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3. O TRABALHO PEDAGÓGICO

3.1 O sentido do trabalho

Não se constitui em novidade o fato de as teorias de administração e da economia que adentraram na educação tenham tido o seu nascedouro no avanço da industrialização, na divisão do trabalho, no sistema capitalista. Porém, analisá-las é de fundamental importância para compreendermos sua influência nos processo organizacionais e pedagógicos que regem a educação.

Para compreender como o ser humano se constitui na dinâmica das relações sociais como ser

ativo, social e histórico, poderíamos seguir as observações que Marx faz sobre o trabalho como elemento essencial constitutivo do ser humano. O agir humano se faz de forma social e histórica, produzindo não só o mundo dos bens materiais, mas, também, o próprio modo de ser do ser humano. Para Marx (1982, p.34), “a utilização da força de trabalho é o trabalho” realizado em condições históricas específicas e determinadas.

Porém, ao analisarmos o trabalho no contexto das relações sociais, verificamos que o trabalho que constitui o ser humano e que o constrói é o trabalho contextualizado dentro de sociedades determinadas. Isso significa que o trabalho deve ser entendido concretamente. Foi o trabalho como atividade criadora que, segundo Luckesi (1990, p.112), “[...] possibilitou ao ser humano o domínio sobre a natureza, conduzindo-o à independência e ao uso das mãos, vivência gregária e social, ao desenvolvimento dos sentidos e do cérebro, assim como do entendimento sobre a realidade”.

Ou seja, o ser humano se diferencia do animal na forma de viver e de se utilizar da natureza, mas essa diferença emergiu de sua força de própria ação. Por isso, historicamente, o ser humano é dimensionado tanto pela complexidade, sagacidade, inteligência, entendimento, quanto pela alienação, pelo afastamento de si próprio, pois que ele é construído pelo trabalho que mesmo

tempo constrói e aliena. O trabalho, na sociedade para Luckesi (1990, p.112) “[...] possui, dentro de si, a contradição de constituir o ser humano, ao mesmo tempo, criando-o e alienando-o”.

O ser humano é dimensionado pelas relações sociais capitalistas,

[...] o comportamento individual é o produto de forças históricas, enraizadas em condições materiais. Quando as condições materiais mudam, através da luta de classes, também se alteram as relações entre os indivíduos nas diferentes posições sociais, posições estas determinadas pela organização social da produção e pela relação de cada pessoa com a produção [...] (CARNOY, 1987, p.14)

O ser humano se construiu dentro dessa sociedade concreta e, por isso, sofre as suas interferências. A personalidade humana é contraditória, assim como a sociedade. Possui a dimensão ativa, criadora, renovadora, assim como a dimensão estática e reprodutora. O ser humano não é o que ele diz de si mesmo, mas aquilo que as condições objetivas da história possibilitam que seja. Nossas práticas, nossos atos, nossos entendimentos, nossas emoções e relações possuem características dessa sociedade, com tudo o que ela tem de mais desenvolvido. Ou seja, a personalidade humana é histórica, possui lugar e tempo.

No cerne dessa sociedade, o trabalho docente é também instrumento, matéria prima e produto sob o controle dos capitalistas, a quem pertence sua força de trabalho que é vendida como mercadoria, porém,

[...] o que o capitalista encontra diretamente no mercado não é o trabalho, mas o trabalhador. O que este último vende é a força de trabalho. Desde que começou a trabalhar, seu trabalho não lhe pertence mais, e ele não pode mais vende-lo. O trabalho é a substância e a medida imanente dos valores, mas ele mesmo não tem valor. (MARX, 1982, p.194)

O valor da hora de trabalho na sociedade capitalista é diversificado, conforme as características e especificidades de cada segmento. As diferenças são estabelecidas conforme alguns critérios como: o nível econômico-cultural, jornada de trabalho, área de formação e nível de escolaridade do trabalhador. Observa-se que o nível de escolaridade é cada vez mais exigido pelo mercado atual, mas nem sempre é o determinante para a definição dos salários. Além disso, como nos afirma Marx (1982, p.197) “[...] o movimento real do salário apresenta fenômenos dos quais parece resultar que o que é pago não é o valor da força de trabalho, mas o valor de sua função – o trabalho”.

Na sociedade capitalista, o trabalho intelectual, visto com um certo “status” é mais valorizado que o trabalho manual, visto com “preconceito”, gerando uma diferença de poder econômico e hierárquico das classes sociais, desnivelando as condições de acesso aos bens econômico-materiais, bem como de subsistência.

O valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de subsistência habitualmente necessários a um operário médio. A massa desses meios de subsistência, ainda que sua forma possa mudar, deve ser considerada, numa certa época e numa sociedade determinada, como uma grandeza constante. O que muda é o valor da massa. Dois outros fatores entre na determinação do valor da força de trabalho. De uma parte, as despesas necessárias ao seu desenvolvimento e que mudam de acordo com o modo de produção; de outra, sua diferença específica, proveniente de que ela é masculina ou feminina, adulta ou adolescente. A utilização dessas diversas forças de trabalho, condicionada por sua vez pelo modo de produção, estabelece grandes diferenças nas despesas de reprodução da família operária adultos. (MARX, 1982, p.197)

Surge dentro desse contexto, a alienação do trabalhador, inicialmente pela alienação do produto do próprio trabalho, da própria ação. Na sociedade capitalista, a produção que não é consumida denomina-se “excedente”. Esse excedente (produzido socialmente pelo conjunto dos trabalhadores) é apropriado apenas por uma parcela da sociedade; por aqueles que detêm os meios de produção. Portanto, parte da força de trabalho dos trabalhadores, que se transforma em produto, não lhes pertence. Esse excedente é posto à venda, como mercadoria, pelos donos do capital, fugindo, assim, ao controle do produtor. Os produtores perdem o poder de decisão sobre o fruto do seu trabalho, são alienados do controle sobre “o que”, “o como”, “o para quê”, “o para quem” produzem.

Porém, a sociedade torna essa alienação mais perversa ainda, por meio da compra do trabalho assalariado. O trabalhador produz o necessário para a sua sobrevivência e o excedente para que o capitalista acumule riqueza. O trabalhador é obrigado a alienar o produto material do seu trabalho e junto com ele sua consciência. Desse modo, a sociedade capitalista, através do trabalho, consegue a alienação não só material, mas também espiritual do trabalhador.

É nessa contradição que se abre a possibilidade para a mudança. Ou seja, o trabalho que aliena contém dentro de si a criatividade e possibilidade de autoconstrução do ser humano. Sendo assim, o trabalho, nesta sociedade, tanto constrói quanto aliena o ser humano.

Educação e trabalho são dialeticamente constituídos. Partindo desse pressuposto, entendemos que a maior preocupação dos estudiosos do tema em discussão seria entender o que significa ser educador numa sociedade capitalista. Nesse caso, seria desvelar as relações e inter-relações sócio-político-econômica que interferem nas questões educacionais. Para entender a política educacional, a forma de organização da educação, é preciso antes compreender o papel do Estado na sociedade. Daí a grande dificuldade na implementação de algumas propostas, que terminam não passando de mera formalidade. Provavelmente, é uma ilusão pensarmos em desenvolver na escola uma gestão democrática quando o Estado está revestido por uma armadura autoritária.

O fim do regime ditatorial que, por duas décadas, assolou o Brasil, não significou o fim do regime capitalista. Se é verdade que o país caminha em direção a uma democracia, também é

verdade que essa caminhada se faz a passos lentos. A classe social que ditou as cartas na ditadura continua no poder, gerindo os destinos do país. Acrescido a isto, apresenta-se outra vertente, hoje, em nosso contexto social e político: a classe social que anteriormente compunha o quadro de oprimidos, isto é, os que durante anos lutaram contra a ditadura, estão hoje no poder, assumindo posturas que antes eram repudiadas e contestadas pelos mesmos.

Nessa perspectiva, a compreensão das concepções, mecanismos e estruturas que regem o mundo do trabalho precisam ser compreendidas pelo principal protagonista do processo, o trabalhador. É difícil romper com as estruturas de poder que sustentam a sociedade capitalista, porém, a compreensão das relações de trabalho que se estabelecem entre trabalhador e o dono do capital podem contribuir para amenizar a alienação e exploração tão presentes na sociedade atual, transformando o “produto” em “matéria prima” composta de vida, pois nela está implícita também o tempo, sonhos, criatividade, esforço mental e físico do trabalhador, sujeito composto de afetividade e subjetividade. Para Gentili (2002, p.250) os elementos, “[...] são fatores indissolúveis em nossa luta pela reconstrução de uma sociedade fundada nos direitos democráticos, na igualdade e na justiça”.

Nesse contexto, o trabalhador docente é regido pelas forças e mecanismos que estabelecem as regras do capital. Reunir elementos para buscar compreender esse sujeito é o que faremos a seguir.