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O RESSURGIMENTO DO DESENHO: O URBAN SKETCHING E ALGUMAS

No documento ricardoferreiralopes (páginas 138-146)

Nos dias atuais, verificamos um movimento de resgate das práticas do desenho livre por meio de cadernetas. O Urban Skchetching ou “Croquis Urbanos” em tradução livre, é um movimento mundial que cresce a cada vez mais com a missão de “elevar o desenho de observação in situ a um patamar artístico elevado e também difundir o valor educativo desta prática” (URBAN SKETCHERS, 2012, p. 1).

O Urban Sketchers (USK) é uma organização sem fins lucrativos idealizada pelo ilustrador e jornalista espanhol Gabriel Campanario em 2007. Inicialmente, o criador do movimento adotou o desenho de observação da temática urbana como uma distração, ou, como em sua própria definição, com “um antídoto perfeito contra o estresse e, provavelmente, a melhor maneira de tirar o máximo partido da

experiência de viajar” (ibid., p. 6). Depois de ver um número crescente de pessoas com as quais compartilhava desenhos de suas cidades na internet, Campanario formou um grupo nas redes sociais, revelando e expondo desenhos que representam artisticamente as cidades e o seu cotidiano. Os correspondentes se comprometeriam a postar na rede regularmente e também compartilhariam as suas histórias e vivências por trás dos desenhos, um de cada vez, conforme explicitado no manifesto elaborado pela comunidade, que todos os seus colaboradores precisam seguir (THORSPECKEN, 2014, p. 9):

“1. Desenhamos no local, seja na rua ou em um interior, registrando o que vemos por meio da observação direta.

2. Nossos desenhos contam histórias de nossos entornos, os lugares onde vivemos e aqueles que visitamos.

3. Nossos desenhos são um registro do tempo e do lugar.

4. Somos fiéis às cenas que testemunhamos.

5. Usamos qualquer tipo de técnica artística e valorizamos nossos estilos individuais.

6. Apoiamos uns aos outros e desenhamos juntos. 7. Compartilhamos nossos desenhos online;

8. Mostramos o mundo, um desenho de cada vez”. Neste movimento o mundo virtual e real se mescla nesta prática, uma vez que os desenhos artísticos produzidos por seus praticantes são compartilhados e difundidos instantaneamente na internet. Em um curto período de tempo as redes sociais se constituíram como o principal meio de comunicação do grupo, popularizando as produções compartilhadas de seus desenhos. Os

encontros preestabelecidos nos fóruns de discussão, sempre ocorrem em períodos curtos de tempo e são realizados por meio de oficinas ou maratonas de desenhos pelas cidades (Fig. 25).

(a) (b)

Figura 25: Os Urban Sketchers em ação no Terreiro do Paço, Lisboa, Portugal, 2011.

Fonte: <http://urbansketchers-portugal.blogspot.com.br> Acesso em 12 nov. 2017.

Os Urban Sketchers, por sua vez, riscam o que veem sobre seus diários gráficos, exprimem-se em diversas técnicas de desenho e pintura representando tudo aquilo que vão observando no mundo que os cerca no cotidiano: as pessoas, os detalhes arquitetônicos, uma natureza morta espontânea formada na própria mesa de bar, os sítios urbanos, enfim, tudo aquilo que pode se tornar motivo de percepção e registro.

Diante do contexto de crise de representação exposto, há algum tempo tenho acreditado que o exemplo dos Urban Scketchers pode ser

inspirador para as práticas educacionais do desenho e na aquisição de conhecimento na contemporaneidade (Cf. LOPES; ROCHA, 2014).

Nesta perspectiva, sugiro deixar de lado a concepção passiva do representacionismo e os preconceitos estéticos puramente visuais decorrentes deste pensamento, para aceitar a imersão ativa dos alunos no mundo, tanto em relação ao ambiente vivenciado, quanto no que diz respeito à alteridade, conforme examinarei adiante. E esta mudança envolve o modo como vivemos, pensamos, percebemos e agimos, bem como os instrumentos que usamos. Independentemente se o suporte é físico ou digital, o desenho permite um tempo de afetação daquele que desenha, ao capturar outros sentidos subjacentes à percepção.

A estética reside, portanto, nesta beleza encarnada, onde a cognição sensitiva encontra um campo de atração em que os estímulos exercem sobre os sentidos. Sobre estes sentidos agregam-se lembranças, aspirações e desejos, virtualmente não configurados naquele espaço experienciado, tampouco passível de representação gráfica do quadro perspectivo; mas proveniente de outros tempos, na perspectiva subjetiva de outros espaços virtuais da realidade vivenciada. A palavra “estética”, derivada do grego aisthésis (α ), quer dizer “sentir”, não com o coração ou com os sentimentos, mas com as “percepções físicas” (SANTAELLA in SANTAELLA e ARANTES, 2011, p. 35). Embora em nossa trajetória histórica, a estética tenha sido sinônimo

da “arte do belo”, ou das “belas artes”, ela tem vínculos com a estesia que estuda as sensações, incompatível ao saber lógico.

Cada novo meio nos modifica. Segundo Carr (2011) à medida que a neurociência evolui, novas evidências sobre a neuroplasticidade ganham força, especialmente nas comprovações de experimentos realizados com seres humanos. Estes experimentos revelam que a plasticidade não se limita à área que comanda o sentido do tato (córtex somatossensorial), mas é geral, i.e. envolve o sistema nervoso como um todo e, por extensão, o corpo. Os circuitos neurais responsáveis pelo nosso sentir, ver, ouvir, mover-se, pensar, aprender, perceber e/ou recordar-se são passíveis de mudança.

Nesta senda, para além da produção de imagens unicamente contextualizadas pela nossa competência de “ver através de”, por sua vez tão sobrecarregada em nossa experiência cotidiana, entendo que, com as mudanças promovidas pela tecnologia em nossas mentes, em especial nos alunos, o corpo pode ser concebido como um potente mediador na experiência de apreensão do ambiente. Portanto, considero a reflexão corporal uma estratégia no ensino do desenho. Assim, no próximo capítulo, desenvolverei os conceitos de espaço e corporeidade para construir o referencial teórico desta tese.

3 APORTES TEÓRICOS: A EXPERIÊNCIA CORPORALIZADA EM ARQUITETURA E

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