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1. Gênese e trajetória das esfera política palestina: uma construção historicamente

1.2. O surgimento do interesse na conformação da esfera política palestina

O interesse no sistema político palestino remonta a esse contexto do Processo de Oslo - nome dado ao primeiro “Processo de Paz”, ou à primeira tentativa, formalmente estruturada, de equacionar o conflito entre palestinos e israelenses. Para que os acordos

firmados ao longo do Processo de Oslo tivessem legitimidade, era necessário que as negociações se dessem entre duas partes oficialmente reconhecidas. A condição primária para isso era, então, a constituição de uma Autoridade Nacional Palestina, já que, até aquele momento, a liderança palestina, a Organização para a Libertação da Palestina, não tinha o reconhecimento de Israel. Assim, em setembro de 1993, dando início oficial ao Processo de

Oslo, houve o estabelecimento da Autoridade Nacional Palestina e o reconhecimento mútuo

desta e do Estado de Israel por seus respetivos representantes.

Em virtude daquele fato e da conseqüente transferência de autonomia para os palestinos sobre algumas partes da Cisjordânia e de Gaza, era natural que se despertasse o interesse pelo regime político que passaria, a partir dali, a modelar e a informar as ações da Autoridade Palestina.

No que tange à nova natureza da OLP, embora ela tenha permanecido ao longo das negociações com Israel como o partido oficial, ela perdera seu papel de principal ator no campo político. A OLP a cada dia foi cedendo lugar à liderança da Autoridade Palestina, que passou a assumir as funções de Estado nos territórios onde à ela foi delegada autonomia. Ou seja, houve uma mudança estrutural na medida em que a partir daquele momento, a autoridade sobre o monopólio legítimo sobre os meios e os fins de luta foi centralizado pela Autoridade Palestina. Apesar de aceitar o pluralismo político, a Autoridade Palestina passou a rejeitar qualquer autoridade dual, considerando-a como uma ameaça à sua legitimidade (HILAL, 2003, p.164).

Algumas das características da democracia política foram sentidas de forma mais direta no ano de 1996 com a primeira eleição geral para a liderança da Autoridade Palestina e para o Conselho Legislativo Palestino. É importante sublinhar que não foram natural e pacificamente aceitas aquelas transformações. A Autoridade Palestina e suas ações, principalmente referentes aos acordos de Oslo, enfrentaram sérias oposições dos grupos

islâmicos (Hamas e Jihad Islâmico, em particular) e dos partidos seculares. Durante as eleições, por exemplo, houve boicote destes grupos de oposição. Todavia, verificou-se um amplo comparecimento popular e isso, na realidade, fortaleceu o maior partido, Fatah, de modo que ele conseguiu obter a maioria dos assentos no Conselho Legislativo e facilitou a vitória de Yasser Arafat para a presidência da Autoridade Palestina com grande maioria.

Todavia, outra transformação no quadro político palestino passou a ser observada no final da década de noventa, por ocasião de mudanças no cenário político, social e estratégico regional, bem como por transformações que o próprio Processo de Oslo havia provocado nas relações entre os protagonistas do conflito. Calcadas no pressuposto de uma adaptação lenta e gradual entre palestinos e israelenses, as negociações de paz almejavam a criação de uma confiança mútua entre as partes. Contudo, à medida que as negociações para um acordo definitivo57 não avançavam, a legitimidade do processo de negociação não se sustentava mais para os dois povos (HERZ, 2001, s.d.).

Imersos num contexto de soberanias sobrepostas os dois povos não aceitavam como realização alcançada o princípio de reconhecimento mútuo (HERZ, 2001, s.d.). Nesta acepção, não se conseguiu construir a confiança que se esperava entre os palestinos e Israel. Ao contrário, o grande atraso na resolução das questões de status final gerou novas expectativas e sublinhou as distintas interpretações e perspectivas do próprio Processo de

Oslo: para palestinos, tratava-se de um primeiro passo para uma transformação radical das

relações entre eles e os israelenses; para os últimos, um contrato legal (HERZ, 2001, s.d.). Obviamente esses problemas afetaram diretamente a legitimidade da Autoridade Palestina. Ademais, várias eram as suspeitas internas e denúncias israelenses sobre problemas

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Em linhas gerais, as negociações foram estruturadas a partir de uma série de princípios gerais juntamente acordados com relação à transferência de autonomia para os palestinos durante cinco anos nas áreas de educação e cultura, saúde, bem-estar social, coleta de impostos e turismo. As então nomeadas “questões de status final” (que compreendiam os problemas em torno dos refugiados palestinos, Jerusalém, da definição das fronteiras, dos assentamentos e da água) foram prorrogadas para o fim do terceiro ano de vigência dos acordos interinos.

como, por exemplo, corrupção, demasiado autoritarismo da liderança da Autoridade Palestina, etc. O colapso definitivo das negociações das questões status final deu-se em Camp David, em julho de 2000 (HILAL, 2003, p.166). Somada a esse colapso e genuinamente causada por ele, a deflagração da segunda Intifada abriu precedentes para as novas mudanças no rumo político palestino.

Embora fortemente reprimidos pelas forças militares israelenses, os grupos de resistência armada da Intifada conseguiram a adesão de todos os grupos políticos ativos de Gaza e da Cisjordânia. O caráter de movimento de libertação foi “reinstalado” na OLP. Houve uma flexibilização da Autoridade Palestina no que concerne ao monopólio sobre os meios de luta, o que levou a um aumento na resistência armada contra alvos israelenses. Ou seja, estava claro que novas mudanças haviam se operado na balança de poder política interna: o partido

Fatah, que durante muitos anos dominara a arena política palestina, passou, então, a

“disputar” a composição do campo político com os partidos islâmicos que, como vimos, haviam ganhado um pouco mais de popularidade.

Essa incorporação dos grupos islâmicos na dimensão política não fora conseqüência de mudanças internas nas estruturas dos partidos concorrentes. Nem tampouco foram o resultado de mudanças na cultura política palestina. Ou seja, não foram as idéias políticas liberais ou islâmicas que mobilizaram a população em direção a um ou a outro partido. Ademais das questões regionais e internacionais (deterioração das condições de vida e de trabalho nos territórios árabes para os palestinos, restrições severas de entrada de mão-de-obra palestina em Israel, perda sucessiva de recursos pela Autoridade Palestina vindos dos países do Golfo), as implicações políticas, ideológicas e organizacionais dos acordos de Oslo sentidas na sociedade palestina ao longo do Processo de Oslo foram minando a legitimidade da Autoridade Palestina e, portanto, do seu partido secular de esquerda, dando oportunidade aos demais partidos de angariar adeptos.

Paralelamente a esses acontecimentos, a Autoridade Palestina começou a sentir uma forte e crescente pressão por parte de Israel e dos Estados Unidos. Ambos os países passaram a dirigir sérias críticas e acusações à Yasser Arafat, inclusive responsabilizando-o pelo fracasso de Oslo e das negociações para a paz, além de acusá-lo de envolvimento estreito com os grupos extremistas islâmicos.

Este contexto foi crucial para a formulação da “tese” originalmente norte-americana a respeito do papel da democracia na constituição do Estado Palestino e na resolução do conflito entre israelenses e palestinos. E, como veremos, a elaboração desta “tese” está também relacionada aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e constitui uma das implicações desses atentados para a conformação da política externa norte- americana para a região do Oriente Médio.

2. O Discurso do Presidente norte-americano George W. Bush sobre as reformas