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O Subsídio das Abordagens Filosóficas para a Compreensão da Sustentabilidade

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 O Subsídio das Abordagens Filosóficas para a Compreensão da Sustentabilidade

Jonas (1979) afirma que a violação da natureza e a civilização do homem caminham juntas, uma vez que as interferências no ambiente natural eram percebidas, pelo próprio homem, como superficiais e impotentes para prejudicar o equilíbrio assentado. Todavia, a concepção de mundo holística que compreende o indivíduo, a sociedade, e a natureza como um todo integrado e não como uma coleção de partes dissociadas, levou a ampliação da consciência social das pessoas com a Terra. Interligação e interdependência, enquanto forma de raciocínio, ganharam força na explicação de variados fenômenos (CAPRA, 1997).

Iniciou-se uma mudança de visão na ciência e na sociedade advinda da transformação paradigmática. Sachs (2007, p. 54) complementa este pensamento ao afirmar que:

Depois do anti-romance e da contracultura, o não-crescimento. Três sintomas, certamente bem diferentes, do requestionamento de valores por uma sociedade à procura de novos referenciais ideológicos para problemas que permaneceram insolúveis, apesar dos progressos espetaculares do crescimento material, ou que surgiram na seqüência deste último [...]

Tais fatos questionam a conduta humana assumida nos últimos séculos e ampliam o entendimento da ética para incluir o ambiente de suporte da vida. Leopold, considerado o precursor da ecologia profunda, numa coletânea de ensaios publicada em 1949 sob o título A

Sand Country Almanac, já sugeria a ampliação do escopo da ética ao longo do tempo. O autor

afirma que o desenvolvimento da religião possibilitou o desenvolvimento de uma ética de humano para humano. Posteriormente as ideias de democracia induziram a uma ética humana para a sociedade e, finalmente, a percepção do homem integrado a um contexto ambiental leva a um relacionamento ético entre os seres humanos e seu ambiente. Ferry (1994) complementa tal pensamento ao afirmar que:

(...) teria chegado a hora dos direitos da natureza, depois dos direitos das crianças, das mulheres, dos negros, dos índios, até mesmo dos presos, dos loucos ou dos embriões [no âmbito da pesquisa médica, senão no das legislações sobre o aborto, células-tronco etc]. Em suma, trata-se de sugerir que o que parecia impensável numa dada época, converteu-se hoje em evidência (p.15 - 16). Portanto, uma nova tradição de pensamento filosófico está sendo construído uma vez que, para Jonas (1979, p. 35), “a significação ética dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo; toda ética tradicional é antropocêntrica”. A perspectiva ecológico-filosófica, ampliada nos últimos anos, é

revolucionária, pois visa outra relação entre as pessoas e o planeta. Laszlo (2001, p. 92) apresenta uma nova possível diretriz da ética universal que diz: “Viva de maneira que permita ao outros também viver”. Sendo que estes “outros” incluem, além dos seres humanos, todas as coisas que formam a teia da vida no planeta. Portanto, a comunidade moral envolve formas de vida não humanas, e seres inanimados, perante os quais os homens têm deveres morais. A crítica ao antropocentrismo já estava presente em textos do século XVI, quando se advogava o direito intrínseco dos animais e até mesmo de seres inanimados (CAMPOS, 2008). Mas, por muitos séculos, a preocupação com o meio ambiente existia unicamente em função do bem-estar e privilégio do próprio homem. A natureza não-humana ficou excluída da esfera da moralidade, e os animais eram vistos como seres significativamente diferentes e inferiores aos humanos (LASZLO, 2001). Neste sentido, Jonas (1979, p. 40) complementa afirmando que: “Enquanto for o destino do homem, dependente da situação da natureza, a principal razão que torna o interesse na manutenção da natureza um interesse moral, ainda se mantém a orientação antropocêntrica de toda ética clássica.”

Só no final do século passado, ampliou-se uma nova ética ambiental na relação pessoa/planeta envolvendo um paradigma ecocêntrico, no qual a preservação do ambiente natural deve ser praticada em função dele mesmo e não do homem em si (CAMPOS, 2008; EGRI; PINFIELD, 1998). A hipótese de biofilia por Wilson (1984) e a hipótese de Gaia proposta por Lovelock (1979) reforçam esta perspectiva ao mostrarem que há um estreito entrosamento entre as partes vivas e não-vivas do planeta. Portanto, amplia a compreensão da vida de maneira sistêmica, integrando áreas do conhecimento e disciplinas diversas, cujos profissionais não estão acostumados a se comunicarem.

Neste novo paradigma, a relação centrada no verticalismo, no qual alguém domina, é substituída por uma interação na forma de rede, que implica em horizontalidade e paridade, reconhecendo a interdependência de todos os fenômenos e processos. Entretanto, Laszlo (2001) destaca que:

Como não compreendemos adequadamente a Terra, quer por nossas tradições espirituais ou pelas científicas, o humano tornou-se um apêndice ou um intruso. Essa situação nos agrada, porque nos permite evitar o problema de uma presença integrada à Terra. Essa atitude nos impede de considerar a Terra como uma sociedade unida, com relações éticas determinadas basicamente pelo bem-estar de toda a comunidade da Terra. (p. 198).

Esta abordagem reflexiva é denominada de Ecologia Profunda e foi criada na década de 1970 pelo filósofo norueguês Arnes Naess a partir do pensamento filosófico proposto por Leopold (1949). A ecologia profunda propõe a unidade do homem com a natureza, em oposição ao que Naess (1973) denominou de ecologia ‘superficial’ ou ‘rasa - perspectiva antropocêntrica-, conforme apresentado no Quadro 4.

Segue as principais premissas da ecologia profunda sintetizadas por Devall (2001):

a) O bem-estar e a vida humana e não-humana na Terra têm valor em si mesmos, independentes da sua utilidade para propósitos humanos.

b) A riqueza e diversidade das formas de vida também são valores em si mesmos.

c) Os seres humanos não têm direito de reduzir esta riqueza e diversidade, exceto para satisfazer necessidades vitais.

d) A vida e cultura humana são compatíveis com a diminuição da população humana. e) A atual interferência humana no sistema natural é excessiva e a situação está piorando

rapidamente.

f) Políticas devem ser alteradas, o que envolve mudanças nas estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas.

g) A mudança ideológica requer que se aprecie a qualidade de vida ao invés de aderir a um o padrão de vida mais elevado.

Quadro 4 – Diferenças entre a ecologia rasa e a ecologia profunda

Ecologia Rasa Ecologia Profunda

Domínio da Natureza Harmonia com a Natureza

Ambiente natural como recurso para os

seres humanos. Toda a Natureza tem valor intrínseco.

Seres humanos são superiores aos demais

seres vivos. Igualdade entre as diferentes espécies.

Crescimento econômico e material como base para o

crescimento humano. Objetivos materiais a serviço de objetivos maiores de auto-realização. Crença em amplas reservas de recursos. Planeta tem recursos limitados.

Progresso e soluções baseados em

alta tecnologia. Tecnologia apropriada e ciência não dominante.

Consumismo. Fazendo com o necessário e reciclando.

Comunidade nacional centralizada. Biorregiões e reconhecimento de tradições das minorias. FONTE: NAESS, 1973, p.100.

A ecologia profunda está alicerçada em valores ecocêntricos, centrados na Terra. Admite, portanto, o valor inerente da vida não-humana uma vez que os seres vivos e suas instituições sociais são membros de comunidades ecológicas numa perspectiva de interdependência.

Capra (1987, 2004 e 2005) propõe o seu pensamento embasado na concepção da ecologia profunda que, nas palavras do próprio autor, “[...] vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes.” (CAPRA, 1997, p. 25).

Esta linha de pensamento reconhece que os seres humanos estão inseridos nos processos cíclicos da natureza, sendo dependentes e inseparáveis deles (AVELINE, 1999). Tal fato traz uma nova ética para o homem.

No contexto da globalização, há duas grandes comunidades as quais todos nós pertencemos: todos somos membros da raça humana e todos fazemos parte da biosfera global. Somos moradores do

oikos, da ‘casa Terra’, que é a raiz grega da palavra ‘ecologia’, e devemos nos comportar como se

comportam os outros moradores dessa casa – as plantas, os animais e os microorganismos que constituem a vasta rede de relações que chamamos de teia da vida. (CAPRA, 2002, p. 223). Desta forma, a ecologia profunda questiona os fundamentos e crenças em relação ao mundo e à vida modernos - orientados para o materialismo e o crescimento - e propõe uma mudança nas percepções e valores humanos (CAPRA, 1997). A ética deve incluir valores ambientais aliados a valores humanos e, conforme destacado por Odum e Barrett (2008), juntar num holismo coextensivo os três “es” – ecologia, economia e ética.

Essa percepção de integração e unidade do homem com a natureza induziu novos paradigmas científicos e um novo aparato conceitual. Contingência, complexidade, visão sistêmica, recursividade, conjunção e interdisciplinaridade são exemplos de princípios filosóficos científicos emergentes desses pensamentos (ROHDE, 2003).

Pode-se dizer, portanto, que a ecologia profunda se aproxima da perspectiva holística, palavra construída a partir da raiz grega holos, que significa completo, inteiro, todo (HALL; LINDZEY, 1973). O objeto de análise é percebido dentro de um todo mais amplo, aproximando vários campos de estudo e áreas do conhecimento (D’AMBROSIO, 1991). Bateson (1972), Lovelock (1979), Maturana e Varela (1980) e Sheldrake (1981) são exemplos de pesquisadores que, assim como Capra (1997, 2002), produziram trabalhos variados utilizando-se das ideias da ecologia profunda e deram legitimidade científica a essa

perspectiva. Entidades como o Greenpeace e o Earth First, além de filósofos como Jonas (1979) e Laszlo (2001) também partilham dessa perspectiva de mundo.

Veiga (2008) destaca que um dos principais problemas que o pensamento ecológico-filosófico trouxe à humanidade refere-se à qualidade de vida de uma geração à outra, e particularmente a repartição do dote da humanidade entre todas as gerações. Para Jonas (1979), tal reflexão faz sentido uma vez que o universo moral consiste nos contemporâneos e, se uma ação é “boa” ou “má”, tal julgamento é decidido no interior de um contexto de curto prazo.

Portanto, a preocupação com as futuras gerações, na opinião de Sachs (2007), implica numa dupla dimensão ética: as finalidades sociais do desenvolvimento e o cuidado com o futuro. Todavia, o mesmo autor destaca que:

Este alto grau de responsabilidade e de consciência ecológica está longe de ter sido atingido, especialmente porque a solidariedade com as gerações futuras tem pouco significado para as maiorias desvalidas das nossas sociedades contemporâneas, as quais têm boas razoes para reclamar, de saída, mais solidariedade no seio da geração atual. (SACHS, 2007, p. 88).

A economia, como uma atividade social, não pode estar desvinculada das concepções morais presentes na sociedade (CASTELLS, 2007). Isto ajuda a explicar porque nos últimos anos está havendo um questionamento sobre a forma clássica de gerenciamento das empresas. Iniciou-se uma revisão das crenças fundamentais das pessoas e do processo decisório das organizações, reestruturando o capitalismo para proporcionar a sustentabilidade do planeta (CAPRA, 2002). E, segundo Elkington (2001, p.4), o pior bloqueio que os líderes atuais podem ter é acreditar que a sustentabilidade é uma nova forma de doutrina, ao invés de uma nova forma de valores.