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O SISTEMA ECONÔMICO DAS DESIGUALDADES GLOBAIS

O sistema capitalista fez a economia romper com a ética e, como conseqüência agravou profundamente as desigualdades sociais, materiais e culturais entre os indivíduos. Essas desigualdades, desde o século XIX, vêm aumentando em nível global, em vez de diminuir. Dito de outra forma, apesar de toda a retórica da igualdade, apesar dos progressos da ideia da universalização em nível teórico e da euforia da globalização, a desigualdade aumentou constantemente em nível global (KESSELRING, 2007).

O sistema capitalista, desde seu surgimento, apresenta crises econômicas sistêmicas, e a cada crise o que se verifica são profundas transformações no modo de agir moral do indivíduo. Este se torna mais egoísta e capaz de maior exploração para recuperar seu lucro perdido, o que causa mais desigualdades. Nas palavras de Kesselring (2007), no atual sistema de mercado, cada um está disposto a explorar a realização de terceiros em seu próprio proveito.

Consequentemente, a cada crise cíclica do capitalismo a desigual realidade se agrava, pois se reforçam medidas econômicas, políticas e jurídicas que erguem grandes muros reais e virtuais para novamente acentuarem as desigualdades materiais. Contudo, há uma incongruência nisto, pois, como pode haver em uma sociedade globalizada muros reais e virtuais, uma vez que o fenômeno globalização significa o afastamento de barreiras para permitir o livre fluxo de bens, serviços, capital, conhecimento e pessoas?

Isso pode ser explicado em razão de estarmos habituados à teoria da igualdade dos homens, embora não à igualdade mesmo (Nietzsche, 2002). Em outras palavras, a economia capitalista não é condizente com a idéia de igualdade, pois se baseia em renumerações meritocráticas em um sistema em que não há igualdades de chance na obtenção de formação.

E este sistema econômico, sinônimo de desigualdades, discursa em prol do desenvolvimento, um desenvolvimento com princípios éticos e iguais, como o pregado pelos iluministas no século XVIII. Contudo, ultimamente só se prática um desenvolvimento do tipo econômico, que supervaloriza o papel do capital como fator essencial para o desenvolvimento social. Esquece-se de que para haver um desenvolvimento igual é preciso praticar uma educação baseada nos saberes

poiéticos e práticos, que ensine como produzir os bens e serviços, mas, também ensine o respeito aos valores morais fundamentais.

O desenvolvimento imposto pelo capitalismo, como mencionado, é desigual e injusto, pois nesta economia de mercado são as empresas que legitimam os valores éticos e, estes, só são praticados se puderem ser traduzidos em lucros para o mercado global. Contudo, não se pode simplesmente julgar esta busca por lucro como uma conduta completamente errada, uma vez que a razão de a empresa existir é ser lucrativa. Mas há que se ter cuidado com o limite dessas ações capitalistas que visam somente ao lucro.

Essas grandes empresas denominadas multinacionais6, cada vez mais são responsabilizadas por gerir as relações interpessoais. Uma vez que com a globalização, as fronteiras nacionais desapareceram e o papel do Estado foi enfraquecido, as empresas são as encarregadas de gestar não apenas os negócios, mas também as relações morais que envolvem os indivíduos. Barbosa (1992, p. 211) afirma que “as empresas transnacionais são vistas como poderosas agentes que moldam a vida cotidiana das populações das sociedades contemporâneas”.

Contudo, é nessas empresas que hoje regem a sociedade, e que ditam os padrões de conduta dos indivíduos, que mais se sente a despotencialização ética das relações interpessoais. Essas empresas impõem à educação que qualifique os indivíduos para o mercado de trabalho, com habilidades técnicas e saberes direcionados para uma conduta competitiva, onde não há espaço para a formação moral e preocupação em despertar as disposições naturais para o bem.

E uma vez preocupado com sua subsistência, o indivíduo que possui uma chance de lutar pelo seu interesse investe em educação, pois enxerga nesta a possibilidade de se capacitar e, assim, ingressar neste mercado de trabalho se sujeitando aos desejos egoístas e puramente econômicos do sistema capitalista.

6 São empresas que se caracterizam por desenvolver uma estratégia internacional a partir de uma

base nacional, ou seja, são empresas que resultam da concentração de capital e da internacionalização da produção capitalista.

3.4.1 O mercado de trabalho: o reflexo da desconfiguração ética

O capitalismo necessita de um mercado de trabalho para manter-se; mercado este, que Karl Marx denominou exército industrial de reserva7regular e capacitado. A origem do mercado de trabalho está intimamente relacionada à exploração, surgido em consonância com a Revolução Industrial e as indústrias da época, já se preocupavam em obter mão de obra barata para garantir a mais-valia, o seu lucro.

Desse modo, o que se tem, então, é que, com a ruína do modelo econômico feudal, muitos camponeses foram expropriados de suas terras - de seus meios de subsistência -, e foram direcionados para as cidades a fim de servirem como mão de obra para as indústrias. Em outras palavras, o sistema capitalista criou o seu mercado de trabalho por meio da expropriação injusta dos trabalhadores da terra. Karl Marx, em O Capital (1982), dizia que os indivíduos só se tornaram vendedores de si mesmos depois de terem sido roubados todos os seus meios de produção e privados de sua subsistência.

As formas de coação física e moral foram amplamente usadas durante o processo de formação do mercado de trabalho. É notório que na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, os camponeses eram transformados em trabalhadores assalariados por meio da violência8. Os indivíduos que não logravam êxito em conquistar um trabalho tornavam-se moradores de rua, e eram, por isso, fortemente punidos. Conforme Marx (1982, p. 854):

[...] a população rural, expropriada e expulsa de suas terras, compelida à vagabundagem, foi enquadrada na disciplina exigida pelo sistema assalariado, por meio de um grotesco terrorismo legalizado que empregava o açoite, o ferro em brasa e a tortura.

Constituído por meio da violência, este mercado representa a conhecida divisão da sociedade entre os detentores dos meios de produção de mercadorias de um lado e, do outro, os indivíduos que apenas possuem a sua força de trabalho para vender9. É desta forma, então, que ocorre a consolidação do exploratório mercado de trabalho capitalista causador de profundas desigualdades e a consolidação de

7 Trabalhadores desempregados. 8 As leis sanguinatárias na Inglaterra.

9 Entende-se que é problemática esta divisão rígida depois de todo o fenômeno da globalização, mas,

no entanto, este sistema de divisão rígido ainda se mantém efetivo para análise da questão da produção capitalista.

sua forma de produção, em que produtos, máquinas, dinheiro, força de trabalho são convertidos em mercadorias. Ou seja, tudo se torna mercadoria e, por conseguinte, negociável, lucro.

Contudo, todos querem e precisam fazer parte desta perfeita representação do que seja uma despotencialização ética das relações interpessoais, ou seja, todos por algum motivo querem estar inseridos no mercado de trabalho. O mercado de trabalho capitalista com o tempo sofreu modificações para adaptar-se cada vez mais aos desejos do sistema econômico capitalista.

Essas modificações ratificam a exploração da mão de obra, pois elas, na prática, são um meio de eliminação dos menos eficientes. O mercado de trabalho reproduz uma visão puramente economicista, que busca exclusivamente o lucro, em que as modificações visam quase exclusivamente dividir as tarefas de modo a aumentar a eficiência de cada etapa e reduzir os custos.

E esta divisão excludente na contemporaneidade começou a ser realizada não mais por meio da força física dos trabalhadores, mas, principalmente, por meio da especialização e das habilidades que o indivíduo deve possuir ou adquirir, se quiser ingressar no mercado de trabalho. Conforme Cortina (2005, p. 263), há: “uma produção sempre mais eficiente que torna cada vez mais supérflua a força de trabalho, ou uma formação de forças de trabalho profissional cada vez mais

profundamente especializada” [grifo nosso].

Logo, os indivíduos que possuem alguma chance investem na contemporaneidade em educação, reforçando assim a práxis capitalista. O indivíduo necessita ingressar no mercado de trabalho, e, na ânsia por ingressar, não questiona a formação que recebe e, assim, o sistema capitalista fica livre para interpelar a educação de forma tendenciosa, ou seja, questiona a educação influenciando esta a reproduzir seu receituário tecnicista e acrítico.

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