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No indivíduo, mesmo os processos inatos transmitidos hereditariamente, não são apenas processos interiores, eles constituem as condições específicas para o desenvolvimento pleno que somente será processado no seio da dinamicidade da vida social. A este respeito Leontiev (1978) explica que as aptidões propriamente humanas necessárias para o desenvolvimento do pensamento lógico será efetivado unicamente como resultado da apropriação da lógica e esta, por sua vez, é resultado da construção objetiva no processo histórico da humanidade. Isto significa que tanto as determinações biológicas, quanto as aptidões humanas, firmam-se em íntima interação com as exigências impostas pela realidade circundante, e, somente pela mediação das relações com outros indivíduos. Em suas palavras:

O homem encontra na sociedade e no mundo transformado pelo processo sócio-histórico os meios, aptidões e saber-fazer necessários para realizar a actividade que mediatiza a sua ligação com a natureza. Para fazer seus os seus meios, as suas aptidões, o seu saber-fazer o homem deve entrar em relações com os outros homens e com a realidade humana material. É no decurso do desenvolvimento destas relações que se realiza o processo da ontogénese humana [grifos do autor] (LEONTIEV, 1978, p. 173).

Para tomar posse das suas aptidões, dos seus meios e dos fins, ele precisa entrar em interação com outros indivíduos e com a realidade da vida material. Disso decorre diferença substantiva em relação aos animais inferiores. Isto porque, conforme o teórico russo, os animais jamais estabelecem relações com outros, na verdade desconhecem qualquer relação. É possível se observar animais desenvolvendo atividades em conjunto, jamais atividades coletivas, pois não há divisão do trabalho entre eles, nem se quer há trabalho verdadeiramente, posto que o trabalho é processo social na sua essência. A atividade do animal tem orientação puramente genética e instintiva e está relacionada à satisfação de suas necessidades fisiológicas imediatas. O objeto para o animal não existe apartado das suas necessidades, ele simplesmente não consegue fazer a distinção entre o objeto da relação e a própria relação.

O desenvolvimento psíquico do animal é submisso às da evolução biológica ao passo que o psiquismo humano é regido pelas leis do desenvolvimento histórico e cultural. Por tal motivo o indivíduo passa para etapa superior do processo de desenvolvimento do psiquismo, afasta-se do reflexo psíquico do animal e avança no sentido do desenvolvimento do reflexo

consciente da realidade. Deste modo, a consciência humana consegue perceber as especificidades entre o mundo e os seus reflexos acerca do mundo, conforme Leontiev (1978). Ou seja, a distinção entre a realidade e os espelhamentos da realidade como afirma Lukács (2013).

Essas diferenças estampadas no ser humano, conforme explicadas anteriormente, foram processadas pelo trabalho como condição ineliminável da existência humana, pois tem como característica principal, além da interação entre homem e natureza para garantir a subsistência, a fabricação de instrumentos e o desenvolvimento de atividades coletivas que, por sua vez, propiciou o desenvolvimento da linguagem e de outros complexos sociais secundários.

Leontiev (1978) explica que, ao realizar atividade coletiva através da divisão social do trabalho o indivíduo produz um fenômeno novo, que é a distinção entre o objeto para o qual sua atividade está orientada, e, os motivos da sua atividade, denominado de ação. Essa relação entre objeto e motivos, que já não é coincidente, tem sua ponte assentada apenas pelas relações sociais estabelecidas na atividade coletiva.

Para ilustrar, pensemos na seguinte situação: um grupo que realiza um plantio coletivamente espera como objeto da sua atividade o alimento que será colhido. Para tanto dividem-se em dois grupos, de modo que um fica encarregado de preparar a terra, enquanto o outro ocupa-se da semeadura. A ação do primeiro grupo (limpar a terra) não possui relação direta com o objetivo final (colher alimento), ela só é justificada na relação social estabelecida com os indivíduos do segundo grupo.

Como conteúdo da atividade, conforme Leontiev (1978), além das ações têm também as operações. Estas surgem e são transformadas a partir da utilização dos instrumentos de trabalho. Utilizar um instrumento exige conhecimento das propriedades materiais do instrumento e do objeto para o qual sua ação está orientada, é necessário dominar as técnicas, conhecer os meios e os resultados dessa utilização. Isto exige apropriação das propriedades socialmente cristalizadas no instrumento, de modo que, é possível afirmar que ele é responsável pela primeira abstração e generalização consciente do indivíduo.

É nestas circunstâncias que o conhecimento do indivíduo acerca do mundo evolui para o pensamento autenticamente humano. Este somente pôde surgir e se desenvolver em plena articulação com o desenvolvimento da consciência social, de modo que a consciência do indivíduo não é determinada, fixa, imutável. Como se constitui a partir de determinadas circunstâncias históricas e concretas, condicionadas pelas interações sociais estabelecidas, pelas relações de produção e pela posição que o indivíduo ocupa no âmago dessas relações, a

consciência adquire certa plasticidade e apresenta-se não como algo pronto, mas num eterno fazer-se.

Esse caráter de dinamicidade expresso pela consciência tem seu fundamento no fato de se constituir a partir da apropriação dos significados socialmente produzidos. Esses significados são condensados na linguagem e apropriados pelo indivíduo que produz, a partir deles, seus sentidos pessoais. São, conforme Leontiev (1978), os sentidos subjetivos produzidos pelo indivíduo e as significações elaboradas coletivamente e generalizadas no âmbito da sociedade que se constituem como principais componentes da consciência. É dessa relação entre os significados apropriados e os sentidos produzidos, processada no interior do indivíduo, que se constitui o reflexo consciente.

Os significados são produzidos numa rede de relações e interações objetivas. Eles coagulam e universalizam a realidade das práticas sociais de modo a permitir que o indivíduo particular possa se apropriar das elaborações coletivas historicamente produzidas pela humanidade. Na dinâmica da sua vida em sociedade, o indivíduo, ao agir e se plasmar no mundo, contribui para composição dos significados que serão transmitidos a outras gerações, ao tempo em que interioriza os significados produzidos pelas experiências sociais objetivas para construir sua realidade subjetiva.

Os significados sociais, explica Leontiev (1978), inexistem apartados da consciência individual, do mesmo modo a consciência do indivíduo somente será elaborada em simbiose com os significados sociais. O indivíduo, ao se apropriar das experiências materializadas pelas gerações precedentes, torna-se porta-estandarte do seu tempo histórico e das suas condições materiais de existência. Carrega em si as marcas impressas pelas experiências assimiladas, pela cultura produzida coletivamente e transmitidas através da linguagem nas relações com o outro.

Desse modo o indivíduo não se faz a si mesmo no contexto das suas experiências particulares, ele interioriza os significados que existem na sua materialidade, na objetividade do mundo, significados, estes, que são indiferentes à relação que o indivíduo com ela estabelece. Para Leontiev (1978), o aspecto psicológico, subjetivo, dessa relação está no fato de o indivíduo se apropriar ou não dos significados, as formas de apropriação, as leituras e releituras que a partir delas fará. Ou seja, essas generalizações fixadas nos significados ao serem interiorizadas pelo indivíduo assumem conotações bem peculiares, pois, subordinam-se aos sentidos subjetivos produzidos nas relações estabelecidas na sua vida, a partir da sua atividade.

Esses sentidos são elaborados numa relação concreta entre aquilo que instiga o indivíduo a agir e os objetivos imediatos da sua ação. Os sentidos expressam a conexão dos motivos aos fins. Assim, para verificar o sentido pessoal que orienta a ação é necessário identificar seu motivo correlato. Isto significa que o sentido, mesmo sendo subjetivo, não é concebível como algo abstrato, deslocado da materialidade do mundo. “Todo sentido é sentido de qualquer coisa” (LEONTIEV, 1978, p.97).

Eles são produzidos a partir dos significados e expressam a relação que o indivíduo estabelece com os fenômenos objetivos. Isto não implica no fato de sentido pessoal se confundir com significado social. Ambos se distinguem claramente, relacionam-se e constituem-se, conforme o autor, nos principais componentes da estrutura interna da consciência.

Sendo eles os principais componentes, não são, no entanto, os únicos. Essa relação é composta também pelo conteúdo sensível que se constitui a partir da percepção imediata do mundo. Pela relação direta do indivíduo com o mundo, suas sensações e percepções capturam os estímulos exteriores e os transforma em elementos da consciência, constituindo sua base material. Assim, o conteúdo sensível revela-se como condição para o desenvolvimento da consciência, mas não suficiente para explicitar toda sua complexidade. Esta somente se expressará na relação com os sentidos e significados, no interior das suas atividades (idem, ibidem).

Para compreender essa complexidade é preciso considerar as relações entre as particularidades do indivíduo e as generalidades da vida em sociedade. Entender que o indivíduo se constitui tendo por base as condições materiais e históricas produzidas pela humanidade e as relações sociais a partir delas estabelecidas. E, por fim, entender que no processo de reprodução social todos os complexos sociais assumem determinada função.

Somente a partir da compreensão de que o ser social possui características ontologicamente particulares, torna-se possível explicar as peculiaridades do complexo da educação, em que circunstâncias ele é chamado à cena pelo trabalho e qual sua razão de ser. A partir dessa mediação poderemos entender, adiante, em que momento na história da humanidade a educação social se faz necessária, que sentidos e significados produz e qual a função que assume no processo de reprodução da sociedade.