lida, constantemente, com o bem jurídico mais caro aos homens depois da vida: a liberdade.

Deve-se primar pela estabilidade do Direito. Por óbvio que não até seus ulteriores termos, pois não se pretenderia, sob qualquer hipótese, suprimir a função interpretativa da doutrina e da jurisprudência, pois é justamente esta função que permite que um texto legal passado tenha atualidade e se relacione com os conflitos hodiernos.

Para que a função interpretativa dos aplicadores e cientistas do Direito não exacerbe a necessária atualização do entendimento a ser dado às leis e se torne instrumento a serviço de interesses políticos ou pessoais (como o clamor público, o interesse comercial da mídia ou eleitoral de um governante, dentre outros), em especial na matéria Penal, onde o risco dessas interpretações é mais gravoso, deve o ordenamento jurídico estar adstrito a alguns muros. Assim, será possível que o Direito seja mais concretamente estabilizador da Justiça e que as interpretações não transponham certas barreiras. O Direito Penal e, consequentemente o Direito Processual Penal, estão murados pelo princípio da legalidade77.

Este princípio é a “regra principal da teoria da validade da lei penal no tempo”78 (itálico original), conhecido pela fórmula latina Nullum crimen, nulla poena sine lege79.

O princípio da legalidade é, num breve resumo de Juarez Cirino dos SANTOS (itálicos originais):

[...] o mais importante instrumento constitucional80 de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito, porque proíbe (a) a retroatividade

77 “O que não está previsto na lei, do ponto de vista penal, não é nada.” (ZAFFARONI, Eugenio Raul.

Função do Direito Penal é Limitar o Poder Punitivo. Conjur, Rio de Janeiro, 05 de julho de 2009.

Entrevista concedida a Marina Ito. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jul-05/entrevista-eugenio-raul-zaffaroni-ministro-argentino>. Acesso em: 10 de outubro de 2009.)

78 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2007.

p. 20.

79 Esta fórmula foi inaugurada por Feuerbach, mas ao revés do que se pensa, surgiu nele em outros termos, quando realizou uma “articulação das formulas „nulla poena sine lege‟, „nullum crimen sine poena legali‟ e „nulla poena (legalis) sine crimine‟”. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 66.

80 “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

como criminalização ou agravação da pena de fato anterior, (b) o costume como fundamento ou agravação de crimes e penas, (c) a analogia como método de criminalização ou punição de condutas e (d) a indeterminação dos tipos legais e das sanções penais.81

Em outras palavras, as funções desse princípio se resumem no brocardo:

Nullum crimen nulla poena sine lege praevia scripta stricta et certa, livremente traduzida como “não há crime ou pena sem lei prévia, escrita, estrita e certa”.

Especificamente sobre a certeza da lei penal, tem-se que é proibida sua indeterminação ou obscuridade, a fim de garantir “a proteção do cidadão contra o arbítrio”82 de interpretações judiciais sujeitas ao bel-prazer de seu intérprete e que acabem por lesar o princípio da culpabilidade. Relaciona-se, portanto, com o princípio da taxatividade, não sendo relativizável.

Assim, devem traduzir claramente as expectativas e a intenção do legislador, reduzindo a possibilidade interpretativa e impedindo dúbia interpretação que coloque em risco o objetivo principal, que é o caminho da Justiça.

Especificamente quanto à noção de “ordem pública”, percebe-se que este é um conceito jurídico indeterminado, instável, polissêmico, incerto e que, por assim o ser, desrespeita o princípio da legalidade em sua intrínseca exigência de certeza da lei penal.

A prisão preventiva para preservação da ordem pública presta-se, na prática dos Tribunais, para legitimar o discurso defendido pelo aplicador do Direito dependendo da posição que ocupa na relação processual (acusação ou réu/indiciado) e coloca o Juiz frente a um conceito que é vazio de significado, vez que entendível de tantas e inúmeras formas distintas – e muitas vezes opostas – que é impossível a ele analisar os argumentos apresentados pelas partes sem se deixar influenciar por seus próprios juízos de valor acerca de qual acepção lhe é mais razoável ou parece mais razoável no caso concreto. Molda-se, portanto, o mesmo argumento, para encarcerar e para pôr em liberdade os sujeitos mantidos sob a égide do processo penal ou do inquérito policial.

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

[...].”

81 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2007. p.

20.

82 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2007. p.

23.

A prisão preventiva com fins de garantir a ordem pública é falaciosa, portanto, em ambos os seus sentidos: no de “preservar” uma ordem que é fictícia, como já exposto, e no aspecto semântico, no seu significado, pois é entendida em sua acepção menos gravosa como prevenção à reincidência (como se possível fosse realizar uma medição a partir de concretos referenciais sobre a possibilidade de reincidência e o grau de periculosidade apresentado por um sujeito) e na mais gravosa, como preservação da credibilidade das instituições públicas, como efetividade da prestação jurisdicional, pautada na gravidade delitiva e no clamor público.

3.4. Ordem pública na jurisprudência: breve análise crítica da desordem dos