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O significado atrelado ao significante: Curso de Linguística Geral

Com a publicação da primeira edição do Cours de linguistique générale, escrito por Ferdinand de Saussure, deu-se origem ao movimento intelectual que ficou conhecido como

Estruturalismo. O Cours de Saussure propunha-se a abordar qualquer língua como um sistema,

em que cada um de seus elementos somente poderia ser definido em relação aos outros, como uma estrutura.

Levantaremos alguns pontos dessa obra, os quais chamaram a atenção de Jacques Lacan e foram utilizados em suas formulações a respeito do inconsciente.

Para Saussure, todas as manifestações da linguagem humana são matéria da Linguística (SAUSSURE, 1916/ 2006). A partir dessa constatação, estabelece-se a dicotomia entre língua e linguagem. Para o linguista, a linguagem “repousa numa faculdade que nos é dada pela Na- tureza, ao passo que a língua constitui algo adquirido e convencional que deveria subordinar- se ao instinto natural em vez de adiantar-se a ele” (SAUSSURE, 1916/ 2006, p. 17). O autor

80 ainda estabelece uma separação entre língua e fala, afirmando que ao separá-las “separa-se o que é social do que é individual; o que é essencial do que é acessório” (p. 22).

Outro aspecto de grande relevância para a teoria desenvolvida por Saussure é o estudo a respeito do signo linguístico. Para o autor, o signo linguístico é formado por um conceito e uma imagem acústica, conforme o esquema abaixo:

Quadro P – Esquema de constituição do signo linguístico.

O conceito está para o que Saussure denomina significado e a imagem acústica para o

significante. Então, tomando como exemplo o esquema acima, o signo linguístico é formado

pela ideia de árvore: uma planta, geralmente, alta, com raiz, tronco e folhas, e pela imagem acústica, formada pelos segmentos Á-R-V-O-R-E.

Esses dois elementos estão intrinsecamente unidos e um reclama o outro. No entanto, o laço que une significante e significado é arbitrário. Conforme o próprio Saussure exemplifica, a ideia de mar não está ligada por relação alguma à sequência de fonemas M-A-R. As possíveis exceções a esta regra seriam as onomatopeias e exclamações.

Ao introduzir a noção de signo linguístico, Saussure (1916/ 2006) ressaltou, ainda, que a linguagem deve ser entendida como uma forma e não como uma substância, para tanto utili- zou a conhecida metáfora do jogo de xadrez.

Dentro de um jogo de xadrez, a peça “cavalo”, por si só, não pode ser considerada um elemento do jogo. O cavalo só representa algo, só se torna um elemento real e revestido de valor

81 durante uma partida. Caso essa peça fosse destruída ou extraviada, poderia ser substituída por qualquer outra peça independente de sua forma. A mesma ideia vale para qualquer uma das peças: caso a peça rainha desaparecesse, seria possível utilizar qualquer peça em seu lugar, desde que lhe fosse atribuída o valor de rainha.

Percebe, assim, que nos sistemas semiológicos, como a língua, nos quais os elementos mantêm-se reciprocamente em equilíbrio, a noção de identidade se confunde com a de valor, e reciprocamente (SAUSSURE, 1916/ 2006). Os elementos de uma língua, portanto, não têm valor em si, mas na relação com os outros elementos do sistema.

O signo linguístico é imutável, isto é, não se altera de acordo com a vontade dos falantes de uma determinada época: faz parte de uma coletividade. Assim, para que os falantes possam se compreender mutuamente, não podem mudar os signos linguísticos a qualquer momento. Porém, sua imutabilidade não ocorre única e simplesmente porque está ligado ao peso da cole- tividade, mas também por estar situado no tempo, faz parte de uma tradição.

Por outro lado, o signo também é mutável. Ainda que o que persista seja a matéria velha, o tempo opera alterações na língua. Nas palavras do autor: “Situada, simultaneamente, na massa social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado, a arbitrariedade implica, teoricamente, a liberdade de estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e as ideias. Não há língua que não passe por essa evolução” (SAUSSURE, 1916/ 2006, p. 90). Por- tanto, ainda que lentamente, as línguas mudam. Não fosse por isso, falaríamos latim.

Outra noção de relevância para o presente estudo é a dicotomia entre as perspectivas

sincrônica e diacrônica para o estudo da linguagem. A diacronia volta-se para o estudo dos

fatos ou mudanças linguísticas no decorrer do tempo. Na linguística diacrônica, o olhar do pesquisador incide nas “relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que substituem uns aos outros sem formar sistema entre si” (SAUS- SURE, 1916/ 2006, p. 116).

82 Já a linguística sincrônica dirige o interesse para as relações lógicas e psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistemas, tais como são percebidos pela consciência coletiva. Na sincronia há dois eixos: o paradigmático (ou associativo) e o sintagmático (SAU- SSURE, 1916/ 2006).

As relações sintagmáticas fundamentam-se no caráter linear do signo linguístico, na su- cessão dos elementos na cadeia da fala. O valor dos termos na cadeia sintagmática se dá em virtude do contraste que estabelece com o termo que lhe precede ou lhe sucede. Em “Hoje chove”, por exemplo, não podermos pronunciar a sílaba “je” antes de sílaba “ho” ou ao mesmo tempo que “ve”.

As relações paradigmáticas dizem respeito às possibilidades de “troca” em uma cadeia de fala. Como o eixo paradigmático contém o conjunto de unidades suscetíveis de aparecer num mesmo contexto, suas unidades se opõem por exclusão, ou seja, se uma está presente, as outras, obrigatoriamente, estão ausentes. Considerando, por exemplo, os signos bola e bota, os fone- mas l e t são traços distintivos, que alteram o sentido dos signos mencionados.

A correlação entre significante e significado desenvolvida por Saussure (1916/ 2006) foi um dos aspectos da linguística que mais intrigou Jacques Lacan. A leitura feita por Roman Jakobson (1956/ 2003) também foi um dos objetos de estudo do psicanalista. A obra de Jakob- son será o tema a respeito do qual discorreremos na sequência.