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5 ENTRE DISCURSOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: REFLEXÕES

5.1 REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO: CAMINHOS PEDAGÓGICOS NA

5.1.2 O segundo docente em sala de aula: representa apoio ou barreira?

Nesse contexto, a fala da professora apresenta especial relevância, tendo em vista as necessidades específicas do aluno com deficiência intelectual e a emergência de um trabalho colaborativo em sala de aula, ao levantar alguns questionamentos:

- Que professor é esse que está dentro da sala de aula? Será que realmente, ele precisa ficar o tempo todo ali dentro da sala? Você tá entendendo? Como é que, ao mesmo tempo, que eu vou tá trabalhando com os outros eu vou tá trabalhando com ele [aluno com deficiência]? A professora [auxiliar] tá conversando com ele, enquanto eu tô conversando com os outros. Então, têm dois discursos, dois

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Padilha (2009) se remete à atividade educacional escolar como uma forma específica de práxis e esclarece, com base em Marx e Engels, na VIII tese sobre Feuerbach, que “[...] há a prática e a compreensão da prática – atividade humana fundamentada teoricamente, ou seja, a práxis. Ribeiro (2001), por sua vez, esclarece sobre o conceito de práxis depois de abordar a questão de que a matéria-prima da educação e da educação escolar é a consciência do aluno. [...] o conhecimento é o instrumento básico de ação sobre a referida matéria-prima; e é preciso ressaltar que não é qualquer forma de conhecimento; em se tratando de educação escolar trata-se do conhecimento científico” (p. 23).

trabalhos paralelos acontecendo ao mesmo tempo. Ou é porque tem que ser assim mesmo? (Edelvais)

Tais questões denunciam a efetivação de uma prática desarticulada entre tais professores, desde o planejamento das ações educativas até as mediações desenvolvidas em sala de aula.

Sabemos que o investimento no segundo profissional, para atuar em sala de aula, não tem sido uma prática presente somente em nossa realidade, mas, em todo o mundo, os sistemas organizacionais têm utilizado, como alternativa de inserção, “[...] a presença de professores especialmente destacados para acompanhar o aluno com deficiência nas atividades de sala de aula, servindo como apoio ou mesmo respondendo diretamente pela inserção destes no meio escolar” (MANTOAN, 2004, p. 5).

Tais iniciativas nos fazem pensar sobre a função desse segundo professor, a fim de que não se constitua em “[...] mais uma barreira à inclusão”, de modo que – em vez de contribuir com a ampliação do atendimento às necessidades específicas do aluno no contexto da turma – acabe segregando e reforçando a desresponsabilização do professor titular na reorganização do ensino (MANTOAN, 2004, p. 5) e gerando experiências, como a relatada pela professora Íris, em que:

- Muitas vezes ele [o aluno] não se sente pertencente aquele grupo, muitas vezes está ali, mas ele próprio não se sente, porque tem uma professora do lado dele e a professora da sala de aula tá atendendo os demais. A partir do momento que há essa troca, que o professor da turma chega para atendê-lo, também, ele vai se sentir pertencente aquele grupo.

Além disso, a referida docente acentua ainda:

[...] essa questão de diferença, de discriminação [...] quando os colegas vêem aquele professor com aquele aluno, eles já dizem que o menino tem problema, que ele é doentinho. Não trabalha essa questão de ver o aluno como uma criança [...], mas ver o aluno pela deficiência (Íris).

Nesse momento, a professora Amarílis rememora: “[...] no início ela [Rosa] achava que eu era a babá dela. Ela queria que eu calçasse os sapatos dela, que apanhasse o material, que ficava espalhado”.

Parece-nos que falta ainda a escola refletir sobre o papel do professor de apoio em sala de aula, com base na legislação municipal e nos possíveis padrões de colaboração, assim como considerar a melhor estratégia para responder às necessidades que emergem em sala de aula, incluindo o grupo como um todo (MITLER, 2003).

Tal reorganização perpassa pelo conhecimento da Nota Técnica nº 19/2010, que se reporta aos profissionais de apoio como um dos serviços da Educação Especial que os sistemas de ensino devem prover, para alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas da rede pública de ensino. Segundo o documento, os profissionais de apoio são aqueles necessários para a “[...] promoção da acessibilidade e para atendimento as necessidades específicas dos estudantes no âmbito da acessibilidade às comunicações e da atenção aos cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção” (BRASIL, 2010, p. 2). Por isso, a organização e oferta desses serviços devem ser orientadas a partir dos seguintes aspectos:

- os profissionais de apoio às atividades de locomoção, higiene, alimentação, prestam auxílio individualizado aos estudantes que não realizam essas atividades com independência. Esse apoio ocorre conforme as especificidades apresentadas pelo estudante, relacionadas à sua condição de funcionalidade e não à condição de deficiência;

- a demanda de um profissional de apoio se justifica quando a necessidade específica do estudante público alvo da educação especial não for atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes;

- em caso de educando que requer um profissional "acompanhante" em razão de histórico segregado, cabe à escola favorecer o desenvolvimento dos processos pessoais e sociais para a autonomia, avaliando juntamente com a família a possibilidade gradativa de retirar esse profissional;

- não é atribuição do profissional de apoio desenvolver atividades educacionais diferenciadas, ao aluno público alvo da educação especial, e nem responsabilizar-se pelo ensino deste aluno;

- o profissional de apoio deve atuar de forma articulada com os professores do aluno público alvo da educação especial, da sala de aula comum, da sala de recursos multifuncionais, entre outros profissionais no contexto da escola (BRASIL, 2010, p. 2).

Verificamos, assim, uma preocupação voltada, apenas, para os cuidados pessoais do aluno, enquanto na Resolução nº 05/2009, que fixa normas relativas à educação das pessoas com deficiência no município de Natal, prevê:

Art. 46 – O professor que atuará na função de apoio pedagógico- educacional às necessidades específicas dos educandos com NEESP na sala de aula regular, deve apresentar o seguinte perfil: I. Ser do quadro funcional da Rede Municipal de Ensino do Natal; II. Ser graduado em Pedagogia e/ou outra Licenciatura nas demais áreas do conhecimento e cursos de Aperfeiçoamento em Educação Especial e/ou Pós-Graduação na área.

Ou seja, na esfera municipal, embora não seja efetivada, a proposta de atuação do profissional que assume a função de apoio pedagógico, vai além dos cuidados com locomoção, higiene e alimentação previstos na legislação nacional, propondo intervenção no campo pedagógico, conforme as especificidades dos alunos com deficiência. Refere-se a um professor com curso de graduação e aprimoramento e/ou pós-graduação na área da Educação Especial, remetendo a um segundo profissional numa perspectiva colaborativa.

Entretanto, na prática escolar, embora Amarílis justifique a sua presença em sala de aula pela necessidade de aprendizagem de Rosa, ainda apresenta- se cursando Pedagogia39, sendo encaminhada via Programa de Estágio. Assim, pela natureza do vínculo firmado, trata-se de uma estudante que vai a campo para estabelecer relação entre teoria e prática e apoiar o professor titular de sala de aula na implementação da proposta de ensino na turma, o que demanda maior orientação para o direcionamento de suas ações pedagógicas junto à turma e ao(s) aluno(s) com deficiência.

Acerca desse aspecto, a professora Íris chama a atenção para a importância de diretrizes na organização da atuação desse profissional, tendo em vista que o

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Muitas vezes, ainda cursando os anos iniciais, sem terem cursado disciplinas específicas na área da Educação Especial.

- [...] planejamento, essas atividades, elas devem ser feitas pelo professor da sala de aula, o professor de todos os alunos, o apoio ele vai ajudar no processo de aplicação dessas atividades. [do contrário é como se] fosse o único responsável por essas atividades dos alunos. Como se o professor da turma fosse isento da responsabilidade de planejar aquelas atividades, que estão ali entregues ao professor de apoio (Íris).

Essa preocupação decorre da tendência, em alguns casos, de repassar a responsabilidade do ensino do aluno com deficiência ao professor de apoio, que, por sua vez, tende a desenvolver à parte atividades simplificadas com base apenas na deficiência, desconsiderando o contexto e um planejamento desafiador à aprendizagem, logo que esses momentos de trocas não são priorizados.

Nesse sentido, Braun (2011, p. 178) situa, a partir de pesquisa realizada, que na contramão da atuação colaborativa, a figura do professor auxiliar incide no risco da particularização da atenção ao aluno em sala de aula, segregando- o do seu grupo e do contexto da sala de aula. Trata-se de uma prática ainda recente, “[...] que depende das relações estabelecidas na cultura da escola sobre as formas de reger a aula, o conteúdo, o conhecimento e as formas do aluno participar e usufruir disto”.

Mittler (2003) sinaliza que o trabalho do professor de apoio pode se tornar bem mais produtivo, caso atente para um aluno em particular, oferecendo apoio apenas quando for necessário e, no restante do tempo, trabalhando com um grupo maior ou com a turma toda.

Nessa direção, a professora Jacinta ressalta: “eu planejo, e eu e Amarílis, a gente vai articulando. E Amarílis não é só auxiliar de Rosa, é da turma inteira, é como se fossem duas professoras numa sala”. Essa dinâmica reflete, por parte da aluna, no reconhecimento das duas, enquanto professoras, favorecendo o trabalho pedagógico no momento das solicitações em sala e no seu envolvimento junto ao grupo. No contexto do ano letivo seguinte, Acácia destaca vivência de dinâmica semelhante:

- [...] a gente não senta junto porque no dia do meu planejamento tem as aulas dos outros professores [Educação Física e Artes] que necessitam do auxílio dela e fica inviável ela sair pra ir planejar

comigo. Nisso choca, não é nem porque não quer, mas porque a situação não foi estudada, tem que ter um estudo de caso, pois é complicado tirar ela do auxílio dos outros professores. Aí eu trago todas as atividades, em sala de aula mostro a ela e peço para ela desenvolver. Ela não participa da construção dessa atividade, eu passo pra ela a atividade já construída. Às vezes eu digo: Amarílis, não passe agora não, eu vou explicar alguma coisa, quero que ela escute, participe desse momento, desse conteúdo, oralmente, embora não possa registrar. E depois você faz essa atividade de simetria, de trabalho com nome, ou vogal, ou palavrinhas ou recorte. [...] (Acácia).

O fazer docente do professor de apoio, nesses moldes, nos parece que tem sido proposto ainda como uma tarefa mecânica, isolada e que dispensa o planejamento, a troca de experiências e a reflexão sobre as ações mediadas. Sobre tais aspectos, Mittler (2003) aponta que, comumente, a falta de tempo tem se constituído num obstáculo para o planejamento colaborativo entre professores efetivos e professores de apoio. Embora estejam diariamente em sala de aula e estabeleçam boas relações de trabalho, o fator tempo para se reunir permite considerar modos alternativos de trabalho e torna a presença do segundo adulto mais efetiva.

Percebemos a urgência de clarificação sobre o papel do professor de apoio e do profissional de apoio, articulados numa proposta de trabalho colaborativo, de modo a ser discutida com todos e contemplada enquanto diretriz da escola, no PPP, haja vista se tratar de funções distintas e pouco definidas no contexto educacional.

5.1.3 Os olhares sobre a pessoa com deficiência intelectual e sua