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O Terceiro Setor no Brasil

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO SETOR

2.4.1 O Terceiro Setor no Brasil

No Brasil, a conformação do terceiro setor, segmento ONG, como foi mencionado, se deu a partir da influência de lógicas importadas de agências de cooperação internacional – predominantemente européias e canadenses, quase todas atreladas a ordens religiosas –

que, independente dos governos de seus respectivos países, passaram a assumir, no pós- guerra, o papel de guardiãs dos direitos humanos, e encontraram na América Latina o campo ideal para ampliar e consolidar suas influências.

Essas lógicas traziam, além de valores religiosos, fortes componentes éticos, os quais predominavam os sentimentos de solidariedade e respeito ao ser humano, segundo as noções e princípios aceitos pelas gerações da segunda metade do século XX.

Em um contexto de denúncias aos desrespeitos praticados pela revolução de 1964 em relação aos direitos humanos, surgiu a necessidade de se organizar e formar pessoas e grupos para o enfrentamento de condições adversas locais e regionais.

No entanto, naquele período, havia pouco espaço para a institucionalização de modelos organizacionais administrativos e gerenciais. Eram as condições políticas que determinavam as possibilidades e os métodos de intervenção e estabeleciam os parâmetros para a formação de uma cultura organizacional e institucional ímpares.

Registra-se que, em maior ou menor proporção, essa prática ainda perdura. As ONGs filiadas à Associação Brasileira de Organização Não-Governamentais (ABONG), por exemplo, reproduzem, ainda hoje, o espírito predominante naquela época. Em seus estatutos, assumem valores marcadamente políticos, como se pode perceber pelos seguintes critérios de admissão dos seus associados: compromisso da ONG com a construção de uma sociedade democrática e compromisso da ONG com o fortalecimento dos movimentos sociais. Nesse sentido, não é possível analisá-las sob qualquer aspecto sem fazer incursões no seu passado e percebê-las, por um lado, no contexto de uma sociedade enfraquecida pelos ciclos de autoritarismo e, por outro, examinando o que viabilizou as relações com agentes patrocinadores internacionais, para, então, compreender suas incertezas e contradições presentes, nas quais se destacam as fragilidades organizacionais e gerenciais.

As mudanças paradigmáticas, porém, são mais amplas e trazem novas exigências e posturas nas relações com as agências de cooperação internacional, com as instituições governamentais nas três instâncias, com o mundo empresarial e com a sociedade em geral. Começam a surgir preocupações com termos e conceitos até então desconhecidos ou não priorizados pelos dirigentes dessas organizações: eficiência administrativa, eficácia dos resultados, custo/benefício, estudo de impactos, cálculos de viabilidade financeira, mudanças de marco legal, só para citar alguns, que passaram a incorporar o dia-a-dia dessas organizações.

Apesar da grande variedade de modelos, mecanismos e abordagens disponíveis, sabe-se que eles não foram criados para organizações com a lógica de atuação do terceiro setor. Drucker (1994, p. 1) alerta para esse fato:

Somente uma pequena parcela daquilo que está à disposição das instituições sem fins lucrativos, para ajudá-las em questões de liderança e gerência, foi concebida especificamente para elas [...]. Pouca atenção é dada às características distintas das instituições sem fins lucrativos, ou às suas necessidades específicas: à sua missão que tanto as distingue das empresas e do governo; ao que vêm a ser ‘resultados’ no trabalho sem fins lucrativos; às estratégias necessárias à comercialização dos seus serviços e à obtenção do dinheiro necessário para a execução da sua tarefa; ou ao desafio da introdução de inovações e mudanças em instituições que dependem de voluntários e, portanto, não podem exigir.

Os contextos nacional e internacional provocaram reações diversas nas organizações. Poucas contam com quadro de pessoal profissional contratado e remunerado de acordo com a legislação em vigor, sendo o trabalho prestado por voluntários, de forma eventual, diferentemente do modelo estadunidense.

A dificuldade maior talvez esteja na formação do quadro de pessoal das ONGs, pelo menos naquelas de primeira geração, nas quais não se identificam pessoas com

vocação e preparo para fazer o elo entre as competentes visões possíveis de futuro e a correspondente dinâmica organizacional, resguardadas as peculiaridades do segmento.

Outra mudança, tipicamente reativa, diz respeito às agências de cooperação internacional que alteraram seus quadros de pessoal e abandonaram a prioridade do perfil militante em favor do perfil profissional especializado, o que foi prontamente assumido pelas ONGs brasileiras.

Essa preocupação, porém, atingiu, primeiramente, as áreas-fim, e só recentemente, e mesmo assim em proporções diferenciadas nas ONGs, é que as áreas de apoio passaram a fazer parte da pauta de discussões permanentes. Isso se deve, em parte, à pulverização dos recursos internacionais, ante o crescimento acelerado de organizações sem fins lucrativos, no Brasil, nas décadas de 1980 e 1990 (NEDER, 1995).

Nesse contexto, tornou-se prioritária a discussão da sobrevivência dessas organizações, o que alertou para a necessidade de reverem-se as relações com agências governamentais, com organizações do setor privado e com a própria sociedade civil.

Assim, a visibilidade maior das instituições do terceiro setor trouxe consigo nova ênfase às mesmas perguntas válidas desde sempre: a que servem essas organizações? a quem servem? como servem? quanto servem?.

As respostas a estes questionamentos remetem à essência das organizações desse setor emergente, que não deve e não pode ser esquecida na definição e eleição de modelos e mecanismos gerenciais, administrativos e organizacionais. Mais que isso, as organizações têm consciência de que se faz necessário, ainda, estabelecer canais de participação e articulação entre os que sofrem os problemas e os que podem resolvê-los, de modo a viabilizar a efetivação de melhorias. Essa questão tem sido colocada em discussão também pelos organismos de cooperação internacional.

Percebe-se uma grande confusão com relação ao papel desempenhado pelas organizações do terceiro setor na formulação, execução, fiscalização e no controle das políticas públicas de desenvolvimento social, quer sejam de iniciativa governamental ou de organizações da sociedade civil, quer realizadas autonomamente ou em parceria com governos e empresas (DRUCKER, 1994).

Essa confusão pode ser resultado da dificuldade em se caracterizar e qualificar os inúmeros subconjuntos conformadores do terceiro setor, o que está associado a outra questão mais complexa, a discussão do fim público das organizações do terceiro setor e do próprio Estado.

Por sua vez o governo assegura a obediência às leis e aloca recursos, o setor de negócios fornece empregos e incentiva o desenvolvimento econômico e o setor social aborda necessidades sociais. Todos os três setores devem fazer sua parte para criar e recriar comunidades saudáveis e socialmente funcionais no século XXI. Para tanto, precisam pôr em campo instituições fortes e sólidas, conduzidas por líderes competentes e responsáveis. Contudo, é o setor social o que mais precisa de reparos, visto que ele oferece uma oportunidade de ouro para inovações e mudanças no campo da cidadania a partir das comunidades, como famílias, associações de bairros, igrejas, sinagogas e escolas – instituições que tornam possível o menor uso do Estado, porque a comunidade mesma pode fazer mais. Visto deste ângulo, o setor social está, hoje, onde está a ação (DRUCKER, 1994).

Ante esse contexto, pode-se admitir que as organizações do terceiro setor brasileiro não são e nem serão instituições iguais às organizações de tipologia assemelhada geradas em outras sociedades, com histórias, valores e expectativas diferentes, porque não querem ser e nem saberiam sê-lo.

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