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CAPÍTULO VI ESTUDANTES REGRESSADOS A ANGOLA: ESTUDO DE TRÊS

6.6. O Regresso a Angola: O Desfecho Previsível?

Depois de terminada a formação, coloca-se a questão do retorno a Angola. Como foram entrevistados aquando do seu regresso a Angola, não se pôs a questão do não retorno ao país de origem. Daí que a nossa análise não incida somente sobre os fatores estruturais e as motivações que influenciaram a decisão de retorno, mas também em relação aos impactos da formação superior obtida no exterior na sua integração profissional e impacto na sua carreira,

156 isto é, como foi a sua inserção profissional depois de regressarem a Angola. Também em relação ao retorno há diferenças quanto as suas expectativas de acordo com cada um dos grupos geracionais identificados.

Várias motivações podem ser apontadas como relevantes para a decisão do retornar ao país de origem. Em primeiro lugar, os imperativos legais que impedem os estudantes de permanecerem no país de acolhimento pois, terminada a formação termina igualmente a possibilidade de aquisição visto de estudante. A sua permanência implica assim a aquisição de um visto de trabalho, que se revela mais difícil. Por outro lado, como os estrangeiros, permanece a dificuldade de integração profissional. A falta de oportunidades para seguir carreira no país de acolhimento determina o seu regresso ao país de origem. Neste caso concreto, o contexto económico atual de Angola tem contribuído para o retorno dos formados. A geração dos bolseiros (G1) não teve dúvidas quanto ao retorno a Angola. Como bolseiros do Estado angolano e funcionários públicos, tinham o seu posto de trabalho assegurado depois da conclusão da formação.

Nunca pensei em ficar em Portugal. O objetivo foi terminar a formação e regressar ao Lubango para junto da minha família. Apesar do intensificar da guerra civil na década de 1990, sabia que a guerra estava para terminar brevemente. Além disso tinha o meu emprego. Ia ficar lá a fazer o quê? (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em ciências da educação, decano e professor universitário).

Não quis ficar. Tinha um compromisso com Angola. Cumpri o meu objetivo e tinha que regressar (G1 - sexo masculino, 50 anos, licenciado em relações internacionais, consultor e professor universitário).

Ficar no Brasil não. Nunca coloquei essa hipótese. Nem nos momentos mais difíceis que Angola passou pensei em abandonar o país. Se nós angolanos não ficarmos aqui a trabalhar para reconstruir Angola quem é que fará isso? (G1 - sexo feminino, 64 anos, mestre em psicologia, professora universitária).

Os entrevistados desta geração assumiram a sua deslocação para fora do país com o “espírito de missão”, funcionando esse espírito como um imperativo moral para regressar a Angola.

Eu quando fui para Portugal fui sozinho. A bolsa também era pequena. A minha mulher ficou aqui no trabalho dela e a cuidar dos filhos. Eu fui cumprir uma missão. Muitos dos meus colegas

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levaram a família e já não regressaram mais, estão lá ainda. Mas eu tinha que regressar (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em ciências da educação, decano e professor universitário).

Existindo de igual forma imperativos legais que determinaram o seu retorno, pois, como bolseiros, tinham que “retribuir” esse investimento ao país, dando o seu contributo depois de formados.

Assim que terminei a formação tinha que regressar e ajudar na reconstrução do meu país. No meu contrato estava escrito que assim que terminasse a licenciatura tinha que regressar para ensinar àqueles que ficaram aqui. E é o que estou a fazer. Além de estar aqui no ministério também dou aulas a noite na universidade (G1 - sexo masculino, 50 anos, licenciado em relações internacionais, consultor e professor universitário).

A geração “jovem” (G2) apresenta duas posições distintas. Por um lado, aqueles que partiram para o estrangeiro com bolsas de estudo apresentam um discurso mais próximo da geração dos “mais velhos” (G1).

Os planos apontavam para o regresso depois de terminar a formação. Nunca sequer pensei em ficar em Portugal para trabalhar. Nem em Portugal nem em lado nenhum. Isso esteve sempre fora de questão. Eu acredito que é em Angola que tenho que estar e dar o meu contributo para a reconstrução do nosso país (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em ciências policiais, consultor de segurança).

Ao passo que, aqueles que partiram com o apoio da família, sem compromissos de retribuição ao Estado angolano têm outro tipo de abordagem.

Considerei a hipótese de não regressar já a Angola. Queria regressar mas também queria primeiro ganhar mais experiência no mercado de trabalho (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing, gestora).

Embora muitos dos estudantes angolanos que se encontram no exterior manifestem o desejo de retorno, depois de concluída a formação, muitas vezes esse desejo não se concretiza, atitude que os entrevistados dizem compreender.

Não condeno quem não queira regressar porque não é fácil. Não há condições, incentivos, não há bibliotecas, laboratórios, incentivos à investigação (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing, gestora).

158 Para esses “jovens”, o regresso a Angola e a reintegração na sociedade angolana não se apresentou fácil. Além das diferenças sociais em comparação com o que deixaram, deparam- se com a realidade de um país ainda em reconstrução.

Agora mais ou menos já me ambientei. Mas não no princípio só me apetecia fugir. Primeiro porque já não conhecia ninguém, nem mesmo uma parte da família. Não tinha amigos, pessoas com quem sair. Depois foi a adaptação à cidade. Muito suja, cheira mal, muita insegurança. Eu ainda hoje tenho medo de andar na rua (G2 - sexo feminino, 27 anos, licenciada em psicologia, técnica de recursos humanos).

A adaptação a Angola no regresso foi horrível. As coisas mudaram, as pessoas mudaram. Em Portugal tinha liberdade, sentia-me segura e aqui não tenho isso. Estou muito condicionada e tenho mas controle do meu pai que se preocupa (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing, gestora).

Por outro lado, as expetativas de emprego apresentam-se mais difíceis do que lhes tinha sido transmitido.

Mesmo na procura de emprego, para quem vem de fora tem que ter cunha pois é muito difícil. A formação só por si não nos abre portas. Tem que saber como é que o currículo chegou a empresa e entra primeiro quem tem maior influência. A cunha passa sempre a frente (G2 - sexo feminino, 27 anos, licenciada em psicologia, técnica de recursos humanos).

Alguns destes “jovens” não tiveram dúvidas em relação ao seu retorno, apenas ponderaram se era o momento certo para o fazerem.

Quando acabei o curso queria fazer uma pós-graduação. Ainda me candidatei, no ISCSP, mas o Ministério do Interior de Angola não aceitou. E tive que regressar, um mês depois de terminar o curso. Embora quisesse ficar mais um pouco não deu (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em ciências policiais, consultor de segurança).

Depois de acabar o curso andei dois anos no vai e vem. Vinha, ficava dois meses e voltava. Não me adaptava nem cá nem lá. Fiz muitas entrevistas. Fiz um estágio no BPI – Unidades Participadas – que integrava estudantes africanos para depois os enviar para os seus países (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing, gestora).

As dificuldades de reintegração foram os principais motivos que levaram esses jovens a adiarem o seu regresso a Angola e a permanecerem mais tempo no país de destino.

Depois de acabar o curso ainda fiquei muito tempo no Brasil. Não vim logo. Achei que as condições ainda não estavam boas (G2 - sexo masculino, 34 anos, licenciado em comunicação, jornalista).

159 É precisamente essa a geração que não descarta a possibilidade de voltar a partir para o exterior em busca de novas experiências profissionais ou de formação, mas tendo sempre como objetivo final o retorno a Angola.

Se me oferecerem boas perspetivas de futuro não pensaria muito. Já sinto necessidade de estudar, fazer um mestrado, aculturar-me um bocado. Profissionalmente não estou instável mas gostaria de fazer mais qualquer coisa, investir mais em marketing que é uma área que gosto e que aqui ainda está muito fechada e não se tem muito conhecimento (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing, gestora).

Aqui tenho perspetivas de futuro e a empresa disponibiliza formação. Quero ir lá fora adquirir mais formação e conhecimento, mas é em Angola que quero viver. Aqui é a minha terra (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em ciências policiais, consultor de segurança).

Eu neste momento coloco a hipótese de sair de Angola. Aliás, estou para ir a Londres fazer formação. Mas vou para a formação com o objetivo de regressar e implementar aqui o que aprendi. Ficar lá não. Não me parece. (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em ciências policiais, consultor de segurança).

Tendo em conta que a circulação de estudantes é uma constante nos países desenvolvidos, a G2 manifesta um desejo de fazer o mesmo, fruto da sua estadia prolongada no exterior.

Em relação à terceira geração, a possibilidade de permanecem no país de acolhimento nunca se colocou pois não criaram laços que os fizessem ficar. O contacto permanente com Angola não quebrou os laços familiares e de amizade que deixaram no país de origem.

A ansiedade de regressar era muita. Assim que conseguimos tratar da documentação da universidade viemos logo embora (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em gestão e empresas). Vim logo assim que acabei o curso. Era o que queria e foi um pouco intuitivo. Gostei de Portugal

mas nunca pensei ficar. A família, os laços, os amigos fazem-me regressar. Luanda é a minha cidade e não me vejo a viver noutro sítio (G3 - sexo masculino, 23 anos, mestre em gestão de empresas, técnico de audiovisual).

De salientar que a menor taxa de retorno a Angola está relacionada com aqueles que partem para os países desenvolvidos, neste caso particular para Portugal. O fato deste país ser um estado membro da União Europeia possibilita aos estudantes uma maior circulação pela Europa, onde encontram mais facilmente melhores condições de trabalho e melhores

160 condições sociais, uma vez que existe uma maior circulação de profissionais qualificados neste continente. Em relação ao Brasil os ex-estudantes inquiridos referem que,

O Brasil dá incentivos e apoia os estudantes que vão para o Brasil. Mas também incentivamos o seu retorno a Angola. Um dos pontos do contrato que o estudante assina connosco é que tem que regressar a Angola. Só entregamos o diploma de conclusão de curso aqui na embaixada e ao próprio titular (responsável do departamento educativo do consulado brasileiro em Luanda).

O diploma de ensino superior emitido por uma universidade estrangeira, representa, de acordo com os entrevistados, melhor aceitação no mercado de trabalho angolano dada a longa tradição de realização de formação superior em países estrangeiros. No caso de Portugal, o fato deste país ser um estado membro da União Europeia veio valorizar ainda mais os diplomas das suas instituições de ensino superior, pois, para os entrevistados, trata-se de um país europeu, onde a qualidade é reforçada tanto pela longa tradição universitária como pelos critérios de exigência impostos pela União Europeia.

Para a G1, a frequência universitária em Portugal permitiu-lhes adquirir outras competências e conhecimentos que se revelaram essenciais para o seu desempenho profissional.

Eu tenho muito boa impressão do meio académico português. Lá onde eu andei, na Universidade do Minho, aprendi coisas que ainda hoje aplico nas minhas aulas, ainda hoje são atuais (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em ciências da educação, decano e professor universitário).

Realçam a qualidade e atualidade dos curricula.

O que me fez ir para Lisboa foi a diferença de ensino, a atualidade. E é este conhecimento e esse diploma que me permite ser professor universitário (G1 - sexo masculino, 50 anos, licenciado em relações internacionais, consultor e professor universitário).

Bem como o relacionamento com os professores.

Sempre tive bom relacionamento com os meus professores. Ainda mantenho o contato com alguns deles. Inclusive enviam-me livros mais atualizados. Sabe que na área do direito todos os dias saem coisas novas (G1 - sexo masculino, 59 anos, mestre em auditoria e direito bancário, professor universitário).

Essa visão positiva do ensino superior português é igualmente partilhada por alguns “jovens”.

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Eu hoje conheço o fundo policial, o papel determinante da polícia numa sociedade, o mundo moderno da entidade em si e isso foi graças à formação que realizei em Portugal. Essa formação abriu-me e continua a abrir-me portas, mas sobretudo alargou os meus horizontes (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em ciências policiais, consultor de segurança).

Outros apresentam-se mais críticos em relação oferta de ensino superior em Portugal

Se fosse hoje e tivesse possibilidade, escolheria antes ir para outro país que não Portugal. Optaria antes por um país anglo-saxónico africano. Não iria para Lisboa. Em Portugal as mentalidade são muito fechadas, o próprio ensino superior é um meio muito fechado, às vezes limitado (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing, gestora).

Críticas que se estendem a alguns entrevistados “mais jovens”.

Tenho um reparo ao sistema de ensino português, Peca pela falta de empreendedorismo. Ninguém quer montar a sua empresa, saem todos da faculdade à espera de serem empregados e não empregadores. Atualmente está a mudar um bocadinho mas muito lentamente. O professor ainda é aquela pessoa que nos diz o que está certo e o que está errado (G3 - sexo masculino, 23 anos, mestre em gestão de empresas, técnico de audiovisual).

Registam-se igualmente críticas à posição de Portugal em relação a Angola. Todos os entrevistados que frequentaram o ensino superior em Portugal salientaram que este país não tem sabido aproveitar a vantagem que tem no seu relacionamento privilegiado com Angola. Defendem que Portugal deveria ser mais “agressivo”.

Eu mantenho o contato com alguns professores. Um deles até me envia livros e me ajuda a manter- me informado sobre as coisas novas que vão saindo. É que nós aqui temos muita dificuldade de acesso a obras. Mas para as obras chegarem aqui eu é que tenho que arranjar quem tragar. É muito caro. Não consigo recomendar livros aos alunos porque os livros não chegam aqui. Podiam estabelecer um acordo para envio de livros (G1 - sexo masculino, 59 anos, mestre em auditoria e direito bancário, professor universitário).

Salientam pontos-chave na cooperação educativa que podiam ser mais explorados tais como apoios a ações de formação, participação em congressos e acesso a projetos de investigação.

Eu sou sócio do CEA, mas não sei o que o CEA anda a fazer. Hoje em dia já há internet e posso ir ao site ver o que se passa. Mas se me interessar participar num determinado congresso e pedir apoio não dão, nem mesmo se pedir ajuda de material bibliográfico. Assim que acabamos o curso

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praticamente somos mandados embora (G2 - sexo masculino, 37 anos, mestre em estudos africanos, consultor).

Eu gosto dos portugueses, gosto do meio académico português, mas acho que Portugal não cuida dos seus. Eu fui estudante lá em Portugal e assim que acabei e regressei Portugal não quis saber mais de mim. Por exemplo, a minha mulher estudou com os franceses e ainda hoje, depois de tantos anos, ela recebe informação de França sobre formações, congressos. Eles mantêm uma boa ligação. Portugal este tem que se mostrar mais agressivo no que toca aos apoios à educação aos angolanos (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em ciências da educação, decano e professor universitário).

Em relação àqueles que estiveram no Brasil, as opiniões aproximam-se do retrato traçado por cada uma das gerações que esteve em Portugal

Eu considero a qualidade do ensino superior no Brasil muito boa e a Universidade de São Paulo, onde eu estudei, é considerada a maior universidade da América Latina. Pra mim isso é uma referência (G1 - sexo feminino, 64 anos, mestre em psicologia, professora universitária).

Gostei muito do meio académico, das ideias, da exigência (G2 - sexo masculino, 34 anos, licenciado em comunicação, jornalista).

Claro que a qualidade do ensino é muito boa. O ter estudado fora aprendi muito mais, coisas que aqui nunca ouviram falar. Também tens bibliotecas. Se quiseres comprar livros é só ter dinheiro (G3 - sexo feminino, 23 anos, licenciada em arquitetura).

Admitem que o ensino teria sido melhor noutros países, uns referindo a África do Sul e outros Portugal, mas neste último caso, como “porta de entrada” para a Europa (União Europeia).

Em comparação com Angola não se questiona a qualidade e a exigência. Mas em relação com outros países fica um pouco atrás. Eu estive na África do Sul e não tem comparação. Na África do Sul é bem melhor (G2 - sexo masculino, 33 anos, Licenciado em Gestão de Recursos Humanos). A qualidade é boa, a formação também, mas gostaria antes de ter ido para outro sítio tipo Portugal. Ai sim as coisas são diferentes, dão-nos acesso à outros países da Europa. Mas já é bom ter estado no Brasil (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em gestão e empresas, auditora).

Não deixando, contudo, de salientar que o processo de cooperação entre Angola e o Brasil ainda se encontra numa fase inicial, tendo o Brasil conseguido afirmar-se, ao

163 disponibilizar, e incentivar, os estudantes angolanos inscritos nas suas instituições de ensino superior.

Agora muita gente vai para o Brasil. Há mais incentivos. Se abrires o jornal vais ver que tem lá anúncios a pedir para quem quiser ir lá estudar para ir se inscrever. O Brasil está a dar mais apoios e nós angolanos como precisamos temos que aproveitar (G2 - sexo masculino, 33 anos, Licenciado em Gestão de Recursos Humanos).

Na opinião dos entrevistados, Portugal está a perder oportunidades de intensificar a sua relação com Angola. De acordo com os mesmos, a criação de redes de conhecimento, essenciais para o estabelecimento de futuras parcerias académicas têm sido menosprezadas. Neste cenário, emerge o Brasil, que de acordo com a sua opinião, tem sabido aproveitar as “falhas” de Portugal e afirmar-se perante a sociedade angolana.

6.7. Representações de Desenvolvimento dos Ex-Estudantes e do Modo como se Veem

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