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Capítulo 2.   NOÇÃO DE SUJEITO 105

2.1 O Sujeito Moderno 106

Pode-se afirmar, juntamente com diversos autores, que é com a filosofia de Descartes20que surge o conceito de sujeito, tal como o utilizamos hoje, apesar de algumas variações. Foi Descartes que, rompendo com o modo de pensar da idade medieval nos presenteou com o conceito de que não somos apenas objeto da vontade divina, mas que transcendemos a tais condicionamentos, que temos autonomia e que podemos ser tomados como causa de nossos próprios atos, sendo sujeitos de nossos predicados e não predicados do sujeito divino. A idéia do sujeito é um legado da filosofia moderna (NAPOLI, 2008).

20 René Descartes (1596 - 1650). Filósofo, físico e matemático francês. Durante a Idade Moderna também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius. Notabilizou-se, sobretudo por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma das figuras-chave na Revolução Científica. Descartes, por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai da matemática moderna", é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores (Gomes, 1992, p. 118-119).

Ao deixar o colégio dos Jesuítas, na França, nos anos de 1500, no qual recebera toda a sua educação, Descartes passa por um momento de grande conturbação, em que questiona todos os conhecimentos recebidos.

Para o mundo, nesta época, Deus era a referência central. Pode-se dizer que até Descartes, a verdade, na visão teocêntrica, estava nas mãos de Deus. As leis da natureza e do pensamento advinham da autoridade divina sacramentada nas Sagradas Escrituras e ensinamentos da Igreja Católica. Sendo assim, a verdade era parte de um sistema preestabelecido, era algo dado e revelado por outro, no caso Deus. Descartes se rebela contra isto, pois, segundo ele, essas verdades podiam ser fruto de outro enganador que poderia incutir falsas verdades.

A superação das incertezas seja no campo científico, seja no filosófico inquietava Descartes. Era necessário encontrar um novo método que pudesse ser sedimentado em novas bases de modo a estabelecer uma nova ciência. Esta revisão dos princípios que nortearam as ciências até o Séc. XVI, a que o filósofo se propunha, vem inaugurar o racionalismo moderno.

Figura 28: René Descartes. Fonte: Paulo Giraldelli Jr (2011).

Descartes busca na razão, os recursos para o estabelecimento da ciência em bases racionais. Pretendia ele chegar a uma certeza de tal maneira inabalável que mesmo os céticos não pudessem derrubá-la com suas argumentações. A maneira que ele via para superar a dúvida era enfrentá-la tomando a si próprio como objeto de experimentação:

[...] tão logo a idade me permitiu sair da sujeição de meus preceptores deixei inteiramente o estudo das letras. E, resolvendo-me a não mais procurar outra ciência além daquela que se poderia achar em mim próprio, ou então, no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha mocidade em viajar, em recolher experiências, em provar a mim mesmo [...] e, por toda parte em fazer tal reflexão sobre as coisas que se me apresentavam que eu pudesse tirar delas algum proveito (DESCARTES, 1637, p. 33, apud ALMEIDA, 2003, p.16).

É através deste movimento de se colocar todas as convicções em dúvida, com vistas, a buscar para as mesmas, comprovação racional ou não (procedimento denominado duvida metódica), Descartes procura um modo de chegar ao verdadeiro conhecimento apenas através da razão. O filósofo prioriza a razão e como racionalista, seu foco inconteste está na racionalidade das idéias e na demonstração das mesmas para que possam ser confirmadas como tese universal.

Ele rompe com a tradição antiga e medieval vinda desde Aristóteles e inaugura a Modernidade com o abandono do teocentrismo, fazendo com que o homem fosse visto com um ser pensante. Contudo Descartes não exclui a idéia de Deus, mas sim a idéia do homem situado numa posição apenas contemplativa e serviçal:

[...] tendo refletido sobre aquilo que eu duvidava, e que, por consequência, meu ser não era totalmente perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que duvidar, deliberei procurar de onde aprender a pensar em algo mais perfeito do que eu era [...] restava apenas que tivesse sido posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita do que a minha, e que mesmo tivesse em si todas as perfeições de que eu poderia ter alguma idéia, isto é, para explicar-me numa palavra que fosse Deus (DESCARTES, 2010,p. 31).

[...}aquilo mesmo que há pouco tomei como regra, a saber, que as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras, não é certo senão porque Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe em nós nos vem dele” (ibid., p. 32).

A proposta capital de Descartes é encontrar um fundamento que possa garantir o valor de verdade de um saber. Exercendo um ceticismo metodológico, o filósofo passa a duvidar de tudo que se apresenta para ele, põe o mundo todo em questão incluindo a ele mesmo, O poder crítico e o da razão são valorizados com Descartes e é o poder de pensar, de duvidar, que o leva ao Cogito:

[...] é nessa dúvida que Descartes se dá conta de que, sendo possível pôr tudo em dúvida, não pode, entretanto, duvidar da própria dúvida, pois ela se mostra evidente no ato mesmo de duvidar. Sendo a dúvida inegável, ao menos enquanto a formulava, tornava-se necessário que ele, Descartes, existisse. E eis que, no seio de sua interrogação, desvela- se uma certeza: justamente de que duvidava; e para duvidar, era necessário ser. O filósofo encontra seu princípio primeiro, e pode então enunciar seu famoso aforismo: cogito, ergo sum – penso, logo sou. O “sou”, nesse momento, refere-se apenas à substância pensante, res cogitans, com a qual Descartes se identifica – o corpo, a materialidade e o mundo virão mais tarde, quando apelar para Deus como princípio infinito e fiador da verdade (KASZUBOWSKI, 2007, p.16).

Nasce assim o sujeito cartesiano, que é um ser dotado de razão. Descartes apostava na experiência racional do sujeito, sendo ele o sujeito desta sua própria experiência. Dedicou-se na construção de um sistema de pensamento tendo como fundamento o Método, cuja enunciação pode ser sintetizada em quatro regras:

[...] não acolher como verdadeiro o que não conhecesse como tal; dividir as dificuldades em quantas parcelas fossem necessárias para poder resolvê-las; conduzir os pensamentos por ordem de dificuldade, dos mais simples aos mais complexos; e de fazer enumerações tão completas e gerais que pudesse ter a certeza de nada omitir (DESCARTES, 2010,p. 21-25).

Figura 29: Descartes Discours de La Methode. Fonte: Consciência (2011).

A noção de sujeito em Descartes encontra-se entre as noções fundadoras do humanismo e de alguns dos principais valores do mundo ocidental.

Embora possam ser encontradas referências da subjetividade no pensamento antigo e medieval, é com o filósofo francês que a noção de sujeito é constituída sob o amparo de sua filosofia.

É o próprio sujeito pensante que constrói as bases de todo conhecimento possível. Com Descartes emerge o sujeito cognoscente, cuja prerrogativa consiste no uso do intelecto que se impõe como única via de acesso à verdade.

O sujeito cartesiano se apresenta, sobretudo, como um ser dotado de consciência e razão, instrumentos que lhe conferem a capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo. Sua existência é deduzida do fato de ele pensar e constituir as bases de todo conhecimento possível (cogito, ergo sum). A subjetividade consciente realiza-se como atividade do entendimento e confere ao homem a capacidade de conhecer a si mesmo (sob a forma de reflexão) e as coisas que o circundam (mediante a apreensão do mundo exterior). A história do pensamento demonstra, porém, que, aos poucos, a noção de sujeito ampliará seus horizontes de revelação (PEQUENO, 2007, p.188).

Ao afirmar que enquanto penso, ou que sou um sujeito pensante, Descartes apesar de não se referir explicitamente a subjetividade, abre caminho para uma tradição no pensamento moderno que afirmará a existência de um eu consciente, conforme afirmado por Silva (2007, p.23), a idéia de sujeito é compreendida sob o modo do eu penso:

[...] Descartes não chega, até onde se sabe, a falar de sujeito propriamente. O que acontece é que os filósofos discípulos de Descartes introduziram a idéia de ‘consciência’ na disseminação das teses cartesianas, transformando o ‘eu’ cartesiano em ‘eu consciente’ e este último em sujeito-objeto de uma metafísica da alma, uma psicologia racional.

Esta visão de um sujeito pensante permanece ao longo da Modernidade. Entre o pensamento de Descartes e de autores de nossos dias, muitas idéias foram apresentadas sobre o sujeito humano. Muitas delas repudiam o reducionismo da subjetividade à consciência. Ela é por certo, constitutiva da subjetividade humana, mas não apenas ela como afirma, por exemplo, Edgar Morin.

Seu pensamento, denominado de Pensamento Complexo, inclui análises sobre a subjetividade humana, que serão expostas a seguir:

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