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Capítulo 3 – Administração pública do Senado da Câmara

3.4. O simbolismo nos contratos

Há que se destacar o caráter simbólico presente nos contratos. A Câmara Municipal lavrava editais, colocando-os em leilão por contratos de serviços a serem prestados ou terceirização de funções e serviços da câmara, concedidos a “quem por menos o quisesse fazer” ou a quem oferecesse maior valor por ele, respectivamente. Tais arrematações aconteciam de forma sistemática e quase igual.

O ritual institucional iniciava-se em “Vila Real, nas Casas da Câmara dela, estando os

oficiais da câmara em mesa de vereança, o hei mandar pelo porteiro do conselho” a aferição, que, nesse caso, ocorrida no dia 23 de janeiro de 1724, a primeira que consta no livro de arrematações, travava das “medidas de pão côvado e vara”244. Já em praça, “andando o dito

porteiro pela praça pública desta vila indo para baixo e para acima, dizendo em voz alta em inteligível” do que se tratava o contrato, o valor de 205 oitavas do pregão e a forma de pagamento “em quatro quarteis”. Os interessados o cercavam e não havendo quem mais ofertasse o porteiro, Manoel Gracia Troclese, dizia “dou-lhe uma, dou-lhe duas”, e chegando perto do contratante, nomeadamente Antônio da Silva, “meteu o ramo verde na mão dizendo-

lhe, faça-lhe mercê bom proveito”, em sinal de que ele havia arrematado o contrato fiscal. Para

finalizar o ritual, o arrematante ia perante os oficias da câmara, dizia as condições do contrato, o valor e forma de pagamento acordado, do qual se responsabilizava a cumprir, e ainda, para

243 Arquivo Público Mineiro. Câmara Municipal de Sabará. Arrematações e fianças dos bens da Câmara (1723-

1747) – CMS-004, imagem154 /folha 1; imagem 160/folha 2.

244 Arquivo Público Mineiro. Câmara Municipal de Sabará. Arrematações e fianças dos bens da Câmara (1723-

maior segurança, apresentava fiador, Miguel Francisco, que se comprometia também com o valor combinado, e o escrivão tomava notas de todos os detalhes e todos assinavam.

Apesar de algumas diferenças, os contratos que cobriam a transferência de serviços da câmara para os contratantes, girando em torno principalmente da execução de obras públicas, se davam sob o mesmo padrão. A obra da casa de açougue e curral da vila é um bom exemplo disso:

“No ano de nascimentos de nosso senhor Jesus Cristo de 1725 sendo aos 15 dias do mês de fevereiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, na Casa de Câmara dela, estando em mesa de vereação o juiz ordinário, o capitão mor Francisco Duarte Meireles e mais ‘vereadores’ da dita câmara, alcaide e eu escrivão de câmara [...]mandaram pelo porteiro do conselho João Pereira, ‘proclama-se’ em praça a casa de açougue e seu curral a quem por menos o quisesse fazer[...],andando dito porteiro na dita praça passeando para baixo e para cima dizendo em voz alta e inteligível que todos o entendiam, 690 oitavas de ouro querem por fazer a falta do açougue[...], ‘e por não’ haver quem por menos queira fazer a dita ‘obra’ [...]. E chegando o dito porteiro ao capitão Manoel dos Santos Braga lhe deu um ramo verde dizendo [...] faça-lhe ‘muito bom proveito’ em sinal que havia rematado a dita ‘obra’”.245

Nesses casos, era importante que se deixasse claro que a câmara aceitaria como contratante aquele que por menor preço executasse o serviço, ainda que já tivessem estipulado um valor máximo antes mesmo do porteiro anunciar o pregão. Relevante ainda, é que nenhum dos contratos de obras onde anunciava-se o preço estipulado foi arrematado por valor menor, o que, embora não se possa comprovar, nos leva a pensar que esses contratos pudessem ter seus pormenores delineados anteriormente.

Ainda sobre os contratos de obras, ficavam registrados nos autos de arrematação todos os detalhes técnicos estipulados pela câmara:

“será uma casa que tenha de comprido ‘oitenta’ palmos, e trinta de largura, e com uma varanda na frente de 15 palmos de largo, e altura ‘partidos’ os setenta palmos, ‘em quatro lanços’ e os lanços, partidos pelo meio, e na ‘falhas’ que [...] da varanda de gamelos de ferro em cada uma para se dependurar os coartos de carne, coberto de tela tudo, [...] tudo de madeira de lei e feito com toda a firmeza de pregos e o curral de cem palmos em ‘40’, partido pelo meio com suas porteiras [...]. E dele o dito o rematante aos oficiais da câmara que aceitava fazer a dita obra na forma acima declarada, para que obrigava sua pessoa [...] havidos e por haver e não o faria havido em juízo nem fora deles sem primeiro dar a dita obra acabada sem faltar coisa alguma”.246

245 Arquivo Público Mineiro. Câmara Municipal de Sabará. Arrematações e fianças dos bens da Câmara (1723-

1747) – CMS-004, imagem 11/folha2; imagem 12/folha 1.

246Arquivo Público Mineiro. Câmara Municipal de Sabará. Arrematações e fianças dos bens da Câmara (1723-

O contrato da obra da casa de açougue e curral, do qual arrematou Manoel dos Santos Braga, não apresentava fiadores, o que não se mostrou como regra nesse tipo de arrematação, mas que pode ser mais um indício de que, no caso específico desse contrato, tivesse ocorrido um acordo prévio. O auto ainda dá conta da forma como o pagamento iria ser feito: em duas parcelas, uma quando a obra estivesse no meio e outra quando ela tivesse completamente acabada.

A simbologia encontrada no ramo verde merece destaque. A passagem do ramo, que marca o momento final dos processos de arrematação e aparece em todos os documentos analisados247, significa assim, a transferência de direitos e deveres àquele que, ao concordar com o valor, tomava pra si as funções expressas no contrato. Para Thiago Dias, “o espaço

institucional se faz operante sobre os colonos e sua prática espacial naquele instante em praça pública. O ritual é completo: gestos, movimentos e sons. Anúncio, comprometimento, entrega dos símbolos e assentamento de tudo nos Autos de Arrematação”248.