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O significado de “vinculação” para fins do art 128 do Código Tributário

CAPÍTULO II A TEORIA DOS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS E

2.5 O significado de “vinculação” para fins do art 128 do Código Tributário

É chegado o momento de aplicar a teoria dos conceitos jurídicos indeterminados a uma questão de extrema importância para os fins almejados pela presente pesquisa: determinar o alcance do conceito vinculação, presente no art. 128, do Código Tributário Nacional. Segue a transcrição do referido dispositivo legal.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Analisando o dispositivo em questão, há que se concluir que a delimitação da abrangência do vocábulo vinculada é fundamental para que se possa construir a mensagem jurídica contida na citada norma legal. E, para que isso seja possível, partir-se-á da análise pontual dos estudos de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino48.

[...] é natural que tais implicações (da chamada ‘sujeição passiva indireta’) obrigam revestir seu regime jurídico de extremas limitações e restritíssimo âmbito de aplicação. Daí que – assegurando a observância desses princípios fundamentais do exercício da tributação – tenha disposto o art. 128 do CTN só pode ser imputada ‘responsabilidade tributária’ a quem esteja vinculado ao fato imponível (o chamado ‘fato gerador’). Isto é, somente pessoas que – pela proximidade material com os elementos fáticos determinantes da incidência – possam adequadamente conhecer os contornos e características dos fatos produtores das relações jurídicas (em que se envolvem) é que podem ser postas, pela lei, na condição de ‘responsáveis’. Nesse restrito quadro fático, necessariamente, terão controle

48

ATALIBA, Geraldo, GIARDINO, Cleber. Responsabilidade Tributária – ICM – Substituição Tributária (Lei Complementar 44-83). In Revista de Direito Tributário. v. 34. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 219-220.

sobre os dados objetivos contidos no fato acontecido; conhecerão as notas subjetivas eventualmente influentes da obrigação de que são titulares passivos; poderão, eficazmente, exercer as faculdades regressivas implicadas no regime. Terão, enfim, adequadas condições de exercer todos os direitos subjetivos que, no campo da tributação – atividade rigidamente vinculada – são constitucionalmente reconhecidos aos que devem pagar tributos, seja a título próprio, seja por conta de terceiros.

Embora longa, a citação é primordial para o desenvolvimento deste trabalho, uma vez que dela podem ser extraídos alguns pontos dignos de aprofundamento teórico. Da passagem acima, saltam à vista as seguintes conclusões: 1) o regime jurídico que rege as normas relativas à sujeição passiva indireta é bastante limitado e tem seu âmbito de aplicação extremamente restrito; 2) os sujeitos passivos indiretos deverão ser pessoas materialmente próximas dos elementos fáticos que determinaram a incidência tributária, o que lhes permite conhecer os contornos e características dos fatos jurídicos tributários, o que significa, em última análise, 2.1) ter controle sobre os dados objetivos desses fatos e 2.2) conhecer as notas subjetivas que influenciaram no surgimento da obrigação tributária; e 2.3) poder exercer (no sentido de conseguir) as faculdades regressivas em detrimento do sujeito passivo direto, quando possível.

A análise dessas situações fáticas permitirá delinear a abrangência do conceito vinculação, o que importa em explicitar as restrições a que está sujeito o legislador ordinário ao criar novas responsabilidades tributárias além daquelas previstas no Código Tributário Nacional. Há que se registrar, na oportunidade, que a competência do referido legislador em termos de responsabilidade ordinária, prevista no inciso II, do art. 124, do códex tributário, deve ser exercida dentro dos estritos limites impostos pelo art. 128 do mesmo diploma legal, assunto que será detidamente tratado no Capítulo IV do presente trabalho. Passar-se-á à análise dos pontos levantados.

A ideia delineada no primeiro ponto reflete o caráter restrito da disciplina da sujeição passiva indireta, uma vez que assim deve ser tratada essa questão. O legislador não pode, a título de garantir o cumprimento da obrigação tributária, inserir qualquer pessoa no polo passivo desta. Dessa forma, pode-se dizer que, em caso de dúvidas sobre a possibilidade (ou não) de inclusão de um sujeito passivo indireto numa relação jurídico-tributária, a decisão deve ser pela negativa. Esse ponto cria uma diretriz a ser seguida por todos aqueles que participam do processo de concreção da regra-matriz de incidência tributária, iniciando pelo legislador,

passando pelo agente da Administração Tributária e culminando com a verificação da legalidade, que se dá tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Há que se enxergar no conceito de vinculação um valor expresso pelo legislador complementar, pelo qual se pode entrever sua preocupação em resguardar a integridade econômica das pessoas eventualmente chamadas a compor o polo passivo das obrigações tributárias, as quais devem ser cumpridas, em regra, pelo seu sujeito passivo direto. Essa deve ser a leitura desse primeiro ponto: uma diretriz que obriga uma interpretação restrita do conceito vinculação, cujo campo de abrangência deverá ser o mais restrito possível.

No segundo ponto, que se divide em três situações, tem-se que o sujeito passivo indireto deve ser uma pessoa próxima dos elementos fáticos que culminaram na incidência da norma impositiva tributária. Por elementos fáticos, deve se entender todos os critérios do antecedente da regra-matriz de incidência tributária (material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo), em razão dos mesmos, em conjunto, concretizarem formalmente a ocorrência do fato jurídico tributário dentro de específicas coordenadas de espaço e do tempo, pessoal e quantitativamente considerado. Estar próximo desses critérios significa ter pleno conhecimento da (ou a possibilidade de conhecer a) ocorrência dos fatos que culminaram na incidência tributária pela qual o sujeito passivo indireto será chamado a responder conjuntamente com o sujeito passivo direto.

Dessa forma, o sujeito passivo indireto deverá ser uma pessoa, física ou jurídica, cuja conduta (ou situação jurídica) ligue-se ao fato jurídico tributário; do contrário, não lhe seria possível ter a plena ciência das ocorrências factuais. Em razão dessa proximidade, dever-lhe-á ser possível conhecer os contornos e as características dos fatos jurídicos tributários, ou seja, é imprescindível que o responsável esteja consciente dos efeitos jurídico-tributários desses fatos, os quais irradiam consequências dessa mesma natureza. Esse conhecimento deve se exteriorizar de três formas: 1) possibilidade de controle sobre os dados objetivos desses fatos jurídicos; 2) conhecimento das notas subjetivas que acompanham a realização desses mesmos fatos; e 3) perfeito exercício das faculdades regressivas, caso possível.

Controlar os dados objetivos dos fatos jurídicos nada mais é do que saber, de antemão, suas características físicas, como, por exemplo, quantidade, volume ou dimensão dos mesmos. Por outro lado, conhecer as notas subjetivas significa saber

em que condições ocorreram os fatos jurídicos tributários, tais como os interesses que motivaram sua ocorrência, os valores que estavam por detrás dessas ocorrências, quais eram as intenções de seu realizador (sujeito passivo direto) etc. Por derradeiro, só consegue exercer eficazmente o direito de regresso a pessoa que conheça o fato jurídico tributário em sua integridade constitutiva.

Dessa maneira, pode-se perceber claramente que a pessoa, a ser chamada para compor o polo passivo da relação tributária na posição de sujeito passivo indireto, vinculado ao fato jurídico tributário, deve apresentar específicas características que lhe confiram uma proximidade tal a ponto de permitir o conhecimento de questões factuais objetivas e subjetivas.

Analisando as ponderações do citado autor, chega-se a uma conclusão de que a vinculação exigida no dispositivo se traduz na plena ciência do fato jurídico tributário, em cuja ocorrência o responsável tributário tem específico interesse. Dessa forma, não existe a necessidade do responsável participar da realização do fato jurídico tributário, mas de ele ter consciência e tirar algum tipo de proveito (pecuniário ou não).

Para exemplificar essa conclusão, há que se recorrer a um interessante exemplo de responsabilidade tributária presente na legislação goiana do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, de competência dos Estados e do Distrito Federal). Trata-se da alínea “a” do inciso I, do art. 45, da Lei n. 11.651, de 26 de dezembro de 1991, cuja transcrição segue abaixo.

Art. 45. São solidariamente obrigadas ao pagamento do imposto devido na operação ou prestação as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, especialmente: I - o transportador:

a) com o remetente ou o destinatário, em relação às mercadorias ou bens que transportar sem documentação fiscal;

Pela análise do dispositivo, pode-se perceber que legislador ordinário goiano parte do pressuposto de que o transportador tem pleno conhecimento (ou deveria ter) de que, ao receber ou coletar uma mercadoria para transportar, a mesma deve estar acompanhada da documentação fiscal própria. Assim, ao iniciar o transporte, o transportador deve saber que o fato jurídico tributário relativo à circulação das mercadorias deve estar devidamente relatado no documento fiscal, que deve conter todas as informações relativas àquela ocorrência.

Outra característica que deve estar presente na configuração da vinculação à situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária é o interesse específico do responsável em sua ocorrência, o qual, de alguma forma, une o contribuinte ao responsável. No exemplo acima, há que se entender que o transportador tira proveito da ocorrência do fato jurídico tributário relativo à circulação de mercadorias (cujo contribuinte é o remetente ou o destinatário das mesmas). O proveito, nesse caso, configura-se pelo interesse na prestação de serviço de transporte, pela qual o transportador será remunerado.

Presentes essas duas características, restará configurada a vinculação do responsável tributário ao critério material da regra-matriz de incidência tributária. E aqui caberia uma pergunta: por que a vinculação não pode se estabelecer em relação a outros critérios (pessoal, espacial etc.)? Pela simples razão de que o critério por excelência a definir o fato gerador da respectiva obrigação, conforme o art. 128, do Código Tributário Nacional, é o material. Eis que nesse se encontra delineada a situação ensejadora da tributação.

Analisando alguns casos de responsabilidade fora do Código Tributário Nacional, mais especificamente os que se referem aos transportadores e depositários na legislação do IPI (Imposto sobre Importação de produtos estrangeiros), Renato Lopes Becho49 conclui que

A vinculação nos parece estar na materialidade da conduta descrita no texto constitucional: para importar ou armazenar bens de origem estrangeira, o contribuinte ou o fará pessoalmente, circunstância em que inexistirá o transportador ou o depositário, ou realizará referidas condutas por interposta pessoal, justamente os elegidos legalmente como responsáveis. Por outro giro verbal, aqueles descritos na indigitada regra permitirão a realização do critério material da hipótese de incidência tributária. Daí sua vinculação com referida matéria (no caso, a importação).

Da passagem acima, pode-se concluir que é lícito ao legislador ordinário estabelecer novas modalidades de responsabilidade tributária colhendo terceiros que, por meio de algumas condutas específicas, vinculem-se ao fato jurídico tributário. Como se pode ver, as condutas acima citadas (transportar e depositar) são necessárias para que o fato jurídico tributário efetivamente ocorra. Assim, sempre haverá a necessidade de que a conduta do responsável (caracterizada por

49

BECHO, Renato Lopes. Responsabilidade Tributária de Terceiros: CTN, arts. 134 e 135. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 43.

um dar ou fazer) ou a configuração de algumas situações jurídicas (caracterizadas por um ser) vinculem-no ao fato jurídico tributário.

Que fique clara esta ideia: qualquer terceiro, pleno conhecedor do fato jurídico tributário, que deste tirar proveito próprio (pecuniário ou não), poderá ser colocado na condição de responsável tributário pelo legislador ordinário. Seja em razão de um dar, de um fazer ou mesmo de um ser, uma vez que restará configurada sua vinculação ao referido fato, nos precisos termos do art. 128, do Código Tributário Nacional.