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O significado social da profissão na reprodução da sociedade: a consciência crítica de s

3 O PROBLEMA DA CONEXÃO REFLEXIVA ENTRE REALIDADE E

1.1 O significado social da profissão na reprodução da sociedade: a consciência crítica de s

“Uma Concepção Teórica da Reprodução das Relações Sociais – expressa os fundamentos analíticos, segundo a concepção clássica marxista, para a compreensão da reprodução das relações sociais, como premissa fundamental para situar o Serviço Social nesse processo.”

Marilda Villela Iamamoto132

Toda consciência é naturalmente consciência do meio sensível mais imediato, e consciência dos vínculos e relações entre os indivíduos concretos e coisas exteriores a esses indivíduos que se torna consciente. Historicamente evolui e se consolida sempre como relação com a realidade e sobretudo, jamais existe isolada, engessada ou descolada dessa realidade; consiste num produto social da inevitabilidade na existência humana do indivíduo firmar relações com outros que o cercam determinando o ser humano como um ser consciente que definitivamente vive em sociedade. Recordemos das nossas reflexões ascendentes, dissemos: minha relação com o meu ambiente (coisas e indivíduos exteriores) é minha consciência; o que revela na práxis enquanto atividade consciente objetiva a dimensão fundacional de toda consciência. Nosso cariz conclusivo não pode ser outro: a consciência não se define em algo estanque, ao contrário, trata-se, essencialmente, de uma relação desenvolvida na e pela vida social que produz a si mesma de forma consciente. Vejamos Marx (In: MARX; ENGELS, 2007, p. 35): “Os homens desenvolvem a consciência no interior do seu desenvolvimento

histórico real”. A consciência crítica de si se dá quando em qualquer esfera da vida humana,

da mais particular a mais geral, adquire-se nessa relação com seu desenvolvimento histórico real, a consciência crítica desse relativo contexto que configura as relações sociais; isto é, a consciência de que a própria consciência é sempre relação com seu ambiente composto por indivíduos e coisas exteriores. Numa perspectiva voltada ao todo dessa vida social (totalidade), as suas complexidades nunca são dadas no imediato — por isso a importância que adquire o método crítico marxiano na apreensão dessas próprias determinações, dialetizadas entre realidade e pensamento, que definem a consciência. Esse método, na sua orientação praxiológica, por meio de mediações ontológico-dialéticas desvenda criticamente não somente o conteúdo da realidade humana (que é práxis), mas também as formas de

132 In: IAMAMOTO, Marilda V.; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de um interpretação histórico-metodológica.- 17. ed. - São Paulo, Cortez; [Lima, Peru] : CELATS, 2005, p. 22 (Introdução). A primeira edição desta obra foi em publicada em 1982, representando um virada teórica para o Serviço Social.

consciência derivadas desse conteúdo que, num mundo de produtores de mercadorias, aparecem crivadas de contradições e enviesamentos, não raro, consistindo em elementos falsificadores da realidade representada por essa consciência comum.

A esfera particular assumida nesse estudo, com óbvias limitações, está posta: o desenvolvimento de uma consciência crítica de si no Serviço Social. Assalta-nos a imperiosa necessidade de decodificá-la nos desdobramentos que evolve enquanto relação entre realidade e pensamento, particularidade fundamental sobre a qual declinamos nossa discussão de método (enquanto forma de proceder no pensamento).

É preciso iniciar pelo solo real da história. Segundo Netto (2001, p. 103), desde meados da década de setenta — quando a ditadura brasileira registra sua inflexão para baixo133 —, vinham se acumulando pesquisas e investigações (boa parte delas desenvolvida ou por instituições independentes, como o CEBRAP, ou no âmbito de alguns cursos de pós- graduação), especialmente focalizando temáticas econômico-sociais, cujo sentido era claramente o da desmistificação da retórica oficial da autocracia. Quando, no final da década, a resistência democrática é vitalizada pelo protagonismo político da classe operária, estas pesquisas são amplamente dinamizadas e passam a cobrir nomeadamente os fenômenos do

“mundo do trabalho”. Simultaneamente, renova-se o interesse por abordar a história social e

política do movimento operário, tanto recente quanto mais remota, e se generalizam estudos

sobre categorias e parcelas da população caracterizadas como “minorias”. Não resta nenhuma

dúvida acerca de dois pontos: o de que esta produção assinala um avanço, uma progressão, inclusive porque marca um esforço positivo de vincular a reflexão teórica e a investigação com o movimento social; e o de que ela vem impulsionada por uma inspiração de esquerda134. Nesse quadro histórico e ídeo-cultural é que se dá o contexto no qual desponta, não só no Brasil, mas em maior escala na América Latina, um levante renovador para o Serviço Social e como este deve ser pensado, desde então, enquanto instituição.

A partir da importante vereda teórico-profissional que se abre no Serviço Social no

Brasil com a emergência histórica da nomeada “intenção de ruptura”, mais propriamente com

o evolver trazido pela proposta histórico-metodológica deflagrada pela obra Relações Sociais

133 Netto concebe o período ditatorial brasileiro, por ele denominado de “autocracia burguesa”, em dois

momentos mais marcantes e decisivos: “Se 1968 marcou uma inflexão para cima do ciclo autocrático burguês,

1974 marcou-a para baixo: abre o momento derradeiro da ditadura, centralizado pelo aprofundamento da crise do 'milagre' e por uma particular estratégia de sobrevivência implementada pelo mais alto núcleo militar do regime

— estratégia expressa claramente por Geisel e sua equipe, autodenominada 'processo de distensão' e que,

avançando no governo Figueiredo, constituirá o projeto de auto-reforma com que o Estado forjado pela ditadura procurará transcendê-la” (2001, p. 41).

134 In: NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. - 5. ed. - São Paulo : Cortez, 2001, p. 103-104.

e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica135, inaugura- se um imbatível espírito investigador para o Serviço Social brasileiro no tocante à autêntica retomada da inspiração marxiana enquanto produto dos trabalhos de Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho, vinculados ao projeto de investigação do CELATS sobre a História do Trabalho Social na América Latina136. O surgimento das primeiras escolas do Serviço Social no Chile, Brasil e Peru foi alvo de investigação por uma contestadora corrente

de pensadores com base num “conjunto de reflexões sobre os enfoques mais utilizados para o

estudo da história do Serviço Social, reafirmando [a] proposta metodológica para a caracterização da profissão a partir do ângulo das relações de classe e dos compromissos

assumidos pelo Serviço Social ao largo da sua história” (CASTRO, 1984, p. 16, grifo nosso).

No Brasil, como analisa Netto (2001, p. 115), do estrito ponto de vista profissional, o fenômeno mais característico desta quadra histórica137 relaciona-se à renovação do Serviço Social. No âmbito das suas natureza e funcionalidade constitutivas, alteraram-se muitas demandas práticas a ele colocadas e a sua inserção nas estruturas organizacional-institucionais

135 Cf. IAMAMOTO, Marilda V.; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Bra sil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. - 17. ed. - São Paulo, Cortez; [Lima, Peru] : CELATS, 2005. No entanto chamamos atenção para um texto pouco conhecido e supostamente não publicado, mas citado em nota de rodapé por Netto (2001, p. 290): Legitimidade e crise do Serviço Social: um ensaio de interpretação sociológica da profissão (Cf. IAMAMOTO, M. V. Legitimidade e crise do Serviço Social. Piracicaba., ESALQ/1982 – USP, mimeo.);de autoria exclusiva de Marilda Villela Iamamoto, no qual a mesma expõe toda proposta histórico-metodológica contida na obra supracitada e publicada em parceria com Raul de Carvalho.

Iamamoto já havia desenvolvido previamente toda sua argumentação nesse texto de 1982: “Como a profissão só

existe em condições e relações sociais historicamente determinadas, é a partir da compreensão destas determinações históricas que se poderá alcançar o significado social desse tipo de especialização do trabalho coletivo (social), mais além da aparência em que se apresenta em seu próprio discurso, e, ao mesmo tempo, procurar detectar como vem contribuindo, de maneira peculiar, para a continuidade contraditória das relações

sociais, ou seja, o conjunto da sociedade” (apud NETTO, 2001, p. 290). Segundo verificações na produção

bibliográfica declarada pela própria autora, trata-se da sua dissertação de mestrado. Currículo Lattes, disponível em: <<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4780212T9 >> Acesso em 18. Fev. 2012.

136 No âmbito continental latino-americano, adquiriram proeminência análises como a de Manuel Manrique Castro que lograram convergir numa relação dialética história e profissão na sua obra História do Serviço Social na América Latina (1984). Este trabalho refletiu exatamente as fases e o rumo do complexo itinerário histórico no seio de um movimento que surgiu entre os últimos anos da década de 1960 e os primeiros da década de 1970, de caráter eminentemente contestador que não só propunha, mas exigia, a crítica dos objeto, objetivos, métodos e técnicas do Serviço Social rumo à construção de uma nova identidade profissional. As ideias orientadoras desse trabalho estão explicitadas num texto do final da década de 1970 (Cf. Hacia el Estudio de la Historia del trabajo Social em América Latina, in: Acción Crítica, n. 5, Lima, 1979) elaborado em parceria com Marilda Villela Iamamoto, no qual se define um projeto de investigação caracterizado pelo próprio Manuel

Manrique de Castro na obra supracitada: “salientávamos que apreender o significado real e os efeitos da prática

dos assistentes sociais ao longo da história supunha inserir seu estudo no interior de relações historicamente determinadas, ou seja, dentro das quais o Serviço Social desenvolveu sua prática específica, respondendo

organicamente às exigências da divisão social e técnica do trabalho” (CASTRO, 1984, p. 16).

137 Nas palavras do autor: “O lapso histórico que é coberto pela vigência da autocracia burguesa no Brasil demarca também uma quadra extremamente importante no evolver do Serviço Social no país. Sem correr o risco de exagero, pode-se afirmar que esse período circunscreve um estágio do processo da profissão cujas incidências para o seu desenvolvimento — imediato e mediato — possuem uma ponderação desconhecida em momentos anteriores (salvo, talvez, aquele que assinala, na transição dos anos trinta aos quarenta, a emergência do Serviço

(donde, pois, a alteração das condições do seu exercício profissional); a reprodução da categoria profissional — a formação dos seus quadros técnicos — viu-se profundamente redimensionada (bem como os padrões da sua organização como categoria); e seus referenciais teórico-culturais e ideológicos sofreram giros sensíveis (assim como as suas auto- representações).

É importante captar o cerne da superação operada por Iamamoto no contra-refração daquelas orientações metodológicas que lhe antecederam, e que por ela são tachadas como unilaterais; por sempre abordarem a questão parcialmente, gerando equívocos, principalmente por relegarem uma dimensão que, para Iamamoto, é fundamental: a historicidade. Sua análise

desde o início já se anuncia como “histórico-metodológica” (IAMAMOTO; CARVALHO,

2005). Iamamoto busca desvendar o significado social da profissão. Mas não de qualquer modo, sua análise não só contextualiza esse significado, conferindo-lhe um viés histórico ineliminável, mas também destaca uma questão importante, sobretudo, nas implicações que trouxe para a própria profissão depois das conclusões a que chegou: do significado social da profissão inserido na reprodução das relações sociais eivada de contradições que só podem ser apreendidas intelectualmente se dialetizadas sob uma perspectiva de totalidade.

Iamamoto se opõe criticamente àquelas modalidades de compreensão da profissão, por assim dizer, de toda consciência teórica do Serviço Social historicamente acumulada até aquele momento de sua investigação138. Ela generaliza as principais concepções acerca da instituição da profissão em duas correntes teóricas, às quais contrapropõe a sua, até então, inédita concepção teórico-metodológica, e justifica:

Afirmar que a instituição do Serviço Social é produto ou “reflexo” da realidade social mais abrangente, expressa apenas um ângulo da questão, se considerado isoladamente. Por outro lado, reduzir a análise dos elementos constitutivos “internos” — que, supostamente, peculiarizam à profissão um perfil específico: seu objeto, objetivos, procedimentos e técnicas de atuação etc. — significa extrair, artificialmente, o Serviço Social das condições e relações sociais que lhe dão inteligibilidade e nas quais se torna possível e necessário. Significa privilegiar a visão focalista e a-histórica que permeia muitas das análises institucionais. A tentativa de superação dessas orientações metodológicas implicou considerar que a apreensão do significado histórico da profissão só é desvendado em sua inserção na sociedade, pois ela se afirma como instituição peculiar na e a partir da divisão social do trabalho (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 15).

138 No interior da própria perspectiva da “intenção de ruptura”, Iamamoto representa uma postura não só diferenciada como diametralmente oposta, mesmo à proposições de vulto nesse período como o conhecido

Neste momento, translada-se a especificidade profissional em detrimento de sua particularidade relacionada com a totalidade histórica da sociedade brasileira. Mas o que isso significa enquanto forma de proceder no pensamento? O que representa para a relação entre realidade e pensamento no tocante ao Serviço Social brasileiro? Nestas indagações e seus possíveis desdobramentos encontramos fundamentalmente uma questão de método pertinente às nossas reflexões até aqui acumuladas neste trabalho (mais a frente traremos em pormenores).

Na primeira parte da obra supracitada — Relações Sociais e Serviço Social no Brasil — é exatamente onde Iamamoto se dedica à explicação de diretrizes analíticas — ou “teórico- metodológicas”, como denomina a autora — que permitem entender a profissão na sociedade

capitalista. Para isso, os principais aspectos da gênese e desenvolvimento do Serviço Social serão encontrados inseridos e inseparáveis do processo histórico da sociedade brasileira. Mas qual sua perspectiva propriamente quanto ao método? Ela responde:

Procura-se apreender a vida em sociedade em uma perspectiva de totalidade, como produção e reprodução das relações sociais historicamente determinadas e das contradições que as permeiam, evitando-se a reificação de categorias econômicas. Ressaltam-se as expressões simultaneamente econômico-políticas e ideológicas dos fenômenos sociais. […] existe uma linha metodológica básica que permeia toda a exposição: desvendar por que, na sociedade do capital, relações sociais entre pessoas, enquanto personificam interesses de classes, aparecem como relações entre coisas, em que os sujeitos de classe desse processo submergem, para transparecer, na superfície da sociedade, as coisas, isto é, as mercadorias que possuem, e mediadas pelas quais entram em relação (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 22, grifo nosso).

Vê-se que, na relação entre realidade e pensamento da proposta metodológica de Iamamoto, não só a totalidade é assumida, mas sobretudo, tem-se em mente evitar o fetichismo teórico que acomete tipicamente a produção comum à sociedade burguesa. A razão dessa sociedade é de início desvendada e anunciada no fetiche da mercadoria, que leva à reificação, pela qual se estabelecem formas sociais (fundadas nas relações sociais), que se apresentarão mistificadas, manifestando na relação entre realidade e consciência a contradição já produzida de forma citerior, na própria realidade.

Trata-se, portanto, de elucidar e articular as relações sociais e as formas sociais por intermédio das quais necessariamente se expressam, ao mesmo tempo em que encobrem seu caráter mais substancial. O desencadeamento dessa linha de raciocínio parte da mercadoria simples e de seu fetiche, como forma social básica e pressuposto da sociedade capitalista. Acentua-se, a

seguir, o processo de transformação da mercadoria em capital, ressaltando as novas determinações do processo de trabalho enquanto processo de valorização do capital, de produção de mais valia. Ante a reprodução ampliada do capital, são expressas algumas mistificações que permeiam o ciclo da capital, as relações entre capital e trabalho (IAMAMOTO; CARAVALHO, 2005, p. 22).

A partir disso é que Iamamoto parte para compreender o nomeado significado social da profissão. Só por meio dessa diretriz teórico-metodológica foi possível captar esse significado como intrinsecamente ligado às formas de implementação das políticas sociais por meio de medidas concretizadas nos serviços sociais, e inseparável da óptica da relação social capital/trabalho e seus desdobramentos no jogo das forças sociais que operam na sociedade brasileira. Mas por que essa análise é tão reveladora?

Sendo o exercício profissional polarizado pela luta de classes, o Serviço Social também participa do processo social, reproduzindo as contradições próprias da sociedade capitalista, ao mesmo tempo e pelas mesmas atividades pelas quais é chamado a reforçar as condições de dominação. Se, de um lado, o profissional é solicitado a responder às exigências do capital, de outro, participa, ainda que subordinadamente, de respostas às necessidades legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 23).

Iamamoto mostra a primorosa inflexão de sua análise exatamente por captar a chave de toda apreensão intelectual do Serviço Social na sociedade capitalista: sua significação social se apresenta contraditória exatamente por estar inserida numa teia de relações sociais igualmente eivada de contradições. O recorte da luta de classes, apanhado com esmero em Marx, desde cedo já aparece determinando a profissão por uma polarização igualmente determinante a todo processo social sob o capital139.

A reprodução das relações sociais é tomada de forma certeira como a reprodução da

totalidade do processo social, “a reprodução de determinado modo de vida que envolve o

cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 72). Essa

totalidade concreta em movimento, assim como entendida por Iamamoto, “atinge a totalidade

da vida cotidiana, expressando-se tanto no trabalho, na família, no lazer, na escola, no poder, etc., como também na profissão” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 73). No que esclarece sua linha de interpretação:

139 É sob esse recorte da luta de classes que, mais a frente, no desvendamento da práxis política inerente à sociedade o Serviço Social, na sua dimensão política, detentor de uma práxis política específica.

Isso supõe, como diretriz de trabalho, considerar a profissão sob dois ângulos, não dissociáveis entre si, como duas expressões do mesmo fenômeno: como realidade vivida e representada na e pela consciência de seus agentes profissionais expressa pelo discurso teórico-ideológico sobre o exercício profissional; a atuação profissional como atividade socialmente determinada pelas circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à prática profissional, o que condiciona e mesmo ultrapassa a vontade e/ou consciência de seus agentes individuais (IDEM).

Vejamos o que já podemos relacionar metodologicamente com a análise de Iamamoto: como sujeito da práxis, o indivíduo é quem se põe enquanto sujeito ativo num processo consciente e objetivo; por outro lado, a práxis contém devoluções a este sujeito ativo: ela cria formas sociais a partir do conteúdo que detém enquanto atividade humana (e isso inclui não somente formas sociais como a mercadoria, mas também de outra natureza, como a consciência). E obviamente, essas formas reagem contra o próprio conteúdo que as cria;

tencionam no e com o próprio sujeito imerso na ação prática em si, “a realidade vivida e

representada na e pela a consciência”, nos termos de Iamamoto. O exemplo primário encontra-se no trabalhador inserido no processo de trabalho. Mas chamamos atenção para o fato de que por todas as outras atividades estarem fundadas no trabalho (e por ele serem mais ou menos determinadas), mesmo aquelas práticas que não se definem propriamente como trabalho poderão ser analisadas sob a óptica da práxis fundamentada no trabalho (a orientação praxiológica). Todos esses caracteres são indissociáveis do solo real da história140. Essa característica absoluta da práxis enquanto atividade consciente objetiva, se estende do trabalho à todas as outras formas de práxis141— inclusive aquelas as quais o termo trabalho não corresponde com exatidão.

O próprio trabalho enquanto práxis fundante de todas as outras práxis, que lhe são secundárias, pelo seu conteúdo, cria suas formas, que se desenvolvem, se transformam de

140 É importante não esquecer, como observou Marx, que no capitalismo este trabalhador está imerso na cisão entre trabalho intelectual e trabalho material por meio da divisão do trabalho.

141 Lembre-se da assertiva de Vázquéz na sua obra Filosofia da Práxis: “Toda práxis é atividade, mas nem

toda atividade é práxis. Quando Marx assinala que o idealismo, ao contrário do materialismo, admite o lado ativo da relação sujeito-objeto, e ao enfatizar, por sua vez, seu defeito — não ver essa atividade como prática —, ele nos previne contra qualquer tentativa de estabelecer um sinal de igualdade entre atividade e práxis. Daí que, para delimitar o conteúdo próprio desta última com relação a outras atividades, seja preciso distinguir a práxis, como