• Nenhum resultado encontrado

A MULTIDIMENSIONALIDADE DO SOFRIMENTO E A PESSOA EM FIM DE VIDA ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. O SOFRIMENTO: CONCEITO E DIMENSÕES

2.1. O SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO

A morte apesar de ser uma parte da existência humana traz consigo uma grande carga de angústias e temores, não só para quem dela se aproxima como também, para os profissionais que têm como responsabilidade prestar assistência aos doentes em fim de vida.

Assistimos, hoje, a uma transferência significativa da morte e do processo de morte, dos domicílios para as instituições hospitalares. A sociedade moderna dessocializou a morte escorraçou-a do seio das famílias e aprisionou-a nos hospitais e noutras instituições, onde tantas vezes, se morre sozinho, numa enfermaria, fechado num quarto solitário sem ninguém que compartilhe as circunstâncias da morte (Henriques, 1995).

A morte é muitas vezes considerada como um falhanço, como uma derrota, especialmente quando os profissionais são treinados apenas para o curar. As situações de doença crónica e incuráveis são olhadas como fonte de insucesso (Neto, 2006). Frequentemente encontramos enfermeiros incapazes de se libertarem do sentimento de sofrimento e da morte, adotando comportamentos de fuga, que se traduzem em falta de tempo e disponibilidade de estar com os doentes (Pacheco, 2004). A falta de tempo é uma das principais desculpas para não cuidar do doente de forma holística. O profissional

15

adota comportamentos de fuga, com medo das perguntas para as quais nem sempre tem resposta e para não se envolver.

Como resultado do próprio processo de sofrimento dos profissionais que fazem parte da equipa de saúde, o isolamento e o distanciamento podem ser o reflexo dessas vivências, pois de acordo com Rowe (2003) o isolamento é um fenómeno associado à primeira fase de resposta ao sofrimento. O autor baseia-se no quadro desenvolvido por Solle em 1975, o qual apresenta três fases distintas pelas quais as pessoas passam quando estão em sofrimento, o sofrimento mudo, a lamentação e a mudança. Na primeira fase, o profissional confronta-se com a situação dramática do doente, fecha-se em si mesmo, não consegue falar sobre o que está a viver e a sentir e tende a isolar-se. O profissional terá que passar, imediatamente, à segunda fase, que é a fase do desabafo, da partilha de sentimentos, da comunicação do próprio sofrimento para poder atingir a última fase de concretização e mudança. Se o profissional não tem possibilidade de partilhar o que sente e não tem suporte emocional corre o risco de se manter na primeira fase, tempo demais, o que trará consequências, não só, no relacionamento com os doentes e nos cuidados que presta, como poderá entrar numa situação de burnout. A inexistência de momentos formais de partilha de experiências entre profissionais poderá estar a impedir a reflexão, o suporte, a discussão entre profissionais, dificultando o crescimento, amadurecimento e a mudança dos diversos elementos da equipa de saúde, o que não só aumenta o seu sofrimento como poderão condicionar os cuidados que são prestados aos doentes.

Neste sentido, Loff (2000) citando Feitor Pinto, refere que o enfermeiro, face ao doente em fim de vida experimenta quatro tipos de sensações:

- sensação de fracasso;

- sensação de espelho ou projeção (imagina-se a si próprio numa situação idêntica, e prefere afastar-se para não ter de enfrentar o problema);

- sensação de pudor (pensa que é bem deixar o doente em processo de morte só, uma vez que neste momento não deve ser perturbado na sua relação com os valores, filosofias ou crenças que marcam a sua vida);

- sensação de mistério (fá-lo percorrer fantasias intelectuais sobre a morte, e sente o peso das contradições, deixando o doente sozinho, porque o problema de momento não é dele).

16

Torna-se imperioso, ultrapassar estas sensações, de forma a permitir uma prestação de cuidados de qualidade ao doente e sua família. O nosso percurso académico baseou-se num modelo biomédico, vocacionados para tratar e curar, lutando pela vida do outro ser humano até ao limite. Não nos é ensinado a cuidar do doente em fase final da sua vida. Cuidar em fim de vida é um trabalho que exige muito de cada profissional de saúde, assim, ao lidar com o doente em fase terminal e sua família, são vários os fatores desencadeadores de sofrimento nos profissionais de saúde. Apesar de todo o empenho e motivação que o enfermeiro deve ter para cuidar doentes em fim de vida, estes profissionais poderão defrontar-se com situações geradoras de stress, podendo experimentar reações emocionais de impotência, revolta, frustração, ansiedade, medo, culpa, angústia, insegurança; à medida que são confrontados com a realidade do sofrimento, da morte e da doença terminal.

Segundo Loreto (2001) o contacto permanente com situações desencadeadoras de sofrimento físico e psicológico, com as quais se deparam os enfermeiros em serviços de oncologia, torna-os um grupo vulnerável a situações de burnout. Este poderá ser definido como um estado de exaustão física, emocional, e mental, que resulta do envolvimento intenso com pessoas. A síndrome de burnout é descrita como uma reação emocional crónica gerada a partir do contato direto, excessivo e stressante com o trabalho. É caracterizada pela ausência de motivação e desinteresse, mal-estar interno e insatisfação ocupacional, que pode prejudicar em maior ou menor grau a atuação profissional e pessoal.

Torna-se desta forma importante, que o profissional se consciencialize para a necessidade de adotar estratégias que lhe permitam minimizar o impacto da doença grave, quer através da discussão dos diferentes problemas de trabalho com os colegas, quer através de reuniões interdisciplinares. A existência de um psicólogo, destacado para a equipa seria fundamental para prevenir o burnout. Porque também é importante cuidar de quem cuida e, tal como dizia Sartre citado por Lopes (1997), “(…) ninguém tem culpa

do que fizeram de nós, mas todos somos responsáveis por aquilo que fizermos com o que fizeram de nós (…).