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2.1 A Ressurreição do Crucificado

2.1.2 O Ressuscitado é o Crucificado

Segundo Moltmann, para o cristianismo primitivo o “novum” causado pela ressurreição de Jesus tem peso igual à história da vida, pregação e morte de Jesus. Para ele, ambas as interpretações, histórica e escatológica, não podem ser separadas. Pois se trata de uma única história. Há de se entender que o “Cristo ressuscitado é o Jesus histórico e crucificado e vice-versa” 119.

No cristianismo primitivo a unidade entre Jesus e Deus foi constituída pelo que chamaram “ressurreição de Jesus”. Assim, a fé em Jesus tem sua razão teológica no evento pascal. Se Jesus foi o ressuscitado de Deus então ele é o “Filho de Deus” (Rm 1,4), o “Cristo”, o “Senhor”. Esta foi a conclusão a que se chegou a comunidade que experienciou o

117 Cf. MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 243-244. 118 Cf. Idem. O caminho de Jesus Cristo, p. 302-303. 119 Idem. El Dios crucificado, p. 221.

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evento da ressurreição120. O Crucificado foi proclamado Kyrios fundamentalmente, graças à fé em Deus que o havia ressuscitado. Uma fé em Deus que era totalmente fé na ressurreição121. Essa confissão de fé destinada primeiramente a Deus e depois a Cristo (Rm 10,9), por acreditarem que Deus o ressuscitou dentre os mortos, não diz quem é Jesus, mas somente o que ele é. Pois a resposta à questão quem é Jesus é possível apenas a partir da posterior recordação da história e mensagem de Jesus122. Assim, as lembranças do Jesus terreno é elemento imprescindível para ajudar a entender quem é Jesus. Os títulos de Jesus são conferidos não apenas a partir da ressurreição, mas também em vista da história de sua vida e sofrimento (paixão) que ele, em momento algum, rejeita, mas assume como mistério messiânico em seu caminho para a cruz.

Jesus não rejeita os títulos, mas suspende-os, e trilha o caminho do sofrimento para a cruz. Isso significa que não são os títulos que predeterminam sua história, mas que sua história há que definir esses títulos. A comunidade determinará o que o título “Cristo” há de significar a partir de sua caminhada para a cruz e a partir de sua experiência de Deus na cruz, quando esse título é aplicado a Jesus. Portanto, o verdadeiro “mistério messiânico” de Jesus é seu mistério da paixão.123

O agir escatológico de Deus, através do ressuscitamento de Jesus, revela a dimensão terrena do Nazareno. Tanto a pessoa quanto a história de Jesus e a atuação ressuscitante de Deus são realidades constitutivas da mesma fé cristã124. Esse agir de Deus, segundo Moltmann, confirma e cumpre a pretensão messiânica de Jesus e sua filiação divina125. O caráter singular da ressurreição e das aparições de Jesus como ação de Deus levou a comunidade primeva a formular a questão retrospectiva: Se Jesus é o Senhor, quem era ele em seu sofrimento e cruz? A resposta, formulada por meio dos antigos títulos cristológicos confirmando quem é Jesus, veio pela experiência da ressurreição que afirmou Jesus como estabelecido por Deus, como o Cristo, o Filho de Deus126.

120 Cf. MOLTMANN, J. O caminho de Jesus Cristo, p. 234. 121 Cf. Idem. El Dios crucificado, p. 221.

122 Cf. Idem. O caminho de Jesus Cristo, p. 193. 123 Ibidem, p. 192.

124 Cf. Idem. El Dios crucificado, p. 222. 125 Cf. Idem. O caminho de Jesus Cristo, p. 234. 126 Cf. Idem. El Dios crucificado, p. 249-250.

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Nessa perspectiva, a fé pascal ilumina retrospectivamente a paixão e morte do Senhor exaltado. A ressurreição qualifica a pessoa do Crucificado como Cristo de Deus. É desde a ressurreição dentre os mortos que a morte de Jesus adquire sentido salvífico e único. Pois a ressurreição diz quem é aquele que padeceu e morreu na cruz. E seu sofrimento (paixão) e morte é acontecimento salvador para nós e por todos. A cruz de Jesus representa o significado salvador de sua ressurreição para nós e por todos127.

Segundo Moltmann, a ressurreição causou um primitivo entusiasmo nos cristãos a ponto de restringirem o significado da cruz como a um degrau de passagem à glorificação. Entretanto, recorda o teólogo da esperança, Paulo e Marcos chamaram atenção para outro ponto. Contra esse primeiro entusiasmo cristão, ambos reforçaram a importância do significado da cruz de Cristo128.

Tomando como referência os textos neotestamentários, especificamente os de Paulo e Marcos, Moltmann também destaca a importância da fé cristã em olhar para o Crucificado, e chega à afirmação de que o Ressuscitado é o Crucificado. Para ele, em vista da realidade histórica do nosso sofrimento e morte e do sofrimento e morte de Jesus, a teologia pascal da esperança precisa converter-se também em teologia da cruz. Vista assim, a cruz de Cristo modifica a ressurreição de Cristo convertendo-a em acontecimento de futuro no sucesso do amor libertador. A ressurreição do Crucificado tem sentido de prolepse e esperança para todos os que vivem sem esperança na cruz do mundo presente129. Enquanto acontecimento escatológico de Jesus, a ressurreição é, de todas as coisas, o início da nova criação130.

A afirmação o Ressuscitado é o Crucificado significa interpretar Deus como aquele que ressuscita também como aquele que é crucificado. Pois, se na ressurreição está a ação de Deus, também no sofrimento e cruz de Cristo está Deus. Conforme a resposta paulina que diz “Deus estava em Cristo” (cf. 2 Cor 5, 19), podemos afirmar que com a mesma essência da ressurreição estava Deus atuando e sofrendo em Jesus. Entretanto, surge o paradoxo: diante da onipotência de Deus e impotência humana, como entender o sofrimento e morte de Jesus na cruz como ação de Deus e até sofrimento de Deus?131

127 Cf. MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 254-255. 128 Cf. Idem. O Deus crucificado, op. cit., p. 728. 129 Cf. Idem. El Dios crucificado, p. 257-258. 130 Cf. Idem. O caminho de Jesus Cristo, p. 234-235. 131 Cf. Idem. El Dios crucificado, p. 266-267.

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O sofrimento de Jesus, por causa de sua autenticidade messiânica, está envolvido por um mistério único do qual a ressurreição não o remedia. E a contradição com a qual e da qual Jesus morreu deixa de ser histórica e é transformada em contradição teológica132.

O mistério do sofrimento de Cristo morto na cruz é como que um enigma teológico que perpassa a história até hoje. À luz da fé pascal, o fato e o significado da ressurreição de Jesus ficaram claros para a cristandade primitiva. Entretanto, a morte de Cristo se tornou “um mistério tanto torturador quanto redentor”. Ao longo da história, sempre surgiram interpretações e respostas que, posteriormente, geram outras novas. Para Moltmann esta resposta será somente satisfatória na “parusia do Ressurreto”133. Com base na ressurreição de Cristo, o sofrimento de Cristo se revela agora e deve ser compreendido como sofrimento de Deus134.