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Capítulo II. Contrato de Sociedade e Regulamento de Execução

2. O regime de reforma

Por imposição do n.º1 do art. 402.º tem de constar do contrato de sociedade o regime jurídico aplicável à pensão de reforma, incluindo os critérios aplicáveis à atribuição da pensão. A doutrina e a jurisprudência, que partilham deste entendimento, têm apontado os seguintes critérios para que tal direito seja reconhecido: os destinatários do direito, as regras sobre a idade (mínima) de reforma e o número de anos ao serviço da

sociedade, assim como, os critérios de cálculo da pensão e o seu limite máximo147.

Note-se que, embora possam parecer excessivas as restrições que estabelecemos, em seguida, para o desenho do regime aplicável a estas pensões, tem-se como intuito proteger os interesses de todos aqueles que se relacionam com a sociedade e que de alguma forma possam ser afetados por esta matéria. Ainda que estas reformas sejam uma forma de fidelizar e captar os melhores administradores, não se deve cair na tentação de se prever um regime que ou foge aos limites e requisitos estabelecidos na lei societária ou foge à capacidade financeira da empresa e que, por isso mesmo, será eventualmente posto em causa num determinado momento da vida da sociedade. Com efeito, a natureza injuntiva da norma e do regime ali previsto não se compatibiliza com a possibilidade de os sócios fazerem valer o princípio da autonomia privada, afastando o que aí se determina,

147 A este respeito, vd., LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Do regime jurídico

do direito à reforma dos administradores a cargo das sociedades anónimas, cit , 2010, p.544, assim como, PAULO OLAVO CUNHA, «Reforma e pensão de administradores (a cargo da sociedade administrada)», cit, 2014, p.336. No mesmo sentido, vd., o AcSTJ de 10 de Maio de 2000 (FRANCISCO LOURENÇO), CJ/AcSTJ, ano VIII, t.II, 200, pp. 52-54.

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«ainda que por decisão unânime refletida no próprio contrato de sociedade»148 149. A

interpretação da lei deve ser cautelosa, se não mesmo restritiva150. A autonomia negocial

não pode aqui ser escudo de defesa151. Porém, os requisitos e exigências que encontramos

para a estipulação do benefício social, não são, de qualquer das formas, demasiado extensos ao ponto de tirarem aos estatutos o seu caráter enxuto, exigindo-se apenas os critérios estritamente necessários para que se dê visibilidade das características e alcance do direito ali consagrado.

2.1 Os destinatários do direito

O contrato de sociedade poderá circunscrever a atribuição do benefício a apenas certas categorias de administradores. Pode, por exemplo, estabelecer-se que o regime apenas é aplicável aos administradores da comissão executiva, tal como previsto no art. 25.º do contrato de sociedade do BES, já aqui citado.

Adicionalmente, ficam de fora da capacidade da sociedade as pensões de sobrevivência atribuídas a cônjuges e filhos. De igual forma, deve ser rejeitada a atribuição de pensões de reforma a outros membros de órgãos sociais, não por falta de qualificação dos mesmos que justifique a atribuição do incentivo e benefício social, mas pelo facto da lei não o prever expressamente.

O carater de contrapartida das pensões, e de conexão com a remuneração, implicam a rejeição de uma eventual cláusula que preveja a pensão de um administrador em exercício gratuito de funções. Note-se, contudo, que esta não parece ser a posição

defendida por BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER 152.

Importa ainda saber se a efetivação do direito à pensão de reforma a cargo da sociedade depende, sempre, da passagem à situação de reforma, ao abrigo do regime da

148 LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, «Do regime jurídico do direito à reforma

dos administradores a cargo das sociedades anónimas», cit, 2010, p.539.

149 Cfr. PAULO TARSO DOMINGUES, «A reforma dos administradores», cit, 2010,p. 28.

150 Neste sentido, cfr., ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado,

cit, 2011, p. 982.

151 A este respeito, considera BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, «As pensões de reforma e a

segurança social dos administradores e doutros membros dos órgãos das sociedades (artigo 402.º do Código das Sociedades Comerciais)», cit, 2015, p.569, que « (...) está longe de ser uma norma excecional aquela que, preservando a autonomia negocial, vai no sentido de uma conceção moderna da sociedade e da sua gestão. O art. 402.º (…) corresponde ao princípio geral de autonomia».

152 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, «As pensões de reforma e a segurança social dos

administradores e doutros membros dos órgãos das sociedades (artigo 402.º do Código das Sociedades Comerciais)», cit, 2015, p.564.

43 segurança social. Á semelhança do que se defendeu quanto ao limite do n.º2 do art. 402.º, a interligação com a pensão da Segurança Social aconselharia a considerar-se inválida uma eventual cláusula estatutária que determine a atribuição do direito antes de atingida a idade mínima prevista no regime geral da segurança social. Mas, não estabelecendo a lei esta exigência, resta-nos aconselhar os estatutos a estabelecerem que, para efeitos de atribuição da pensão a cargo da sociedade, deve relevar a data em que o administrador complete a idade normal de reforma, conforme o estabelecido no regime geral da Segurança Social, e que, de igual forma, o administrador será considerado em estado de invalidez total e permanente se for reconhecido como tal pela segurança social153. A título de (bom) exemplo veja-se o artigo 17.º, n.º 6 do contrato de sociedade do BCP:

Artigo 17.º

Segurança Social e Complementos

A efetivação do direito ao complemento depende de o beneficiário passar à situação de reforma por velhice ou por invalidez, ao abrigo do regime de segurança

social que lhe for aplicável.

Não se confunda esta questão com a exigência, sempre válida, de um número mínimo de mandatos enquanto administrador, ou de um número mínimo de anos em exercício de funções enquanto administrador ou trabalhador da sociedade. Esta exigência vai de encontro à finalidade de captação, mas principalmente de retenção dos melhores administradores, que a sociedade almeja com atribuição destas pensões.

2.2. Os valores da pensão

Enquanto elemento fulcral dos encargos que a sociedade assume, os valores e os critérios da atribuição das pensões de reforma dos administradores não podem deixar de estar refletidos nos estatutos da sociedade.

153 Cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de dezembro de 2013 (TOMÉ RAMIÃO)/ Proc. Nº

1706/10.1TVLSB.L1-6,www.dgsi.com, onde se esclarece que, «A resposta à questão de saber se a pensão de reforma por velhice está ou não dependente do requisito de idade mínima do beneficiário/administrador, no caso, de 65 anos, tem de ser encontrada no pacto social onde foi estabelecido e não no sistema público de proteção na velhice da segurança social.» A mesma orientação é defendida por JORGE M. COUTINHO DE ABREU, Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Vol. VI, IDET/ Almedina, 2013, pág. 375. Seguindo outra orientação, cfr,. PAULO OLAVO CUNHA, «Reforma e pensão de administradores (a cargo da sociedade administrada)», cit, 2014, p. 325.

44 Em respeito do art. 402.º, n.º2, a soma da pensão de reforma a cargo da sociedade, com a pensão a cargo do regime da segurança social, não pode exceder o valor da remuneração do administrador em efetividade de funções mais bem pago.

Neste domínio, o artigo 17.º, n.º 4 do contrato de sociedade da Semapa merece o nosso parecer favorável, na medida em que estabelece uma conexão com os “outros

sistemas de proteção”, onde naturalmente se enquadram o sistema previdencial da

segurança social. Assim, nos termos do citado artigo: Artigo 17.º

(…)

Quatro- O sistema de reforma por velhice ou invalidez ou de complemento de pensão de reforma deve considerar os direitos adquiridos pelos administradores no

âmbito de outros sistemas de proteção

Todavia, a citada previsão contratual não é suficiente, faltando, nomeadamente, a previsão da forma de cálculo da pensão e o limite máximo da mesma.

O facto de a lei limitar a pensão à remuneração do administrador mais bem pago, em exercício, não significa que a sociedade fica vedada a este limite. Ainda que a pensão de reforma do administrador a cargo da sociedade não possa exceder aquela remuneração, tal não implica que a sociedade não pode estabelecer um limite mais rigoroso. O art. 402.º, n.º2 não estabelece uma fórmula de cálculo estanque, a sociedade reserva alguma autonomia neste campo, ainda que, estando sempre vinculada àquele teto estabelecido pela lei.

Resta relembrar que o limite estabelecido no citado preceito legal é aplicável a todas a vantagens atribuídas a título de pensão de reforma. Não se tente aproveitar a falta de clareza da lei naquela utilização de conceitos diferenciados nos n.ºs 1 e 2 do art. 402.º, de forma a achar-se na cláusula estatutária uma indicação de que se está perante uma

pensão de reforma, e não perante um complemento de pensão de reforma, pelo que não

é devido a observância do limite imposto.

2.3 Articulação com o regime da Segurança Social, Fundos de Pensões e Seguros

Essencialmente relevante do ponto de vista da interpretação do benefício social que a sociedade atribui ao administrador e que se prevê nos estatutos da sociedade é a fixação

45 dos termos em que tal benefício se integra e articula com a pensão a cargo da Segurança social. Relembre-se que, não prevendo a lei a obrigatoriedade de dedução da pensão da Segurança Social no cálculo do limite máximo da pensão complementar a cargo da sociedade, nem se estabelecendo que o momento de concessão da pensão coincide coma data em que o administrador passa à situação de reforma, segundo o sistema público de Segurança Social, se nada se estabelecer a propósito desta articulação, presume-se que, relativamente aos aspetos citados, a fixação da pensão a cargo da sociedade faz-se em termos autónomos.

De igual forma, a mediação da pensão por esquemas legais de fundos de pensões, ou a celebração de contratos de seguro, deve estar consagrada no contrato de sociedade. A tentação seria remeter estes aspetos para o regulamento de execução, mais prático e procedimental, mas, enquanto formas de acautelar os riscos inerentes à diminuição da capacidade financeira da sociedade e de tornar definidos os encargos que a sociedade assume, considera-se essencial a previsão dos esquemas legais disponíveis (seguros e funões de pensões) que medeiam a atribuição da pensão.

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