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CAPÍTULO 2: O TRATAMENTO DO DELITO JUVENIL, AS LEGISLAÇÕES E AS

2.3 A Reforma da Lei: A Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

2.3.1 O SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

O Sinase foi publicado em 2006, ano em que o ECA comemorava seus 16 anos de existência, sendo fruto de uma construção coletiva que envolveu diversos representantes das áreas de governo, de entidades, especialistas e operadores do Sistema de Garantia de Direitos em encontros regionalizados no país. Entende-se por Sistema de Garantia de Direitos (SGD) a integração das políticas públicas no atendimento destinado à infância e à juventude, cujo objetivo é a efetiva implementação da Doutrina da Proteção Integral. Nele estão incluídos princípios e normas que regem a política, cujas ações são desenvolvidas nas três esferas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), pelos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela sociedade civil sob três eixos: promoção, defesa e controle social. A intenção de se criar um sistema é a de melhor ordenar as várias questões que gravitam em torno do tema, buscando-se, assim, reduzir a complexidade que o tratamento da questão exige. Basicamente, esse sistema é composto pelo sistema educacional, sistema de justiça e segurança pública, sistema único de saúde (SUS) e pelo sistema único de assistência social (SUAS).

O processo de construção do Sinase surge, essencialmente, mediante as crises (motins, superlotação, aplicação de internação sem a garantia de direitos, necessidade de superação completa do modelo Febem) que mobilizavam a opinião pública e outros segmentos sociais sobre o

que deveria ser feito para enfrentar as situações de violência com adolescentes enquanto autores de infração ou vítimas de violação de seus direitos no cumprimento de medidas socioeducativas (BRASIL, 2006d, p. 13). Além desse fato, havia a necessidade imperiosa de articulação dos distintos níveis de governo e da co-responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, de modo que o Sinase se configuraria como um elo social entre esses diversos âmbitos. Foi nesse cenário que os debates vieram a culminar no documento do Sinase. Tratou-se de uma iniciativa do Executivo Federal, a partir da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA.

O Sinase reafirma a diretriz do ECA sobre a natureza pedagógica da medida em detrimento dos aspectos meramente sancionatórios. Dentre outros focos, prioriza as medidas em meio aberto, no sentido de reverter a forte tendência à internação. Segundo o documento, verificou- se que, em 2004, havia déficit de vagas na internação, ao passo que a semiliberdade apresentava excedente de vagas (FUCHS, 2004 apud BRASIL, 2006d, p. 21). Esse Sistema propõe ainda um reordenamento institucional pedagógico e arquitetônico das unidades privativas de liberdade, verifica a série de irregularidades espaciais e de metodologia, a formação continuada dos operadores do sistema de garantias de direitos, o trabalho intersetorial e em rede, a definição das competências e responsabilidades nos três níveis de governo, dentre outros.

Já há algum tempo tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei que visava instituir o Sinase como lei, pois até então, este se configurava como uma resolução do CONANDA. Após inúmeras discussões entre os Estados da Federação e diversas revisões em seu texto e concepção, foi sancionada, no dia 18/01/2012, pela presidente Dilma Roussef, a lei nº 12594/1225, que institui o Sinase.

Poderíamos pensar que o Sinase tem como perspectiva as garantias e direitos na execução das medidas, ao passo que o ECA tem como meta principal as garantias e direitos na aplicação?

As intenções da lei demonstram uma preocupação necessária e urgente acerca dos direitos dos adolescentes durante a execução das medidas ao regulamentar uma execução de medidas para aquele que praticou ato infracional. A lei dispõe das competências, da elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de atendimento socioeducativo, das entidades de atendimento, das obrigações e responsabilidades dos envolvidos no sistema de garantias, da fiscalização da gestão, do orçamento, dentre outras providências.

Inegável avanço, dentre outros, é o exemplo da unificação processual, o que sem dúvida favorece o processo sócio-pedagógico na execução de uma medida socioeducativa,

conforme expresso no art. 45: “Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de

nova medida, a autoridade judiciária procederá à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o defensor, no prazo de 3 (três) dias sucessivos, decidindo-se em igual prazo".

Inicialmente, o Sinase surge em busca de fornecer orientações capazes de solucionar

a “crise”, especialmente no âmbito da internação, para enterrar de vez o modelo e a ideologia da

Febem, apagando em definitivo a história de abusos e discricionariedade a que os adolescentes

foram submetidos no decorrer da “situação irregular”. Também pudemos aprender, com nossa

história, que criar novas normas, procedimentos e leis não foram suficientes para uma real

transformação no cenário dos “reformatórios, depois educandários, escolas de preservação e de reforma”, notas de uma única melodia.

O momento atual demonstra a imperativa necessidade de uma mudança, nas palavras

de Méndez (2006), “de uma verdadeira revolução cultural”. Para além dos incontáveis avanços que

uma lei desse tipo pode trazer ao atendimento socioeducativo, é preciso estarmos atentos para uma não judicialização da execução e para não incorrermos no engodo de crer que a dificuldade das entidades em executar as medidas socioeducativas deve-se somente a uma má gestão ou a uma escassa fiscalização do Poder Judiciário e do Ministério Público. O próprio Sinase reconhece a

complexidade de um sistema de execução de medidas ao propor um “sistema articulado de ações, um sistema de garantias”; sem as políticas básicas, a defesa técnica, as polícias, o Poder Judiciário,

o Ministério Público e as entidades de atendimento, um trabalho viável e efetivo dificilmente tomará concretude.