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O Recife já não era um aposento antigo e desabitado

João Cabral já costumava ser adorado por regionalistas e concretistas quando os universitários do Recife se deleitavam com as Elegias de Mauro Mota e os versos juvenis de Carlos Pena Filho e de Mozart Siqueira. Os dois últimos poetas estudaram na Universidade do Recife e não foi mera coincidência que tenham sido alunos da Faculdade de Direito do Recife39. Suas vozes participavam de um coro que vinha fazendo da Casa de Tobias um grande centro de efervescência político-cultural da cidade. Como cantava Mozart Siqueira, o Recife já não “era um aposento antigo e desabitado” e sua secular faculdade se destacava como importante centro de atração e circulação dos produtores culturais e intelectuais da região40. Dois vetores colaboravam com esta posição de destaque. Um primeiro, de ordem institucional, aflorou de sua longa tradição aristocrática e do prestígio de ter formado os primeiros bacharéis em Ciências Sociais e Jurídicas do Brasil, atuando durante quase todo século XIX e início do século XX como “Universidade” do Norte agrário do país. Nos seus salões as elites dirigentes do Império se bacharelavam e estreitavam seus laços de sociabilidade e fraternidade (CARVALHO, 2008). Este lastro ainda garantia prestígio e reconhecimento social aos seus agentes e não havia na comunidade universitária do

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Mauro Mota formou-se na FDR em 1937, quase uma década antes da criação da UR.

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Várias obras foram consultadas sobre a FDR: DELGADO, 1966; CASTRO, 1968; REGO, 1974; PEREIRA, 1977; NOGUEIRA, 1980; FEREIRA, 1981; BARROS, 1985; MOURA, 2000; DANTAS in BRANDÃO [org.], 2000; CUNHA, 2007; CARVALHO, 2008; CHACON, 2008; CESAR, 2009. A entrevista realizada com Heraldo Souto Maior também circulou em torno do tema da FDR. Dados da entrevista: 24/11/2009

Recife maior distinção acadêmica. A possibilidade profissional não se comparava com as restrições dos demais cursos de filosofia, ciências, letras e belas artes.

Outro aspecto determinante de sua influência escolar estava na formação humanista e fidalga que propiciava aos seus pajens. Antes da criação das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras o restrito campo profissional das humanidades era composto majoritariamente por bacharéis. Os juristas foram os primeiros professores e pesquisadores de filosofia, literatura, economia, sociologia, história, pedagogia. Há de se ressaltar que parte da tradição crítica brasileira tem por base os postulados dos bacharéis da assim chamada Escola do Recife, sobretudo, nas reflexões de Sílvio Romero (CANDIDO, 2003). Neste ínterim, afirmaria um distinto sociólogo formado na FDR41, “Faziam a FDR estudantes de todas as áreas: Literatura, Filosofia, Ciências Sociais e Belas Artes. Havia até alguns que faziam Direito”. Subjazia, então, certo ar bacharelesco em toda produção cultural da época e qualquer empreitada deste campo que almejasse algum sucesso na cidade, não poderia ignorar o espaço de agenciamento representado pela FDR. A própria Revista Acadêmica, criada em 1891, representava um espaço importante de arregimentação de projetos jurídicos, mas, antes de tudo, dos projetos políticos de seus colaboradores.

O periodismo acadêmico foi seguido pelas primeiras faculdades livres da cidade e, posteriormente, pela Universidade do Recife, dispondo algumas de suas unidades universitárias de revistas próprias, como a revista da Escola de Belas Artes, ou da experiência discente da Doxa, revista oficial do Departamento Cultural do Diretório

Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Pernambuco (EMERENCIANO, PEDROSA

e SCHUELER, 1952). A revista dos estudantes de filosofia já estava prevista no plano de estudos que criou a FAFIPE42, mas não podemos esquecer o esforço do Diretório Acadêmico da Faculdade, sob os auspícios de Fernando da Cruz Gouveia, presidente do DA em 1952, e sob a direção de Maria do Socorro Jordão Emerenciano, Bernardette Pedrosa e Arnaldo Schueller, integrantes do Departamento Cultural do Diretório (Doxas, 1962).

Se a comunidade acadêmica, por sua vez, não contou inicialmente com a existência de uma imprensa universitária, nove anos após a criação da Universidade, puderam usufruir do apoio fundamental deste órgão. A partir daí o periodismo universitário tomou maior fôlego (REZENDE, BERNARDES e ARAÚJO, 2006). A

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Dados da entrevista: Heraldo Souto Maior, 24/11/2009.

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criação da Imprensa Universitária em 1955 é um ponto incisivo para compreender a emergência do que Weber chamaria de “vocação para ciência” da nascente Universidade do Recife, já que a outra vocação weberiana, a “vocação para a política”, já atravessava há quase um século e meio a FDR. Com a Imprensa Universitária, e depois a Editora Universitária, os documentos internos, os periódicos noticiosos, científicos e pedagógicos ganham uma paulatina sistematização no prelo, rompendo parcialmente o isolamento de produção no qual se encontravam. Esta transformação não se opera da noite pro dia. Ao analisar detalhadamente a produção material da gráfica entre os períodos de 1955 e 1962, através do “UFPE – 50 anos da EDUFPE: Catálogo de publicações da EDUFPE 1955 a 2005” encontramos uma extensa lista de discursos impressos: aulas magistrais, conferências, saudações, aniversários e outras solenidades cívicas, vestígios do enfoque didático magistral daqueles anos. São escassas as publicações didáticas e científicas, apesar de não ser de todo inexistente. Nas humanidades encontramos publicações individuais de Amaro Quintas, Newton Sucupira, José Antônio Gonçalves, Nelson Chaves, A. Carlos Palhares, Gláucio Veiga, Luiz Valois, Gilberto Osório, Raquel Caldas, Mário Lacerda. Manifestação singular das Cátedras de saber (MAIOR, 2005), por ímpetos ocasionais, afinal, fruto de um esforço individual e não sistemático.

A dispersão inicial da Imprensa Universitária ganha uma oportunidade de atuação acadêmica interdisciplinar quando em 1962 é lançada a “Estudos Universitários: revista de cultura da UR”43. A revista publicada pelo Serviço de Extensão Cultural da UR tentou integrar os pesquisadores desta instituição – faculdades, institutos e escolas – sem prejuízos para suas iniciativas setoriais. Tendo como escopo a cultura, o periódico ofereceu a possibilidade de urdir o exercício intelectual universitário com a cidadania, operando uma crítica reformista à precariedade estrutural das universidades brasileiras e à sociedade na qual estavam mergulhadas. Se Paulo Freire e o reitor João Alfredo possibilitaram a criação da “Estudos Universitários”, vinculando-a a um projeto de “reforma universitária” (VERAS e MENDONÇA, 2004/2009), foi o seu primeiro editor, “o jovem professor de literatura brasileira”44, Luiz Costa Lima, o responsável pela efetivação do arranjo disciplinarmente matizado e

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Estudos Universitários: Revista de Cultura da Universidade do Recife. Volume 1,2,3,4 e 5. Recife,

Universidade do Recife, Imprensa Universitária, 1962-1963.

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socialmente participante da revista45. Ademais, conquistou um corpo de colaboradores invejável, não deixando a desejar uma Revista da Civilização Brasileira ou mesmo a Tempo Brasileiro de Eduardo Portella46.

As disposições críticas e políticas as quais caracterizaram a Estudos Universitários participam de um rumor cultural que envolvia a cidade do Recife e sua Universidade. O modelo intelectual humanista tradicional com seu referencial clássico e socialmente desinteressado, já não satisfazia os jovens produtores culturais da cidade. O fortalecimento das tendências progressistas no campo político brasileiro garantiu amparo institucional a toda uma geração de jovens que de maneiras diversas defendiam uma prática intelectual socialmente comprometida com a realidade brasileira, um fazer, sobretudo, ético, o que os não raros existencialistas daqueles anos, poderiam chamar de

responsabilidade do ser-aí, ou o que os leitores de Mannheim, como Paulo Freire,

chamariam de protagonismo crítico e conciliatório da intelligentsia nacional.

Um artigo publicado por Josué de Castro intitulado “A função Social da Universidade” (Diário de Pernambuco - 20/06/1948, p. 02) nos dá um indício desta preocupação de urdir o exercício cultural e intelectual a uma modalidade de compromisso político-social crítico. Para Castro, a nascente UR como uma universidade moderna deveria “estar sempre indissoluvelmente ligada ao organismo social que a gera e a qual deve servir plenamente”. Do contrário, correria o risco de seu uma “simples escola de artes e ofícios”. As missões da universidade deveriam ser: I – “Investigação criadora”; II- “Ensino universitário”; III – “Vigilância e defesa da cultura”. Josué de Castro acreditava que toda atividade universitária isolada e não sistemática colocava em risco a missão institucional desta, pela “ciência suspeita” ou “pseudo ciência” que produz e pela formação superficial que promove. Amparado nas leituras de Ortega y Gasset, alertou no artigo para as limitações do molde universitário humanista, menos compreensivo do que noticioso, não deixando de atentar para os perigos da guinada tecnocrática “de deplorável miopia política”47. Sua conclusão é conciliadora apontando para um “ensino universitário que combata a desumanização através de uma conduta

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Trataremos da Estudos Universitários e seus produtores nos capítulos seguintes deste trabalho. Por ora falemos do Recife e os embates que permearam a criação deste periódico.

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Parte dos colaboradores da Estudos Universitários passam a escrever nestes periódicos após as perseguições políticas do Regime Militar que resultaram na fechamento do Serviço de Extensão Cultural da UR e na prisão de seus membros.

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Ao tecer este comentário, Josué de Castro antevê através de Ortega y Gasset os descaminhos da Universidade Brasileira, que do cativeiro político-pedagógico do humanismo, pressionado nos anos cinquenta por reformas, se torna refém na década seguinte das reformas de viés tecnocrático do Regime Militar.

didática que absorveu todo ‘humanismo’ dentro do ‘puro’ cientificismo’.” O artigo de Castro antecede em mais de uma década o projeto de reforma universitária promovido na UR que permitiu a criação da Estudos Universitários, estando alicerçado em elementos de uma mesma prática cultural cuja disposição unia a produção intelectual ao exercício da cidadania.

Em outra esfera de produção, os movimentos socioculturais desenvolveram no início dos anos sessenta o conceito de cultura e educação popular como um arranjo de práticas e significados com fins de contestação social, não necessariamente produzido e praticado pelo povo, mas sim, destinado a e em conjunto com este (BERLINK, 1984; BARBOSA, 2009). A apresentação de um maracatu, vista a partir deste prisma fundamentado pelos teóricos dos Centros Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (ESTEVAM in FÁVERO, 1983), poderia ser denegada como cultura

popular de acordo com os valores políticos que este promovia ou não,

independentemente das origens sociais e culturais dos artistas. Contudo, se o maracatu fosse incorporado à manifestação pública das classes subalternas, engajado na contradança das reivindicações trabalhista, campesina ou estudantil, a suposta ingenuidade estaria transitando da alienação para os fazeres combativos e, portanto, desalienados. Este foi o principal ponto de impasse entre os agentes dos movimentos de cultura popular e outros estudiosos das manifestações telúricas (LEITE, 1965). Ambos reconheciam o valor identitário das práticas e representações populares, contudo, discordavam quanto ao dirigismo político que alguns imprimiam nestas formas de expressão, às propostas de facilitação da cultura erudita, visando uma (im)possível democratização e à “folclorização” cristalizante das culturas dos povos48. Em meio a fervorosos debates, no calor da cidade do Recife, poucos eram os que não se deleitavam em encontrar desfilando entre as vitrines e o concreto armado das construções modernas, o colorido ruidoso dos maracatus. Dependendo de por onde se caminhava tudo poderia ser absolutamente diferente: da extrema pobreza dos mocambos dos Coelhos à beleza dos soberbos edifícios da Avenida Guararapes, do movimento circular do Bumba-meu-boi aos letreiros do Cinema São Luis (BARBOSA, 2005; SILVA, 2005; TEIXEIRA, 2007).

No mais, se perder nas avenidas, ruas e travessas da velha metrópole podia ser uma experiência prazerosa. O roteiro aleatório de passeio entre cartazes e sedutoras

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As questões da cultural popular e da educação popular serão discutidas com maiores detalhes nos próximos capítulos.

gravuras, entre pontes e mais pontes, não era um tédio absoluto para as camadas letradas49. No centro do Recife todas as camadas sociais se encontravam imersos na abundância de vozes e conversas da urbe, espaço fecundo de trocas e gradual acomodação espacial dos rumores da fala, que ora separa por repulsão, ora agrega por simpatia, de acordo com jogo dos sotaques e das fronteiras das famílias letradas. São nestas fronteiras das sociabilidades que encontravam as facilidades para compartilhar experiências, solicitudes e expressões formalizadas, indispensáveis para angariar relativa distinção como grupo em meio aos outros. Eram nestas territorialidades onde podiam se munir do arsenal simbólico para os certames que ameaçavam cruzar as andanças do infante produtor cultural. Pode se afirmar que a dinâmica cultural do Recife já dispunha de uma relativa diversidade de cenários e de ações propriamente modernas apesar de dimensões espaciais provincianas onde todos acabavam se conhecendo. O advento da urbanização antecedeu a modernização das atividades produtivas do primeiro e segundo setor50, fazendo da cidade um fecundo espaço de produção cultural.

Para os melômanos, adeptos da música erudita, as três sociedades musicais da cidade – a Cultura Musical, os Amigos da Sinfônica e a Pró-Música – realizavam anualmente um circuito de espetáculos (TEIXEIRA, 2007). As apresentações aconteciam no mais glamoroso teatro do Recife, o Santa Isabel, onde também havia sido realizada a cerimônia de inauguração da UR e as festas de formatura dos universitários. Estas Sociedades musicais também organizavam encontros voltados para crítica da música, possuindo uma delas, a Sociedade Pró-Música, uma tendência vanguardista que a fez organizar os primeiros shows de musicistas da escola schoenberguiana no Recife. Para os avessos às típicas multidões dos espetáculos, a Diretoria de Documentação e Cultura (DDC - VERRI, 1996; TEXEIRA, 2007) possuía toda uma discoteca de audição gratuita e solitária em suas cabines. Além do repertório de música clássica, a Diretoria contava com uma pequena discoteca que reunia pesquisas no campo da etno-musicologia com um pequeno acervo de ritmos afro- brasileiros, repentes sertanejos e documentários em áudio produzido por folcloristas ingleses (TEIXEIRA, 2007).

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Os artigos de Orlando da Costa Ferreira publicados no 2º caderno do Jornal do Commercio, entre os anos 1963-1964 sob o título de Alfabeto e Imagem discutem esta experiência do viandante recifense e a dinâmica dos cartazes e outros produtos gráfico típicos da cidade.

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Há toda uma vasta historiografia denotando esta primazia da modernização urbana sobre as atividades produtivas da indústria e da agropecuária nordestina (SINGER, 1977; LACERDA, 1978; ANDRADE, 1979; BERNARDES e PERRUCI, 1996; OLIVEIRA 2008).

O DDC também estava à frente da Orquestra Sinfônica do Recife, cuja liderança, fora confiada ao Maestro Vicente Fittipaldi. Apesar da orquestra municipal não ostentar grande sofisticação, e daí ter sofrido as mais diversas críticas devido a suas limitações técnicas, as apresentações em espaços públicos da cidade significavam a rara oportunidade do cidadão menos abastado de escutar música erudita. Apenas mais tarde, com a criação da Radio Universidade, dirigida por José Laurenio51, a audição da música erudita poderia ser experimentada em domicílio, bastando apenas sintonizar o rádio no

dial 880.

O rádio já era uma mania recifense desde os anos 1920, graças à presença da Rádio Clube de Pernambuco. Seus dirigentes se viram impulsionados à mudança com a inauguração da Rádio Jornal do Commércio e da Rádio Tamandaré, no final dos anos 1940. Os programas de auditório e a participação de cantores consagrados como Orlando Silva, Luís Gonzaga, Ângela Maria e Cauby Peixoto, enunciam uma dinâmica espetacular e moderna do fazer radiofônico, envolvendo o espectador com sua programação cada vez mais interativa e estriada (TEIXEIRA, 2007). Estas emissoras dinamizaram o cenário cultural da cidade pelo corpo de profissionais que reuniram a partir de sua criação. Jarbas Maciel, um dos criadores do Movimento Armorial, faz referência a um dinamismo cultural possibilitado por Francisco Pessoa de Queiroz ao fundar a Rádio Jornal do Commercio e congregar uma equipe diversificada em torno da emissora. Um destes agentes foi o maestro César Guerra Peixe, contratado como arranjador da Rádio. O maestro se dividiu entre as funções técnicas, as pesquisas antropológicas e o ensino de música, tendo sido professor, por esta época, de jovens músicos como Capiba, Sivuca e do próprio Jarbas Maciel. Não foram as promessas de bons rendimentos que trouxeram o músico para o Nordeste, mas a paixão pelos folguedos populares e os boatos de que os mesmos ainda corriam livres na capital pernambucana e seus arredores. Os rumores podiam ser confirmados com algum esforço e sorte do não raro visitante/pesquisador. As apresentações se davam ao longo de todo ano, sobretudo, no Carnaval, no São João e no Natal, mas não deixavam de acontecer durante as festividades locais como no dia de Nossa Senhora da Conceição/Iemanjá (8 de dezembro/ 2 de fevereiro), Nossa Senhora dos Prazeres/Festa da Pitomba (2º domingo após a páscoa), ou mesmo, nos finais de semana nos largos das Igrejas, terreiros e pátios de feiras dos arrabaldes da cidade:

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muitas de suas tradições culturais, por exemplo, suas brincadeiras, mantinham-se constantemente realimentadas por novos contingentes de interessados. Como decorrência, os bumbas-meu-boi, maracatus, cavalos marinhos, mamulengos, pastoris, fandangos, etc., não só podiam recrutar novos integrantes com relativa facilidade como, com mais facilidade, encontravam público e ocasiões favoráveis a suas apresentações. (TEIXEIRA, 2007, p. 85)

Foram as pesquisas sobre estas manifestações típicas que trouxeram o músico dodecafonista ao Recife. O estudo sobre os ritmos nordestinos como o maracatu, o coco, o xangô e o frevo resultaram em algumas composições musicais e no livro

Maracatus do Recife (1955). No entanto, a experiência formativa de todos que

vivenciaram sua curta presença na cidade, significou para alguns o ponto mais importante de sua passagem pelo Recife (de 1948 a 1950). O já citado músico, matemático e filósofo Jarbas Maciel, formado em Filosofia na FAFIPE, em matemática na Universidade de Pensilvânia e no Conservatório Pernambucano de Música, em entrevista pessoal afirmou que ter sido aluno de Guerra Peixe nos tempos de mocidade era o título mais importante de sua vida (MACIEL, 2004/2009). A narrativa deste intelectual e da historiografia até aqui discutida mostram a aspiração do Recife de alcançar uma modernidade na produção, difusão e recepção da música erudita, ao passo que seus arrabaldes já eram muito antes desta suposta modernidade cultural, lugares fecundos de manifestação musical e cênica de tradições populares, mesmo com toda repressão policial contra estes tipos de folguedos.

Esta riqueza não passou em branco para Hermilio Borba Filho e Ariano Suassuna quando ajudaram a criar o Teatro do Estudante de Pernambuco e anos mais tarde o Teatro Popular do Nordeste. Buscavam com isto unir sua cultura literária e dramatúrgica com as formas de expressão de base popular (TEIXEIRA, 2007). Buscando a identidade nacional nos elementos popularescos, forjaram uma linguagem própria e, se não encontraram a essência nacional que procuravam, pelo menos, ganharam com isto prestígio e reconhecimento em meio aos produtores culturais. Nesta mesma empreitada por visibilidade e distinção foram criadas outras entidades ao longo desse período, como a Sociedade de Arte Moderna de Pernambuco, o Atelier Coletivo, a Escola Prática de Teatro, o Movimento de Cultura Popular (MCP) e o Gráfico Amador (TEIXEIRA, 2007).

Nos anos 1960 o Movimento de Cultura Popular inaugurou em associações de bairros, ligas de dominós e outros espaços comunitários, umas duas centenas de escolas

primárias. Decerto a empreitada teria sido impossível sem o apoio do então prefeito de Recife Miguel Arraes. Neste sentido o MCP desempenhou as funções de uma ainda inexistente secretaria de educação e cultura, embora, a partir do que entediam ambiguamente por educação e cultura popular. Estes princípios orientaram a criação das praças de cultura, dos programas de alfabetização e conscientização, da Galeria de Arte às margens do Capibaribe, do Centro de Artes Plásticas e Artesanato e dos grupos e escolas de teatro, música, cinema e dança popular. A sede do MCP, o casarão histórico do Sítio da Trindade, estava localizada nos subúrbio do Recife e recebia diariamente pessoas dos mais variados segmentos sociais em busca das mais diversas iniciativas em pleno curso.52

Ao nível acadêmico, a cidade era palco de periódicas palestras, exposições e conferências, normalmente organizada pela DDC e pela malha universitária do Recife (UR, URP, UNICAP)53. Estes encontros eram espaços de certame e crescimento intelectual, lugares onde se desenhavam as fronteiras e territórios das “famílias” intelectuais e suas semióticas54. Os jornais funcionavam como lócus público destes embates letrados, eram a partir de seus quadros e quadrículos e como neles se inscreviam