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1 REFORMA DEMOCRÁTICA E REFORMA NEOLIBERAL DE 995

2.1 O trabalho como categoria central na vida humana

O ser humano é por natureza um trabalhador. A condição objetiva da existência humana é o trabalho, não só o simples esforço, mas também aquele que se traduz na produção. A atividade humana é a base de construção da vida social, pois, a forma como ela é explorada no processo produtivo determina o contorno do desenvolvimento social.

As comunidades humanas constroem-se desde os tempos primitivos, pela relação entre a espécie humana e os recursos naturais que ela possui para sobreviver. A natureza é o “objeto geral de trabalho humano” (MARX, 1983, p. 150), ou seja, é onde os sujeitos vão encontrar seus meios de subsistência e construir sua evolução. O mundo material é uma realidade objetiva que existe independentemente da vontade do ser humano que a ele se apresenta para ser dominado, e ao longo deste processo, junto com ele, se transforma (BATISTA, 2003).

Toda transformação do ambiente em favor da reprodução constitui trabalho humano. Nesse processo, o ser humano “põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua vida” (MARX, 1983, p. 145), modifica a natureza e também a si mesmo, pois desenvolve potencialidades em seu corpo e mente, em seu objeto de ação e em suas relações sociais.

Conseqüentemente, não é possível à humanidade evitar o desenvolvimento dos seus modos e meios de produção, pois é parte inerente de sua natureza a busca do novo e do aperfeiçoamento. Qualquer que seja a sociedade, tudo que nela acontece e a maneira como acontece tem relação umbilical com a evolução do esforço do ser humano, pois ele é “condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais” (MARX, 1983, p. 153).

2.1.1 Especificidade do trabalho humano

Logicamente, não é só a espécie humana que faz a história, mas a sua atividade, em virtude de suas características ímpares, é fundamental nesse processo. A primeira, entre outras, consiste no fato de que somente o ser humano consegue conceber o fruto de seu esforço antes mesmo de fazê- lo e, posteriormente, realizá-lo exatamente como idealizado. Nesse processo, ele constrói meios e relações de produção que o levam a certos objetivos, tornando o avanço das forças produtivas um fato concreto, pois o ser humano “não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade” (MARX, 1983, p. 150).

A segunda característica significativa refere-se ao fato de que o processo de trabalho é capaz de transformar a matéria-prima (vinda em forma bruta da natureza) em meio de trabalho, na medida em que as forças naturais são “lambidas pelo fogo do trabalho, apropriadas por ele como seus corpos” (MARX, 1983, p. 153). Nada permanece como antes após passar pela transformação da ação humana.

Além de pensar produtos novos, soma-se uma terceira característica: o ser humano agrega valor ao que produz. Ele impõe a esta forma bruta natural características qualitativamente diferentes, que se apresentam em duas formas de valor: uma que se efetiva como resultado natural do processo produtivo e outra que se materializa socialmente. Para melhor explicar, diz Marx (1983, p. 53):

Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor das mercadorias. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho concreto útil produz valores de uso.

(O grifo não é do original)

O trabalho concreto consiste no labor simples realizado pelos sujeitos para a efetivação de qualquer atividade. Ele produz valor de uso como, por exemplo, quando se faz um sanduíche em casa, o seu valor de uso é o consumo alimentar. No fim do processo de trabalho, toda matéria natural apresenta valor de uso e este se constitui de duas partes: uma agregada pela própria natureza, que fornece a matéria-prima, e outra pelo dispêndio de força humana transformadora. “Portanto, o trabalho não é única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material. Dela o trabalho é o pai, como diz William Petty, e a terra, a mãe” (PETTY, 1667, p. 47, apud MARX, 1983, p. 51). A atividade humana transforma irreversivelmente algo natural em um produto útil. O valor de uso é uma medida qualitativa, individualizada em cada objeto realizado.

O trabalho abstrato não se apresenta explicitamente no fim do processo de trabalho, nem o valor por ele criado: o valor de troca. Embora presentes, eles só se materializam ou se efetivam como resultado das relações sociais de produção. Nos modos de produção baseados na troca, torna-se inviável o câmbio de produtos diferenciados em “espécie, família, subespécie, variedade” (MARX, 1983, p. 50). Para que a venda se realize, é preciso que os vários valores de uso convertam-se em mercadorias, processo que consiste na homogeneização de produtos diferenciados, numa medida socialmente aceita.

A mercadoria cadeira, por exemplo, é a conversão do valor de uso da cadeira em horas de trabalho necessárias à sua produção, portanto, a cadeira não perde seu valor de uso e sua confecção se realiza pelo trabalho concreto, mas, na forma de mercadoria (valor de troca), transforma esta ação específica em algo geral e abstrato. O trabalho abstrato consiste na generalização do trabalho individualizado na construção de valor de troca, como diz Marx (1982, p. 32):

Diversos valores de usos são, além disso, produtos da atividade de indivíduos distintos, portanto resultado de trabalhos individualmente diferentes. Mas, como valores de troca, apresentam trabalho igual, sem diferenças, isto é, trabalho em que a individualidade dos trabalhadores se extinguiu. Trabalho que põe valor de troca é, por isso, trabalho abstratamente geral.

Logo, o trabalho humano é ao mesmo tempo concreto e abstrato. Como concreto produz, imediata e naturalmente, valores de uso, visíveis ao final do processo produtivo em qualquer

sociedade. Todavia, o valor de troca também está presente, embora só se realize quando a comunidade exige que se converta em mercadoria. Nesse momento, é preciso que as individualidades do produto se dissolvam de maneira geral e o esforço do indivíduo único se converta em trabalho abstratamente geral.

Em face do exposto, vê-se por que a atividade humana é fundadora da vida social e por meio dela a evolução se realiza. É uma atividade idealizada antes mesmo da execução, que transforma a realidade objetiva de forma irreversível e agrega valor aos objetos produzidos, conforme as relações sociais necessárias. Como faculdade humana multifacetada, é por meio da sua opressão que os modos de produção vêm, historicamente, construindo a sua evolução.