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E 5 Instituto de Ação Social do Paraná

1 A TOTALIDADE COMO CATEGORIA CENTRAL NA APROPRIAÇÃO DA REALIDADE

1.2 O LEGADO MARXIANO PARA A RE-CONSTRUÇÃO DO REAL

1.2.1 O trabalho como matriz fundante do ser social

Em momentos anteriores deste estudo buscou-se indicar a compreensão marxiana para a qual o homem é único demiurgo de sua história; e nessa não há um fim pré-estabelecido por forças divinas ou da “natureza humana”.

Pois bem, agora se traz a compreensão marxiana acerca de como e a partir de quê os homens fazem, ainda que não conscientes, sua história e constroem relações sociais.

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De fato, um traço evidente na teoria marxiana é justamente a importância em romper com as concepções ontológicas anteriores e fundar uma nova concepção ontológica do mundo dos homens16, que identifica na atividade do trabalho a gênese para a sociabilidade humana.

A relevância em se aproximar dessa discussão se mostra pertinente, especialmente quando se considera que adquirir consciência crítica do mundo é criticamente coerente com adquirir consciência da historicidade humana, demonstrando ao homem sua verdade face. Isso deve ocorrer de forma radical, sendo que para Marx, ser radical é atacar o problema em suas raízes. (Marx, 1991, p. 117). Para ele, a raiz é o próprio homem.

A teoria marxiana traz em seu conjunto o entendimento de que toda existência objetiva se forma no processo de desenvolvimento histórico. Assim sendo, o homem apenas se tornara homem ao ter realizado um salto que o possibilitou se distanciar das formas simples de ser. Em condições favoráveis, pôde se desenvolver enquanto um ser distinto da natureza e mais complexo entre os seres. (LUKÁCS, 1997).

Com esse entendimento, os homens constroem a história e, dessa construção, sua essência. Isso foi e é possível mediante constante intervenção na natureza para a satisfação de necessidades materiais. É o momento em que o homem forma conhecimento sobre a natureza e sobre si mesmo, cria e recria necessidades, produz e reproduz idéias. Daí que “[...] Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.” (MARX, 1978, p.130).

Essa construção e desenvolvimento do ser social ocorrem pelo trabalho. Este, na concepção marxiana, é a primeira condição fundamental de toda a vida e gênese para a criação do próprio homem. Trata-se de um momento efetivo e elementar da vida cotidiana, onde participam o homem e a natureza. É o processo em que o ser humano, escreve Marx (1980, p. 202):

[...] com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercambio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços, pernas e mãos a fim de apropriar-se dos recursos

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A ontologia é uma dimensão teórico-metodológica; um ramo da filosofia que estuda a existência do ser, isto é o homem. Deriva da palavra grega “Onto” que significa “ser”. Para a dialética materialista esse estudo deve ser buscado na materialidade.

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da natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana. Atuando assim sôbre [sic] a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (Marx, 1980, p. 202)

Na forma como se dá a produção da vida material para a satisfação das necessidades humanas, Marx identifica como elementos materiais irredutíveis em todo o processo de trabalho – independentemente do momento histórico em que se realiza – o trabalho, o objeto de trabalho e os instrumentos de trabalho.

O trabalho, segundo ele, é a própria utilização da força de trabalho, e constitui-se enquanto elemento central, já que apenas ele é capaz de impulsionar,

regular e transformar um objeto de trabalho, criando valor.

O objeto de trabalho é o elemento sobre o qual se aplica o trabalho, podendo ser 1. matéria bruta, ou seja “[...] todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata [...]” (MARX, 1980, p. 203), ou 2. matéria-prima, isto é, o material que já sofreu modificações efetuado pelo trabalho.

Os instrumentos de trabalho são os meios pelos quais os homens exercem sua ação sobre o objeto. Ao conjunto formado pelo objeto de trabalho (matéria-prima ou bruta) e pelos instrumentos de trabalho (também chamado meios de trabalho) chamam-se meios de produção. Esses, somados à força de trabalho, constituem as

forças produtivas existentes num determinado modo de produção.

São, portanto, as forças produtivas, segundo Marx, que refletem em si o grau de desenvolvimento cientifico e tecnológico dos diferentes períodos históricos da humanidade. A partir dela se contraem relações determinadas, necessárias que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento produtivo.

Sendo assim, o trabalho é um momento efetivo de colocação de finalidades e experiência elementar da vida cotidiana, realizado quando, a partir da necessidade de satisfação de carências, o homem coloca em movimento finalidades (teleologias), pré-idealizando seu produto final. (LUKÁCS, 1997).

A partir do espaço conferido entre trabalho e teleologia, Lukács (1997, p.18) sinaliza na obra marxiana o princípio da contradição existente entre ambas dizendo que, dada à impossibilidade de se dominar o amplo conjunto de conexões das leis do objeto, o objeto final não coincidirá totalmente com a teleologia. Dessa maneira, toda e qualquer teleologia tendem a não se manterem estáticas, fazendo com que ocorram mudanças do próprio ser em termos de aperfeiçoamento das suas

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capacidade ideais para dominar o maior número de acertos, se aproximando o mais possível à pré-idealização.

Todo esse processo mútuo, concomitante e contínuo de atos que transformam a realidade e de atos que indiretamente estão envolvidos nessa atividade de transformação constitui-se a práxis humana – atividade prática consciente enquanto imbricação entre teoria e prática.

Portanto, a partir da práxis - categoria da teoria dialética da sociedade - (KOSIK, 1976, p. 219), a história humana se desvenda oposto da realidade como produto transcendental, permitindo revelar o homem como ser auto-criativo capaz de operar modificações em seu cenário social, político e econômico.

Assim, o trabalho é a primeira forma de práxis. Constitui-se, em seu sentido ontológico, a forma básica sobre a qual se tornara possível o desenvolvimento de outras práxis, visto ser essa o conjunto das atividades humanas conscientes, através das quais os homens realizam-se enquanto seres humano-genéricos.

Frente às sinalizações marxianas ora demarcadas, não causa nenhum receio acompanhar no raciocínio de que é apenas no século XIX, a partir das obras de juventude de Marx, demonstrada a tese do reconhecimento pleno da história dos homens enquanto resultado exclusivo dos atos dos indivíduos organizados em sociedade.

A sociabilidade humana se constitui e é constituída no movimento da atividade prático-social posta em movimento pelo trabalho, sendo o momento de transformação da natureza e do próprio homem, entendendo que nada existe na história humana que não seja resultado deste processo.

Essa reflexão não é apenas uma questão de escolha. Trata-se, antes de tudo, de uma forma de pontuar o caráter processual da história e das relações dos homens, sendo esse, portanto, um momento necessário na tarefa de exposição da forma peculiar pela qual na produção capitalista o trabalho humano assume.

Com as observações que se seguem, acredita-se oferecer argumentos para uma interpretação crítica dos antagonismos sociais da sociedade capitalista, sendo essa a totalidade nas quais situações particulares de exploração do trabalho se realizam, e os antagonismos existentes entre capital e trabalho se dimensionam.

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1.2.2 Exploração, alienação e reificação do trabalho pelo capital: bases da