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3. METODOLOGIA DA PESQUISA

3.2 Segunda etapa: oficinas com crianças

3.2.2 O segundo encontro

No segundo encontro buscamos desenvolver um plano complementar, compreendendo os fatores intra e extraescolares que contribuíam negativamente para o desempenho educacional das crianças, assim como dar possibilidades para que se reconhecessem em situações de exclusão. O encontro foi dividido em 4 momentos, sendo eles: 1) brincadeira das características; 2) história da gata borralheira; 3) jogo dos sons e 4) desenho orientado. No primeiro desses, com todos sentados em círculo e com uma música de fundo, algumas características (como: gentil, bravo, branco e negro) foram lançadas para que as crianças que se reconhecessem em alguma dessas características trocassem rapidamente de lugar. A troca de lugar serviu para indicar visualmente, e de uma forma menos racional, como a maior parte das crianças se enxergava. No decorrer da brincadeira, foi feita também uma inversão de papéis. Sentei no lugar das crianças, e elas, uma por uma (aquelas que tiveram vontade,) assumiram a minha posição de falar em voz alta uma característica para vermos quem se identificaria com a mesma (mudaria de lugar). O intuito foi estimular as crianças a se colocar dizendo de si mesmas dando significado à brincadeira utilizando características para elas cabíveis. Depois disso, retomei a condução do grupo, citando últimas características. A questão racial apareceu intensamente nesta brincadeira, onde as características “branco” e “negro” foram mais evocadas do que todas as outras citadas pelas crianças (e isso foi possível porque quando a criança conduzia a brincadeira, ela estava livre para anunciar qualquer característica que quisesse).

A seguir, o momento da história foi desenvolvido por mim com base em um conto clássico, “A gata borralheira” (ver anexo B). O intuito foi estabelecer uma relação entre personagens do conto e os da vida real, as pessoas que atravessavam o cotidiano daquelas crianças, uma vez que o paradigma da exclusão está também presente nos espaços de convivência fora da escola. Fizemos isso indiretamente, utilizando especificamente os personagens da gata borralheira e da madrasta. As perguntas foram: “Se vocês pudessem

comparar a madrasta com alguém na vida de vocês, com quem vocês comparariam? ”; “ E se vocês pudessem comparar alguém com a gata borralheira? ”. De acordo com Campos-Ramos

e Barbatos (2014), as crianças apontam na fala fragmentos das suas experiências sociais, cabendo ao pesquisador considerar as características individuais, familiares e sócio históricas que são reveladas. Se é papel do pesquisador observar tais características, podemos compreender que elas têm uma relevância maior. Por isso, buscamos valorizá-las e interpretá- las por meio desta história, reconhecendo que a rua, a escola e a família estão estritamente

ligadas ao comportamento infantil, à forma que as crianças olham para si e para os outros. Prova disso é a veracidade com que as figuras da “mãe, pai e avô” apareceram nos relatos infantis durante a atividade, quando as crianças atribuíram a estes a “bondade” da gata borralheira. Ao falar sobre a madrasta, alguns associaram aos membros da família, como os pais (se remetendo aos momentos em que são advertidos por eles) ou alguns colegas de sala.

Com o jogo dos sons, encontramos uma forma lúdica de fazer perguntas diretas sobre o que as crianças pensam da instituição escolar, da professora, e o que os faz mais ou menos felizes dentro daquela instituição. Apresentei sons de animais. A criança que descobrisse primeiro qual é o animal que produz aquele som tinha o direito de direcionar uma pergunta para um colega da sua escolha. Todas as perguntas a serem feitas estavam propositalmente elaboradas em papéis recortados e dobrados, de forma que eles não vissem o conteúdo antecipadamente. Dentre elas, estavam: O que você mais gosta na escola? O que você menos gosta na escola? Você já sofreu algum preconceito? Você já foi preconceituoso com alguém? Alguém já te bateu na escola? Você gosta da professora quando ela...; Você fica triste quando...; Fica feliz quando... esse último questionamento rendeu uma discussão acalorada, e deu à atividade um peso significativo. Vejamos o que eles disseram sobre “você fica feliz quando”:

Estelar: “ quando João falta e nunca mais vem para a escola”

Robin (que se diz melhor amigo de João): “João falta. Vontade de ele levar um tiro

na cabeça dele ”

Estelar: “Eu também, tenho a mesma vontade” João: “ Quando Dafne falta. Nunca vem, morra! ”

Robin: “Tia, eu gosto, mas é porque ele fica me batendo, só por isso”

Robin: “Ei Estelar, pegar uma serra elétrica para partir no meio” (trecho de relatório da oficina nº 2).

Todos os questionamentos, ou perguntas direcionadas, foram respondidas primeiramente pelas pessoas escolhidas, ficando aberto, logo após, para as demais crianças se expressassem. Por isso, no caso acima, estelar diz não gostar de João e os outros surgem dizendo de quem não gostam.

Prosseguimos com o desenho orientado, onde pediu-se que eles desenhassem algum acontecimento da escola que havia os deixados felizes. Poucas crianças obedeceram o pedido, mas pelas conversas paralelas que surgiram durante o processo de produção; pudemos consolidar o momento do desenho como um dos mais significativos, momento de diálogo aberto. Percebemos isso em uma discussão entre Robin, Estelar e João. Robin borrou o desenho logo após Estelar ter olhado para ele, e fez a seguinte reclamação:

Robin: “ Tá vendo tia, ela tem os zolhão” João: “ Um olho de macaca da peste”

Estelar: “ Olho de macaca é o seu e você não sabe”

Estes diálogos mais ofensivos, proporcionados pelo contato entre as “diferenças”, e a forma como crianças transformam isso para ferir o outro, nos fez acreditar na assertividade da mudança metodológica, que ganhou ênfase com as duas últimas oficinas, quando as relações entre as crianças estão ainda mais próximas e as atividades começam a mobilizar algumas crianças, agregando um caráter interventivo à pesquisa.