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2 Poesia, metáfora e imagem

2.5 O sentimento poético

Além dos três tópicos discutidos por Ricoeur, ele deixa um espaço para introduzir uma teoria do sentimento aliada ao “mood” nos mesmos termos estabelecidos por Northrop Frye 135, pois considera que há um lugar importante para

o sentimento dentro do processo metafórico, que alcança até mesmo seu teor semântico. Nessa apreciação, estados da mente dirigidos para o interior e experiências mentais ligadas a distúrbios físicos como medo, dor, ira e prazer, ficam separados daquilo é considerado um sentimento genuíno, e que não são emoções, como é o caso dos sentimentos poéticos. O sentimento, diz Frye, é

(...) um processo de interiorização que segue um movimento de transcendência intencional dirigido para algum estado objetivo de situações. Sentir, no sentido emocional da palavra, é tornar nosso o que foi colocado a distância pelo pensamento em sua fase de objetivação. Os sentimentos, por isso, têm um tipo muito complexo de intencionalidade. Não são exatamente estados interiores, mas pensamentos interiorizados. Assim sendo, acompanham e completam o trabalho da imaginação como esquematização de uma operação sintética 136.

Além disso, os sentimentos têm uma função pictórica que acompanha e completa a imaginação. Ligado a uma estrutura verbal própria, esse “mood” é gerado por uma corrente singular de palavras que nos afeta como ícone, “o icônico como é sentido”, diz Ricoeur.

E por último, o terceiro juízo sobre os sentimentos, no que seria sua função mais importante, assinala sua contribuição para a referência dividida no discurso poético, quando expõem uma estrutura compartida que completa aquela

134 Op. cit., p. 155.

135 FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973. 136 Op. cit., p. 157.

pertencente ao componente cognitivo da metáfora, implicando uma espécie de

epoché de nossas emoções corpóreas.

As teorias de Paul Ricoeur em A metáfora viva apresentam os passos percorridos pelo filósofo para estruturar sua teoria de aliar a semântica da metáfora a uma psicologia da imaginação. Neste processo, Ricoeur parte do pioneiro Aristóteles, que erigiu a definição clássica da metáfora como a figura que dá a uma coisa o nome de outra, por transporte ou por analogia, enaltecendo seu valor pela clareza e charme dados ao estilo, e por revelar a maestria do poeta. De seu mestre Platão, apontamos as ressalvas quanto aos ornamentos da linguagem, postura mais tarde compartilhada por empiristas britânicos como Hobbes e Locke, onde o último via nos discursos figurados a imperfeição e o abuso das palavras, insinuando idéias erradas e enganando o bom senso.

Mas surgiu Giambattista Vico e em fins de século XVIII a metáfora foi definida na Ciência nova como uma “pequena fábula”, recuperando o valor do tropo como um instrumento de expressão dos mais sofisticados. Em meados do século XIX, Pierre Fontanier escreve um dos últimos tratados à moda da velha Retórica, dá primazia à palavra e dispõe tropos e não-tropos sob a mesma noção de figura, procedendo a uma enumeração meticulosa e classificando-os sistematicamente. A seguir, vem I. A. Richards e sua The Philosophy of Rethoric, e Max Black com Models and Metaphors, dois tratados clássicos que versam sobre a metáfora, onde são expostos os conceitos de “teor e veículo” e de “quadro e foco” para referenciar, num dos exemplos de Ricoeur, “a idéia original e a idéia emprestada” 137, e cuja interação dá origem à metáfora. A contribuição maior de

Jean Cohen, em Estrutura da linguagem poética, está na idéia que percebe na metáfora um desvio, seguido por uma “redução de desvio”, causada pela sua “lei da pertinência semântica”. Se uma sentença metafórica lida em sentido literal é absurda, é a própria metáfora que recompõe o significado pela redução desse desvio. Michel Le Guern vai adiante e agrega sobre as bases de Cohen o que ele denomina de “imagem associada”, correspondendo àquela criada no espírito de cada autor quando é formulado o enunciado metafórico.

Na teoria da imagem, o poeta inglês Cecil Day Lewis apresenta as metáforas como fator constante da poesia contemporânea, retoma Dryden e critica a

visão de que sejam um mero ornamento, vendo ainda o símbolo como algo denotativo. Já para Ricoeur, o símbolo tem duplo sentido, um semântico e um não- semântico, admitindo uma exegese interminável. A imagem literária, vista por Gaston Bachelard como importante para despertar a imaginação, tem como papel primordial não a formação dessa imagem, mas a deformação do que é proposto à percepção; além disso, também sugere que a imagem poética seja analisada do ponto de vista filosófico por uma fenomenologia da imaginação.

Mikel Dufrenne propõe a teoria da “natureza naturante”, falante e inspiradora, operando tanto no poético como na linguagem, onde as coisas percebidas, como o céu, a cores, as árvores, denominadas de “natureza naturada”, se revelam a nós por meio delas. Para Dufrenne, a poesia opera transformando a linguagem comum, aprofundando o sentido sem o compromisso de descobrir certas imagens de modo obsessivo. Com o termo “espectro de palavras”, ele define o estilo de um autor como algo marcado pela escolha de determinado vocabulário, mais sóbrio ou mais rebuscado, secundado pelo “murmúrio de palavras não enfatizadas” que fazem sobressair as demais.

Seguindo o conceito de Dufrenne de ver no objeto estético um objeto percebido, Marcus Hester propõe as teorias de Wittgenstein de “ver como” incorporadas ao funcionamento da linguagem poética, com o auxílio da metáfora e das teorias do imaginário. O poema, diz Hester, é um “objeto de leitura” aproximado da epoché de Husserl, onde se fundem o sentido e um fluxo de imagens provocadas ou ativadas, em que a experiência de “ver como” junta o sentido verbal ao imagístico. Tal teoria, segundo Ricoeur, estabelece a fronteira não-verbal do enunciado metafórico, e é essa a fronteira que encerra suas possibilidades semânticas.

Os desdobramentos na obra de Paul Ricoeur, A metáfora viva, das teorias formuladas pelos autores acima, são utilizados para ordenar as proposições em que se une a semântica da metáfora a uma teoria da imaginação e do sentimento. Esta nos servirá como base de apoio teórica durante a análise das metáforas do mar nas obras da autora brasileira Cecília Meireles e da portuguesa Sophia Andresen.

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