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4. Trabalho Carcerário na Penitenciária Feminina da Capital

4.1 O Trabalho Carcerário

O trabalho carcerário na Penitenciária Feminina da Capital possui uma grande importância para o cotidiano prisional. É uma espécie de ponto de interesse coletivo que envolve toda a prisão: presas, funcionárias e empresas. Dessa forma, todos se beneficiam do trabalho em vários aspectos, seja o jurídico, o institucional ou o financeiro. O trabalho assume assim um dos papéis mais importantes no ambiente prisional, tornando-se um catalisador dos problemas internos.

Esse aspecto condensador de crises, implícito no trabalho carcerário, revela também um outro, o trabalho como fachada social, segundo Goffman (1975). Sendo o trabalho uma “representação coletiva”, na qual todos os componentes prisionais se tornam funcionais, beneficiados e participantes, ele também é aproveitado para reforçar positivamente a instituição.

Práticas diferentes podem empregar a mesma fachada, deve-se observar que uma determinada fachada social tende a se tornar institucionalizada em termos das expectativas estereotipadas abstratas às quais dá lugar e tende a receber um sentido e uma estabilidade à parte das tarefas específicas que no momento são realizadas em seu nome. A fachada torna-se ‘representação coletiva’ e um fato, por direito próprio (GOFFMAN, 1975: 34).

O trabalho carcerário na Penitenciária Feminina da Capital é resultado de um interesse coletivo, que faz com que cada um dos grupos assuma o papel esperado para o bom desenvolvimento das oficinas. Assim, cada grupo faz a representação que lhe convêm, dando um significado prático a sua atividade.

As presas procuram trabalhar bem, alcançando a meta de produtividade, evitando faltas e problemas de comportamento, para garantirem seus empregos e, conseqüentemente, seus salários, kits de higiene, benefícios jurídicos, tempo ocupado, etc.

Para as funcionárias, guardas e diretoras, o trabalho carcerário representa, sobretudo, uma segurança maior ao instável cotidiano prisional. Assim, funcionárias mantêm a disciplina necessária para a dinâmica do trabalho e diretoras buscam novos empresários para manter o maior número de presas trabalhando. Haja vista que com isso a paz interna será também mantida e o

“barril de pólvora” será conservado intacto.

Completando o jogo de interesses que torna a Penitenciária mais

“calma”, estão os empresários. O trabalho para as empresas contratantes

representa um bom investimento financeiro, sendo altamente compensador para a empresa possuir uma oficina dentro da prisão pelas condições econômicas que lhe são oferecidas.

Com a incorporação do trabalho pelas presas, funcionárias e empresas, ele funciona não apenas como um componente da prisão, mas como um dos principais mecanismos prisionais. Segundo a maioria dos depoimentos de guardas e diretoras, o trabalho carcerário tem o importante papel de manter o bom funcionamento da prisão. O trabalho funcionaria como um dos pilares mais fundamentais, envolvendo toda a prisão em uma grande rede de interesses. Essa constatação não se aplica apenas a Penitenciária Feminina da Capital, o trabalho carcerário e sua especificidade encontra em todas as prisões onde é utilizado. Hassen (1999:231) também verificou a supervalorização do trabalho carcerário no

ambiente prisional, averiguando que estudá-lo seria uma das melhores formas para conhecer a prisão.

A rede de interesses, que gira ao redor do trabalho carcerário por todos os componentes da prisão, torna então possível a dinâmica prisional ser percebida em seus detalhes. Essa complexa dinâmica se aproxima daquilo que Alvim (1991) chamou de “espelho dissimulado da sociedade”, ou seja, a prisão reproduz dentro de seus muros uma proximidade com aquilo que se encontra fora dela. Todavia essa proximidade é marcada pela distorção, constituindo-se a prisão em uma cópia mal feita da sociedade. O trabalho é, claramente, uma forma de se pensar na deformidade típica das instituições fechadas, como a prisão.

Nesse sentido o trabalho carcerário na Penitenciária Feminina da Capital possui para cada componente prisional um significado de representação, acentuando e maximizando os problemas encontrados na sociedade. Assim, para a maioria das presas, por exemplo, o trabalho é superestimado e valorizado, pois é por meio dele que as relações sociais entre elas se concebem. É nas oficinas que as presas escapam momentaneamente da realidade. Isso ocorre devido à relação que elas estabelecem com a mestra, funcionária da empresa, que assume o papel de encarregada e costumam pensar a oficina como uma extensão da “firma”. Nesse aspecto, não há uma distorção significativa daquilo que ocorre exteriormente na sociedade. Mas de qualquer forma é possível se notar a supervalorização do trabalho pelas presas, pois além do contato humano externo que possuem dentro da oficina, a ambientação também suscita um desprendimento da condição de presa, que dentro da oficina encontra-se na condição de funcionária.

O trabalho para a presa é superestimado também porque é uma forma de resgate da cidadania perdida, perdê-lo não traz apenas conseqüências econômicas e jurídicas, mas também de âmbito pessoal. Segundo Ramalho (1983), o trabalho em conjunto com a família, é primordial para uma real ressocialização do indivíduo preso.

Ao procurar afastar-se deste mundo (mundo do crime), negado pela sociedade, o preso se refere à ligação com o trabalho e a família. Assim se defronta com a ideologia da sociedade tentando exatamente afirmar para si aquilo que a sociedade lhe nega. Trabalho e família são indicadores de ‘recuperação’. Ele afirma sua ligação com esses dois valores embora consciente da dificuldade que a sociedade impõe ao ex-preso (RAMALHO, 1983: 90).

No que tange o corpo administrativo, o trabalho carcerário também assume papéis distorcidos quando comparado com aquilo que se encontra na sociedade e com a proposta de ressocialização legal. Na Penitenciária Feminina da Capital, o trabalho carcerário representa para funcionárias e guardas um aparelho disciplinador surpreendente, capaz de controlar os ânimos da população prisional. Segundo uma guarda que trabalha dentro de uma oficina, o trabalho colabora muito nesse sentido e, conseqüentemente, contribui para que o trabalho do corpo administrativo seja mais ‘fácil’: “O trabalho das oficinas nos deixa com menos

trabalho”.

Mais que qualquer sentido profissionalizante, o trabalho na prisão traz à tona a disciplina como elemento intrínseco a ele. Conjuntamente com o aspecto disciplinar está o econômico, no qual a Penitenciária se apóia para contornar os parcos recursos governamentais destinados a ela, bem como a todo

Sistema prisional35. Segundo Salla (1991), esses dois atributos são aqueles que fundam a necessidade do trabalho dentro do contexto carcerário.

Antes, e acima de tudo, é a forma pela qual se impõe ao indivíduo condenado a regularidade dos gestos, dos movimentos; é por meio dele que se controla a distribuição dos indivíduos pelo espaço prisional, que se evita a agitação, o ócio que se pode fomentar a rebeldia, a união entre presos. A esse sentido puramente disciplinar, o trabalho pode vir acrescido de uma finalidade econômica, tanto para a produção de bens e serviços – capaz, por exemplo, de gerar recursos para a amortização dos custos do encarceramento – como para a interferência nas condições de oferta e procura de força de trabalho e, portanto, de patamares salariais no mercado de trabalho (SALLA, 1991: 151).

Com o alcance disciplinador que o trabalho carcerário possui, no qual “assume legitimidade a imposição de regras e valores da sociedade sobre o indivíduo condenado” (SALLA, 1991: 157), ele também atinge outros objetivos no que diz respeito à disciplina. Como exemplo é a forma coercitiva que o trabalho é apresentado às presas pelo corpo administrativo. Assim, o trabalho carcerário funciona como uma “mecânica de controle dos desejos” (SALLA, 1991: 158), que sempre quando necessária é utilizada no sentido de coibir ações não aceitas pela direção da Penitenciária. Nas palavras de uma outra guarda que trabalha com as presas no ‘Apoio’, “o melhor castigo é quando se mexe no bolso

da presa ou quando se dá suspensão do trabalho... elas ficam quietinhas”. Assim,

pode se entender que o trabalho dentro de instituições penais atende também um outro aspecto, o da punição.