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4.1 O semi-árido brasileiro

4.1.1 O semi-árido e a pobreza rural

No Brasil, as características climáticas dessa região a tornaram sinônimo de pobreza, seca, de população faminta, criando-se então a indústria da seca. O Nordeste é considerado o lugar de gente pobre, lugar de seca e fome.

Durante muito tempo, acreditou-se que o grande problema do Semi- Árido era a irregularidade das chuvas e, portanto, a falta de água. Sem dúvida, as condições climáticas representam um dos grandes desafios da região, mas não o único e nem o mais importante (Maia Gomes, 2001; Facó, 1963). Para Facó (1963, p. 21) “a emigração é o fenômeno mais progressista que ocorre nos

sertões do Nordeste”, evidenciando a idéia do Semi-Árido como uma região

difícil de viver e que as populações do lugar têm que sair de lá, procurar regiões de clima mais ameno, incapazes de viver naquelas condições ambientais.

Mas o semi-árido brasileiro caracteriza-se por apresentar grande heterogeneidade no aspecto geoeconômico. O meio físico teve forte influência na ocupação demográfica e econômica da região. A irregularidade pluviométrica, a diversidade edáfica e a estrutura fundiária concentrada encontram-se entre os fatores que mais decisivamente influenciaram os tipos e a localização das atividades econômicas ali praticadas (Andrade, 1980).

Freyre (1967) destaca a heterogeneidade do semi-árido brasileiro, distinguindo o “Nordeste da cana” e do “Nordeste do sertão/Semi-Árido”. Evidencia a diferença entre os dois:

“Esse Nordeste da terra gorda e do ar oleoso é o Nordeste da cana-de- açucar ... o outro nordeste é aquele que range a areia dos sertões, paisagens duras, doendo os olhos. A doçura das terras de massapê contrasta com o ranger da raiva terrível das areias secas dos sertões”

(Freyre, 1967, p. 6-7).

O autor enfatiza a rudeza do Semi-Árido em contraste com a abundância da região da mata, mostrando a natureza como inimiga do homem do sertão. Nesse sentido, Freyre (1967) sedimentou a imagem construída do semi-árido como lugar de natureza e homens pobres.

Além disso, a essa diversidade natural do semi-árido foram associadas práticas de manejo do poder marcadas por relações sociais "arcaicas" e "modernas", “includentes” e “excludentes”; por atividades econômicas tradicionais, de pouca inserção no mercado, com baixo uso de insumos, em contraste com setores de ponta oriundos da agricultura irrigada. Em ambas as situações, as conseqüências ambientais são graves. Comporta, antes de tudo,

uma alta concentração de terras e uma estrutura sócio-política altamente paternalista (Andrade, 1980; Maia Gomes, 2001).

Cunha (1967) foi um dos autores que mais destacou a aspereza do

sertão. Mas, incluiu na sua obra a descrição da relação criativa da população

com a natureza, que apesar de sua rudeza, permite a sobrevivência da população que conhece o meio e domina seus recursos. O conhecimento dessa natureza árida permite à população sertaneja usar dos mais variados artifícios para permanecer e viver no sertão. Conforme resumiu o autor: “(...) viver é adaptar-

se” (Cunha, 1967, p. 90).

O clima no Semi-Árido é variável conforme o relevo, mas a seca não apavora o sertanejo. “É um complemento à sua vida tormentosa, emoldurando-a

em cenários tremendos” (Cunha, 1967, p. 103). O sertanejo reage e se prepara

para a seca, primeiro com as orações, depois utilizando alimentos da caatinga para manter a família e o gado: mandacaru, juazeiros, ouricuris, umbuzeiros fazem parte da dieta humana e animal no prolongar da seca. Quando a seca é muito intensa e a natureza não consegue mais prover o sertanejo, aparecem na paisagem os retirantes, “é o sertão que se esvazia (...)” que retornam ao sertão quando acaba a seca (Cunha, 1967, p. 103).

Cunha (1967) descreveu a relação que o sertanejo criou com a natureza e sua forma de lidar com a aspereza do sertão:

“Perfeita tradução moral dos agentes físicos da sua terra, o sertanejo do Norte teve uma árdua aprendizagem de reveses. Afez-se, cedo, a encontrá-los, de chofre, e a reagir, de pronto. Atravessa a vida entre ciladas, surpresas repentinas de uma natureza incompreensível, e não perde um minuto de trégua. É o batalhador perenemente combalido e exausto, perenemente audacioso e forte; preparando-se sempre para um reencontro que não vence e em que não se deixa vencer; passando na máxima quietude a máxima agitação; da rede preguiçosa e cômoda para o lombilho duro, que o arrebata como um raio pelos arrastadores estreitos, em busca das malhadas. Reflete, nestas aparências que se

contrabatem, a própria natureza que o rodeia – passiva ante o jogo dos elementos e passando, sem transição sensível, de uma estação à outra, da maior exuberância à penúria dos desertos incendidos, sob o reverberar dos estios abrasantes. É inconstante como ela. É natural que o seja. Viver é adaptar-se. Ela trabalhou-o à sua imagem: bárbaro, impetuoso, abrupto...” (Cunha 1967, p. 90).

Noutra passagem, o autor valoriza as técnicas construídas pelo homem para conviver com a natureza dos sertões.

“Fez-se forte, esperto, resignado e prático. A sela de montaria, feita por ele mesmo... São acessórios uma manta de pele de bode, um couro resistente, cobrindo as ancas do animal, peitorais que lhes resguardam o peito, e as joelheiras apresilhadas às juntas. Este equipamento do homem e do cavalo talha-se à feição do meio. Vestidos doutro modo não romperiam, incólumes, as caatingas e os pedregais cortantes” (Cunha

1967, p. 89).

Nesse cenário, têm sido marcantes, principalmente até a década de 1980, as migrações inter-regionais como alternativa à falta de condições de vida para a população mais vulnerável do Semi-Árido.

Nos anos 1960/1970, o processo de integração econômica dos mercados nacionais unificou as diversas regiões brasileiras sob os mesmos parâmetros econômicos, abolindo grande parte das diversidades regionais e as economias locais. Dessa maneira todo o Semi-Árido brasileiro tem sua economia comparada com as economias mais dinâmicas do país, como da região de São Paulo e Norte do Paraná, fortalecendo o estigma construído como o Semi-Árido da seca e da pobreza (Ribeiro et al., 2007c).

Assim, foi criada uma identificação:

“A imagem difundida do semi-árido, como clima, sempre foi distorcida. Vendeu-se a idéia de uma região árida, não semi-árida. É como se não chovesse, como se o solo estivesse sempre calcinado, como se as matas

fossem secas e as estiagens durassem anos. As imagens de migrantes, de crianças raquíticas, do solo estorricado, dos açudes secos, dos retirantes nas estradas, dos animais mortos, da migração da Asa Branca – essas imagens estão presentes na música de Luiz Gonzaga, na pintura de Portinari, na literatura de Graciliano. É um ponto de vista, ao mesmo tempo, real e ideológico, que, muitas vezes, serve para que se atribua à natureza problemas políticos, sociais e culturais, historicamente construídos. Está em gestação um novo conceito civilizatório para a região: a convivência com o Semi-Árido (Malvezzi,

2007, p. 11).

Faz-se, então, necessário partir para a construção de políticas públicas, com foco integrado simultaneamente em aspectos sócio-econômicos, político- institucionais, culturais e ambientais.