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Falar do significado do cuidar no processo de morrer na voz das mulheres, sujeitos de minhas reflexões, levou-me a compreender que a realidade de suas vidas cotidianas está organizada em torno do “aqui” de seus corpos e do “agora” vivido no presente. Essa fala expressa, como realidade, o enfoque educativo no sentido de recuperar o EU da pessoa humana debilitada, especialmente na cultura em que vivemos, na qual a mulher vivencia a sua terminalidade e é estigmatizada como doente terminal, sendo, ainda, pouco assistida em suas reais necessidades.

Relatam as mulheres, com muita clareza, que se obrigam a um confronto com a difícil realidade da vida cotidiana, ao terem de conviver com todas as dificuldades relacionadas à ação de cuidar prestada pelos profissionais de saúde que as assistem quando internadas.

Dessa forma, a vida dessas mulheres, marcadas por problemas diversos, transcende para uma realidade superior na constatação de seus direitos como pessoa, mormente no pleno exercício para a sustentação de sua dignidade, por tratar-se de um ser único, com todos os atributos e sentimentos que lhe são inerentes e dado o valor oriundo de si mesma como pessoa.

Protestam essas mulheres com veemência, mesmo na sua fragilidade, em face da constatação de que a sua dignidade é tratada de forma precária, ao serem cuidadas por profissionais de

saúde despreparados humanisticamente para as atribuições que lhes são confiadas. Declaram merecer todo o respeito, difícil de enfrentar o cotidiano, pois relatam com extrema tristeza, alterações emocionais, angústia, abandono e, particularmente, buscam, muitas vezes, não atraírem para si a antipatia dos profissionais que delas tratam, pois são conscientes da necessidade de cuidado.

Neste sentido, a mulher doente e sem esperanças de cura, ao conscientizar-se da debilidade de sua saúde e da falência generalizada de seu organismo, grita por socorro, implora que se preste mais atenção a todos os seus problemas, pedindo que não seja classificada como algo sem importância e descartável. Em face do olhar da mulher no processo de morrer, fica claro que a atenção requerida por ela já é direcionada às questões existenciais.

Sua fala pede aos profissionais de saúde uma atenção cuja qualidade assistencial seja não só o resultado da competência técnica, mas também o de uma maior sensibilidade humana.

Esse mundo institucionalizado do qual fazem parte hospitais, protocolos de tratamentos, ou, mesmo, ausência de atendimento, experimentado pelas mulheres por mim ouvidas, apresentam-se como uma dura e crua realidade. Todo o ser humano reage com certo temor ante a incapacidade, à diminuição de potencialidade, à dependência, por vezes humilhante, a solidão, a incerteza do quando e de como se dará a sua própria morte.

Estes temores evidenciaram-se na voz das mulheres de diferentes maneiras. A equipe que assiste o enfermo em situação de finitude deve estar atenta aos sinais velados, verbalizados ou simplesmente manifestados por expressões não verbais, que tornam possível a percepção da existência desses temores, e,

assim, de posse do conhecimento da realidade existente, possa exercer plenamente sua função de cuidador, proporcionando o conforto para amenizar a dor, o consolo da companhia, uma palavra de ânimo, de carinho, de acolhimento, sem frivolidades, ou simplesmente, sua permanência em respeitoso silêncio ao seu lado. É possível perceber nos depoimentos que as mulheres procuram superar as transformações que ocorrem em suas vidas cotidianas, buscando a convivência mais próxima com os familiares, mesmo tendo em mente que está dependente de todos à sua volta. Convive ela, entretanto, com pensamentos conflitantes, solicitando o acolhimento de amor e de mais atenção dos profissionais de saúde que também coexistem em seu mundo.

É lamentável que os serviços de saúde, de maneira geral, apresentem características de atendimento que se aproximam da desumanização, dificultando o acesso ao sistema e falta de resolubilidade dos problemas. A mulher com câncer e que se encontra no processo de morrer tem, todavia, uma capacidade maior de percepção da plenitude de ser, apesar de suas limitações. Se a mulher tem capacidade de organizar-se, é preciso respeitar ao máximo possível os seus desejos, especialmente os que dizem respeito a visitas, conforto ou atenção em todos os níveis de suas necessidades, conforme foi observado em seus discursos.

As mulheres aqui ouvidas testemunham que a autonomia exercida por elas deve transitar pela liberdade de pensamento e expressão, e, serem livres de coações internas ou externas para escolher entre as alternativas que lhe são apresentadas.

Silva (2001) ressalta que a enfermagem precisa pensar sobre o que é importante quando se cuida, se somente o

desenvolvimento de técnicas e o ministrar tratamentos são importantes ou se há de considerar que ajudar a pessoa a resguardar sua dignidade é diferencial altamente significativo no ato de assistir o paciente no processo de morrer.

A lição apreendida aqui, pelo testemunho das mulheres, indica que o profissional de saúde deve esforçar-se sempre para diminuir o sofrimento do doente, tendo em mente que estar doente não é um problema separado de sua pessoa, biografia e meio. Deve-se também evitar, na medida do possível, que a terapêutica analgésica provoque, desnecessariamente, a perda da consciência do enfermo.

Com relação aos familiares, estes devem ser considerados pela equipe como uma unidade também carente. Ambos, paciente e familiares, precisam de ajuda. O objetivo maior do cuidado está em integrá-los ao máximo no processo da doença em curso, para que, ao chegar o momento da morte do ser doente, possa ele estar acompanhado de seus entes queridos, em todos os sentidos, e com o menor sofrimento possível.

Tendo em vista, portanto, toda essa minha longa e gratificante vivência, cuidando de mulheres com câncer, posso dizer, agora, com o desvelamento de uma das facetas deste fenômeno, que é imprescindível ouvir com freqüência as confidências das mulheres. Estas não têm só medo da morte, mas temem ainda o sofrimento relacionado ao processo de morrer. Isso ocorre especialmente quando esta experiência é marcada pela intervenção mutilante, impotência física ou pela dor.

A dor é o que existe de mais terrível na experiência humana e fato que tão freqüentemente acompanha a evolução da

doença oncológica, trazendo ameaça à integridade pessoal e rompendo perspectivas futurais.

É preciso que o profissional de saúde desenvolva a sensibilidade necessária, colocando em prática os fundamentos humanitários de sua formação acadêmica, de sua trajetória pessoal, como indispensáveis à percepção e contenção do sofrimento que vivencia a mulher no processo de morrer.

Terminado este capítulo, o significado do cuidar na voz das mulheres, reporto-me novamente à fala que desvela, de forma autêntica o fenômeno que estava velado no início deste estudo:

Aproximaria mais do paciente, ficaria mais tempo ao seu lado, tentaria ouvi-lo mais. Prestava mais atenção naquilo que ele está querendo dizer, ou seja, talvez naquilo que ele quer dizer, mas, não está conseguindo. Daria mais oportunidade para ele exteriorizar a sua dor, o deixaria chorar os seus medos, chorar as injustiças, chorar seu sofrimento. (d-11)

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