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O RIR sob a Perspectiva do Complexo de Regimes

No documento JOÃO PESSOA - PB 2020 (páginas 35-53)

Em decorrência da globalização, os atores internacionais experimentaram um aumento de sua interdependência política, econômica e social. A proliferação de regras, normas e formas institucionais criou o fenômeno da sobreposição de Regimes, a partir da incidência de diferentes regimes sobre um mesmo tema ou questão. Na prática, atualmente, o estudo dos Regimes Internacionais, e em certa medida também sua atuação, esbarra na questão de suas fronteiras temáticas, visto que vários regimes se interpenetram e se relacionam transversalmente, de forma que surgem diversos problemas acerca de suas convergências e contradições.

Um exemplo disto é o de que, para a abordagem do Regime Internacional de Refugiados, estabelece-se enquanto primeiro marco um outro Regime, o de Direitos Humanos, posto que o mesmo tem como objetivo a proteção humana e é de natureza universalizante, contemplando assim os refugiados de forma colateral (ANDRADE, 2001). Esta relação será melhor abordada no tópico a seguir.

O paradigma teórico tradicional de Regimes Internacionais não contempla este tipo de interação. Dessa forma, surge, então, a teoria de complexo de regimes em um esforço para aprofundar a análise dos regimes a fim de compreender a atuação no cenário global nos moldes atuais, considerando o expressivo aumento de tratados e organizações intergovernamentais. Em suma, o principal pressuposto da teoria do complexo de regimes é a existência de acordos e tratados de diversas origens, formulados por atores e fóruns distintos que, no entanto, normatizam de forma institucionalizada sobre um mesmo tema ou questão (ORSINI, et al., p. 27, 2013).

O cenário de governança global se tornou cada vez mais complexo, as normas internacionais ganharam mais densidade e passaram a incidir com mais força sobre as políticas

domésticas dos Estados por meio dos Regimes Internacionais. Nesse novo contexto, a questão central para os institucionalistas deixou de ser a supressão de custos de transação na coordenação de políticas e tornou-se a seleção entre vários arranjos possíveis de governança (DREZNER, 2009).

Dessa forma, a tarefa de analisar uma instituição ou regime ganhou maior abrangência e dificuldade, pois ele não pode mais ser compreendido isoladamente, mas apenas a partir de suas relações, sejam elas de cooperação ou tensão, inserindo-se assim a teoria do complexo de regimes (RAUSTIALA; VICTOR, 2004; ORSINI,et al., 2013).

No cenário da Guerra Fria, por exemplo, quando as instituições começavam a emergir no cenário político internacional, a governança sobre um determinado tema podia ser regida por um único regime ou instituição. Todavia, atualmente, a proliferação de variados regimes criou choques entre eles, podendo esses serem tanto contraditórios como complementares. Esse é o ponto que a teoria do complexo de regimes busca analisar (ORSINI, et al., 2013).

É importante situar o desenvolvimento dos complexos de regimes em paralelo à tendência de uma maior legalização da política internacional, pois a legalização está no cerne do debate de regimes, sendo um importante determinante que influencia o compliance de seus atores para com as suas normas (LIMA, 2017). De tal forma, o movimento internacional atual, caracterizado pelo aumento da interdependência dos atores, impele para o fim do antigo modelo de criação de regimes limitados à abordagem de uma área temática e favorece o aumento dos complexos de regimes.

De acordo com Orsini, et al. (2013), seria necessária a incidência de três ou mais regimes internacionais sobre um mesmo tema para se considerar um complexo de regimes, todavia a parte mais interessante de sua elaboração teórica reside na noção de que para se ter um complexo é necessário não apenas uma sobreposição de regimes, mas a existência de influência destes sobre as regras, princípios e procedimentos de sua área temática.

Assim sendo, como explanado no tópico anterior, o Regime Internacional de Refugiados atua sobre as disposições que regulam a proteção da pessoa forçadamente deslocada, e essa área apresenta questões que se ramificam sobre outros temas, posto que a entrada de refugiados em um país terá influência em sua conjuntura interna e internacional.

Os diferentes interesses internacionais sob diferentes contextos levaram à produção de diretrizes que coincidem na questão de refugiados, umas mais gerais e outras mais específicas. O principal Regime que se insere neste contexto de sobreposição junto ao Regime de Refugiados é o Regime Internacional de Direitos Humanos, pois, como será discutido mais adiante, os dois Regimes apresentam uma abordagem bastante similar, com foco no indivíduo.

Além disso, podem também ser citados o Regime de Segurança Internacional e Regimes referentes a questões econômicas, que embora apresentem uma abordagem mais centrada no Estado dispõem de diretrizes que influenciam e interferem no escopo dos refugiados.

Vale ressaltar que a tarefa de compreender a questão legal internacional relativa aos refugiados envolve diversos outros fatores, que vão além dos regimes, como, no contexto da América Latina e outras regiões, podem ser apontados diversos documentos que também apresentam diretrizes transversais sobre o tema dos refugiados, alguns deles são: Tratado sobre o Direito Penal Internacional (Montevidéu, 1889); Acordo sobre Extradição (Caracas, 1911); Convenção sobre Asilo (Havana, 1928); Convenção sobre Asilo Político (Montevidéu, 1933); Convenção sobre Asilo Diplomático (Caracas, 1954); e Convenção sobre Asilo Territorial (Caracas, 1954).

A análise dos documentos citados revelou não haver choques entre as suas determinações, de forma que, ao optar pela adesão aos diferentes documentos internacionais que regulamentam, direta ou indiretamente, a questão dos refugiados, o Estado latino-americano não corre o risco de aderir a diretrizes discordantes ou excludentes, tendo de optar apenas por uma abordagem mais ou menos comprometida com a questão. Nesse ínterim, para o propósito da presente pesquisa interessa explorar, principalmente, as aproximações e/ou sobreposições entre o Regime de Refugiados e o de Direitos Humanos.

De acordo com Drezner (2009), quando os regimes se transformam em complexos de regimes é possível perceber uma diminuição do efeito da lógica institucionalista por meio da qual os regimes geram ordens a partir de regras, posto que a propagação de instituições pode reduzir o poder dos focos anteriormente instituídos, a partir do aumento dos possíveis pontos focais para os quais as regras e as expectativas poderiam convergir.

É importante considerar que a hipótese formulada por Drezner (2009) não se aplica no que se refere ao Regime Internacional de Refugiados, pois esse se estabeleceu significativamente na sua área, de tal forma que a Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiados de 1951 e o Protocolo Adicional de 1967, por exemplo, são referenciados por todos os documentos que tocam no assunto de refúgio elaborados posteriormente às suas promulgações. Além disso, é marcante a presença do ACNUR junto às outras instituições, nacionais ou internacionais, em todas as ações que envolvem refugiados, seja liderando ou auxiliando de forma logística ou prática. Desta forma, tem-se que este regime consiste em um verdadeiro referencial para a sua área.

Como não se verifica a criação de mandatos contraditórios com os do Regime de Refugiados, o senso de obrigação legal de seus atores é fortalecido. Bem como, pode-se

perceber que a centralização estrutural empreendida pelo ACNUR gera, consequentemente, uma redução dos custos de transação e conformidade para os atores.

É válido ressaltar ainda que Drezner (2009) reconhece que a complexidade de regimes pode ter efeitos contraditórios. Ele considera que cada complexo de regimes deve ser analisado a partir de suas especificidades a fim de compreender de quais formas ele pode prejudicar ou favorecer seus atores, ou ainda não exercer influência sobre suas interações.

A literatura que aborda a teoria do complexo de regimes pode ser dividida em dois pontos de vistas que se contrapõem, de um lado há autores que entendem esta complexidade como limitante e enfraquecedora para a efetividade dos regimes, em virtude dos conflitos e dos choques gerados pela sobreposição de normas, a exemplo de Drezner (2009). Por outro lado, há os autores que veem a complexidade de regimes enquanto uma oportunidade para o desenvolvimento da governança global, pois a sobreposição geraria ajustes que contribuem para a cooperação e reforçam as instituições envolvidas.

Neste segundo grupo, encaixam-se Keohane e Victor (2011), pois, para eles, o complexo de regimes favorece a implantação das normas pelos atores, a partir de uma flexibilização delas, gerando mais oportunidades de adaptação para os regimes. Dessa forma, sem a obrigação de que todas as normas estejam submetidas a uma única instituição, os atores ganham mais liberdade de adaptação de acordo com suas diferentes situações, ocasionando, consequentemente, maior adesão ao regime. Estas vantagens, no entanto, são resultados e não prerrogativas, de tal forma que, em um complexo de regimes, no qual as instituições e normas são contraditórias, é possível que haja ordem.

O complexo de regimes para a proteção de refugiados, por sua vez, pode ser considerado como um caso benéfico para os seus atores internacionais, posto que o Regime de Direitos Humanos, o Regime de Refugiados e o Regime Humanitário, por exemplo, apresentam uma relação positiva e cooperativa, reforçando-se mutuamente de forma a tornar suas regras mais efetivas (ORSINI, et al., 2013). De acordo com Betts (2010), o complexo de regime de refugiados possibilita que os Estados se engajem sob diferentes formas de cooperação institucionalizada, gerando impactos diretos e indiretos para a proteção de refugiados.

Como discutido anteriormente, o Regime de Refugiados apresenta bastante similaridade para com o Regime de Direitos Humanos, de forma que seus princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, por vezes se intercruzam. Diversos autores têm destacado essa relação com maior ou menor proximidade. Para esta pesquisa interessa delinear a relação entre esses Regimes. Assim optou-se por explorá-los de uma forma comparativa, apontando suas aproximações e distanciamentos.

Ao analisar o Regime Internacional de Direitos Humanos, Moravcsik (2000) aponta um diferencial significativo quanto ao caráter de outros regimes ou formas de cooperação internacional institucionalizadas, pois, segundo o autor, o Regime de Direitos Humanos se volta muito mais para as atividades internas do Estado, enquanto os outros tratam de questões que envolvem mais diretamente a política externa. Esse entendimento aparentemente não poderia ser aplicado ao Regime de Refugiados, pois a situação de trânsito entre fronteiras implica que o assunto se relaciona diretamente com a política externa dos países. No entanto, ao considerar-se a questão mais de perto, é possível notar que, ao fugir de considerar-seu Estado de origem e adentrar em um Estado receptor, o refugiado passa a estar sob a tutela deste, independentemente das relações entre os dois Estados.

Tanto o Regime de Direitos Humanos quanto o Regime de Refugiados apresentam importância para as relações de nível internacional e influência sobre a política externa dos Estados. No entanto, eles apresentam uma abordagem mais voltada para as atividades internas do Estado, seja para com seus cidadãos ou para com os refugiados que nele buscam abrigo.

Outro ponto importante a ser considerado é a motivação que leva os países a aderirem a regimes, tais como o de Direitos Humanos e o de Refugiados. Segundo Moravcsik (2000), as novas democracias aderem de modo mais fácil a regimes, como o de Direitos Humanos, por observarem que seu apoio e adesão servem como um reforço para as suas próprias instituições democráticas, posto que reafirmam seus ideais universais. O mesmo pode ser dito sobre o Regime de Refugiados, tendo em vista as estreitas relações entre os princípios básicos que norteiam os dois regimes.

Muito além de coincidirem em suas características, o Regime de Direitos Humanos e o Regime de Refugiados, assim como o Regime Humanitário, tratam de um mesmo objeto: o indivíduo. Quando comparados ao Regime de Segurança, por exemplo, o caráter diferencial dos dois regimes abordados se sobressai, pois, mesmo que, em um primeiro momento, possa parecer que o Regime de Segurança irá convergir com os temas trabalhados – posto que ele trata também de questões de cidadania, proteção e fronteiras –, há uma diferença fundamental a ser analisada, visto que seu objeto é o Estado e não o indivíduo. Assim, apesar de os três Regimes citados abordarem questões que envolvem o indivíduo, a diferença primordial reside no fato de que o enfoque do Regime de Segurança é o Estado, de modo que o indivíduo é tomado a partir de sua relação com ele, enquanto que para os Regimes Internacionais de Direitos Humanos e de Refugiados, o indivíduo é o foco principal.

Para melhor esclarecer essa diferenciação, pode-se exemplificar com base no tratamento dado ao próprio ser refugiado, pois, ao considerar o Estado como prerrogativa principal, o

Regime de Segurança toma o refugiado como um desafio ao Estado, um ser que questiona a sua ordem. Por outro lado, para os Regimes Internacionais de Direitos Humanos e de Refugiados, o enfoque é o indivíduo, de modo que importa, primeiramente, assegurar a vida e a dignidade da pessoa humana. Esse enfoque sobre o indivíduo pode ser ilustrado pela própria escrita dos documentos que norteiam os regimes, tendo em vista que a Declaração de 1948, documento principal do Regime de Direitos Humanos, refere-se em seus artigos a “todo ser humano”, enquanto a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, documentos norteadores do Regime de Refugiados, referem-se ao “refugiado”.

Sobre o caráter institucional dos dois Regimes, vale frisar que as principais organizações responsáveis pelos dois regimes são, de fato, uma só: A Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados é uma agência. O cerne para entender essa questão está no fato de que o ACNUR tem a autonomia necessária para lidar com as questões de Refúgio, mas, ainda assim, continua sendo uma representante da ONU. Isso resulta em uma postura muito mais colaborativa no que se refere à atuação prática, principalmente no campo da proteção ao Refugiado. Assim, tanto o gerenciamento e a logística são facilitadas, pelo compartilhamento interno de dados e estratégias, quanto há uma postura colaborativa para com as demais entidades envolvidas no trabalho de campo, como os Estados e as ONGs.

A tarefa de analisar regimes gira em torno, principalmente, dos seus documentos e organizações representativas. Para proporcionar uma melhor perspectiva sobre o Regime de Direitos Humanos será apresentada a Tabela 2, a seguir, que contém alguns dos principais instrumentos legais e também os principais atores do Regime de Direitos Humanos, internacional e regionalmente.

Tabela 2: Algumas Organizações e Instrumentos Legais do Regime Internacional de Direitos Humanos Organização em que se inscreve Principais Instrumentos Internacionais Principais órgãos de tomada de decisão e implementação Organização das Nações Unidas (ONU)

Carta da ONU

Conselho dos Direitos Humanos Declaração Universal

Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial

Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Pacto Internacional

de Direitos Civis e Políticos Comitê de Direitos Humanos Convenção Internacional sobre a

Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

Comitê para a Eliminação da Discriminação contra

a Mulher Convenção contra a Tortura e

outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou

Degradantes

Comitê contra a Tortura

Convenção sobre os Direitos da Criança

Comitê dos Direitos da Criança

Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos

de todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares

Comitê de Direitos dos Trabalhadores Migrantes Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência

Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência Convenção Internacional para a

Proteção de todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados Comitê contra os Desaparecimentos Forçados Organização dos Estados Americanos (OEA)

Convenção Americana de Direitos Humanos

Comissão Interamericana de Direitos Humanos Corte Interamericana de

Direitos Humanos Fonte: Munõz (2017, p. 175-177, adaptado).

Ao sistematizar o Regime Internacional de Direitos Humanos, Munõz (2017) buscou destacar a importância das organizações internacionais nesse contexto, pois, segundo o autor, além de promover e defender os Direitos Humanos, as organizações são responsáveis ainda pelo próprio desenvolvimento normativo e institucional do regime em nível internacional.

Também é possível empreender uma sistematização acerca das principais organizações e documentos norteadores do Regime de Refugiados, para isso foram escolhidos alguns dos principais documentos e organizações que atuam, internacional ou regionalmente, tendo como foco o refúgio e a migração forçada, nos termos apresentados na Tabela 3 a seguir.

Tabela 3: Algumas Organizações e Instrumentos Legais referentes ao Regime Internacional de Refugiados Organização em que se inscreve Principais Instrumentos Internacionais Alto Comissariado das

Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)

Convenção de 1951 Protocolo de 1967

Organização dos Estados Americanos (OEA)

Declaração de Cartagena Declaração de São José sobre

Refugiados e Pessoas Deslocadas Declaração e o Plano de Ação do México (PAM) Declaração de Brasília Sobre

a Proteção de Pessoas Refugiadas e Apátridas no

Continente Americano Fonte: Autoria Própria (2020).

Sobre a Declaração de Cartagena, é importante destacar que sua adoção é condicionada aos Estados, isto é, eles dispõem de liberdade para decidir seguir ou não suas diretrizes. Desde sua promulgação, em 1984, a Declaração de Cartagena tornou-se um marco para a proteção dos refugiados e migrantes em nas Américas, passando por processos revisionais a cada dez anos.

Em 1994, foi elaborada a primeira revisão da Declaração de Cartagena que culminou na Declaração de São José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas. Em 2004, foi promulgada a Declaração e o Plano de Ação do México (PAM), como novo processo de revisão. Posteriormente, em 2010, foi criada a Declaração de Brasília Sobre a Proteção de Pessoas Refugiadas e Apátridas no Continente Americano, e em 2014 a Cartagena + 30 consolidou um novo marco estratégico nessa área.

Devido ao número de documentos e instituições que integram o Regime de Direitos Humanos, optou-se por abordar os que tratam de assuntos mais diretamente relacionados a temática dos Refugiados. Para melhor compreender as aproximações entre os regimes serão então analisados, a seguir, os principais documentos norteadores dos dois Regimes.

Em primeiro lugar, há a Carta das Nações Unidas, documento responsável por instituir os fundamentos e as obrigações da Organização das Nações Unidas, assinada em São Francisco em 26 de junho de 1945. De acordo com o preâmbulo do documento, dentre os seus objetivos estão:

[...] reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres,

assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. (ONU, 1945, p. 3).

O compromisso firmado expressa uma noção de universalidade que acompanhará também as outras diretrizes firmadas pela ONU. Apesar de ser um documento voltado para os Estados e suas relações, ele assume a responsabilidade de proteção ao indivíduo, como também pode ser visto no seguinte trecho:

A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a [...] promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. (ONU, 1945, p. 14).

Apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) somente ter sido assinada em 1948, a partir da Carta instituinte da ONU é possível notar que os princípios básicos relativos aos Direitos Humanos já constituíam uma noção internacional.

No texto presente no preâmbulo da Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiados de 1951, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é apontada como documento base, nos seguintes termos:

Considerando que a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral afirmaram o princípio de que os seres humanos, sem distinção, devem gozar dos direitos humanos e das liberdades fundamentais [...]. (ACNUR, 1951, p. 1).

Percebe-se que a Convenção reafirma os princípios da Declaração e os coloca enquanto fundamento angular de suas proposições. A forma pela qual o enunciado é elaborado transmite a ideia de que a Convenção se institui enquanto um instrumento para a garantia dos Direitos Humanos – ideia compartilhada por Trindade (1996, p. 116):

Direito Humanitário e o Direito dos Refugiados constituem, juntamente com os Direitos Humanos, um importante conjunto, no qual a peça central e mais importante é a última normativa, onde as duas primeiras aparecem como acessórios laterais e complementares, buscando a obra completa estabelecer uma defesa adequada de quem é o sujeito fundamental do Direito, quer dizer,

No documento JOÃO PESSOA - PB 2020 (páginas 35-53)