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3. A NORMATIVA NACIONAL: A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DA LEI N° 11.645/

3.4 O TRABALHO DE TRADUÇÃO DAS LEIS Nº 10.639/03 E Nº 11.645/08

Santos (2010) afirma que o trabalho de tradução é complemento dos procedimentos teórico-metodológicos da sociologia das ausências e da sociologia das emergências. Traduzir corresponde a dar coerência, articulação ao mundo de múltiplas diversidades. Dentro dessa perspectiva, a intenção deste tópico é de se debruçar no processo de construção, discussão e elaboração das Leis n° 10.639/03 e 11.645/08, não buscando uma construção de uma teoria geral, repleto de verdade(s), mas dentro de um consenso transcultural.

Mais importante que observar ou interpretar é reinterpretar, tirando o conceito da verdade absoluta e pôr em prática as experiências de pesquisa. A Lei n° 10.639/03 que inseriu nos currículos do ensino básico o estudo da história e cultura afro-brasileira, no ano de 2003, e sofreu, em 2008, uma modificação, acrescentando os estudos da cultura e história indígena.

Ler e descrever o conteúdo dessas leis não é suficiente para entendê-las. É preciso um trabalho de interpretação, detalhamento e reinterpretação, para que, assim, possam ser importantes instrumentos para análises e críticas. Aqui buscamos apresentar alguns conceitos fundamentais que fizeram parte do processo de construção da Lei 11.645/08.

O processo de reconhecimento da cultura afro-brasileira e indígena na sociedade e por consequência na educação no Brasil é fruto de um processo de lutas por dignidades humanas e instrumentalização dos direitos legais pela possibilidade da educação, é assim, um processo de longa duração. A luta por tal reconhecimento foi evidenciada, fortemente, na década de 1970, principalmente, no fim da referida década, com o retorno de diversos líderes e intelectuais de educação que tiveram que sair do país no auge do período ditatorial (regime militar 1964- 1984).

Foi com estas pessoas e seus respectivos movimentos que aconteceu a construção da maioria das propostas afirmativas. Durante o início desse movimento étnico-racial, o movimento negro se destaca em relação ao movimento indígena, justamente para os negros que após a Constituição de 1988, que passou a

considerar as diferentes culturas que formam a sociedade brasileira, o maior número de políticas afirmativas foram desenvolvidas.

Dentro dessas políticas educacionais, a de maior destaque é, sem dúvida, a Lei 10.639/2003, que representou um marco nas discussões de currículo e diversidade cultural e cidadania no Brasil. A referida Lei obrigava a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira nos currículos do ensino básico, principalmente, nas disciplinas, Educação Artística, História e Literatura.

Essa maior emergência do movimento negro com relação aos indígenas é evidenciada com a diferença de cinco anos para inclusão do indígena no artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Apenas, no ano de 2008, a Lei 10.639/03 é modificada e entra em vigor, em seu lugar, a Lei 11.645/08, que insere a Cultura e História dos povos indígenas de maneira obrigatória nos currículos de educação básica. No entanto, essa diferença de tempo entre uma lei e outra, reflete na quantidade de ações e materiais produzidos nos dias atuais para essas duas populações.

Em 2004, através da Resolução CNE/CP (Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno) n°1/2004, o Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais principalmente para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Esse documento relaciona os direitos e obrigações das diversas esferas do Estado para o cumprimento da Lei 10.639/03. Com a inclusão das questões indígenas, em 2008, todo o trabalho relacionado às questões afro-brasileiras foram sincronizadas com as ações afirmativas dos indígenas, dentro da educação.

Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,

passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 26-A”. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá

diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e

dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira.” (NR). (BRASIL. 2008)

Fica claro que a Lei 11.645/08 que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História da África e indígena em sala de aula no ensino básico tem sua importância, principalmente, no que diz respeito ao debate da diversidade cultural nas escolas. Não se considera as referidas leis como simples instrumentos de orientação, mas, sim, de políticas afirmativas que contribuem para uma formação de uma cidadania e cultura, onde todos possam se reconhecer nos objetos estudados em sala, durante a vida escolar. Porém, por si só, a Lei não resolve os problemas estruturais da educação brasileira, pois é feita sem critérios de aplicação prática, a História das culturas excluídas dos livros durante toda trajetória de ensino brasileiro, entrara, apenas, como apêndice, mais um retalho dentro do engessado currículo de História escolar.

Um dos problemas que podemos encontrar é que seguindo o que diz a Lei, que é fria e objetiva, no primeiro parágrafo do artigo 26 que diz ‘’a cultura negra e

indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil’’. Nossos currículos continuam a ser construídos a partir do

eurocentrismo, ou seja, a cultura europeia como centro de nosso conhecimento cultural e científico. Nosso ensino é realizado dentro de uma linearidade histórica, construído por um paradigma de desenvolvimento social, em que nem todas as culturas e estruturas sociais se encaixam, quebrar com esse tipo de estrutura curricular seria um avanço nas questões dos estudos acadêmicos em História, Literatura e Artes.

No entanto, diferente da lei, que, apenas, leva em consideração a contribuição da cultura indígena e afro-brasileira durante a formação de nossa sociedade, deveríamos passar a estudar estas culturas a partir delas próprias, suas especificidades e de forma não linear, construindo uma teia de experiências dentro do ambiente educacional.

Assim, não me resta a alternativa a não ser sustentar a tese de que, excetuando-se os estudos sobre a escravidão, a África e o

africanismo são minimamente considerados por nossa tradição historiográfica, tanto a acadêmica quanto a didática. Não obstante, as condições jurídicas e um currículo renovado podem ser os esteios para a superação dessa questão visceral (FLORES, 2006, p.73).

Assim, não podemos negar o avanço, principalmente, durante a primeira década do século XXI nos debates étnico-raciais. O Ministério da Educação define bem o caminho desses estudos ao tratar da questão do reconhecimento. Este trecho das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana define bem a intenção de nosso texto e nos mostra qual entendimento do Estado para com a democracia, cidadania dos diversos grupos que compõem nossa sociedade.

Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; (BRASIL, 2004, pp.11-12).

O reconhecimento dessa desigualdade vem fazendo com que o Estado Brasileiro, através do Ministério da Educação, adotasse um conjunto de medidas buscando corrigir injustiças históricas, para promover a inclusão social e propiciar cidadania para todos, por meio do desenvolvimento econômico desde os anos 90, o equilíbrio entre ações sociais e fortalecimento econômico transformaram as Políticas Educacionais no Brasil, através da sociedade civil organizada, do poder público e das parcerias com o setor privado. Apesar das dificuldades, é inegável a evolução educacional, principalmente, entre os grupos historicamente excluídos.

É importante observar que, oficialmente, considera-se escola indígena como uma forma de escola diferenciada, junto com a escola do campo, quilombolas e de populações itinerantes como, por exemplo, os ciganos, garantindo um caráter

especial, que respeite a identidade cultural em que cada comunidade se autodetermina.

Essa diferenciação adéqua o novo PNE às necessidades específicas dos povos indígenas. Em 2011, a FUNAI, Fundação Nacional do Índio, publicou um relatório independente que analisa o PNE 2001-2011 no que diz respeito às questões indígenas. Neste relatório, é apontada à emergência dessa diferenciação para garantir efetivamente no modelo de educação intercultural e bilíngue, como sua regularização junto aos sistemas de ensino.

Nos últimos anos, e, também parte do Plano Nacional de Educação 2014- 2024, está a formação de profissionais de educação para atuar com essas populações específicas. Uma dessas políticas busca garantir que esses educadores sejam indivíduos das próprias comunidades. Para tanto, os entes federativos devem garantir mecanismos de formação nas diversas áreas de interesse das populações, além da responsabilidade em oferecer formação continuada para esses profissionais.

Dentro desta primeira década do século XXI, que representou a solidificação e efetivação das políticas relacionadas às populações indígenas, em 22 de março de 2006, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através de articulação do Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, criou no âmbito do Ministério, a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Com o importante papel de realizar as futuras Conferências Nacionais de Política Indigenista. As Conferências, assim como acontece, por exemplo, na Saúde e Educação, são o principal instrumento de controle social da população, onde propostas são encaminhadas ao Governo Federal, para análise e aprovação.

A seguir, a análise dos principais e atuais documentos do Estado da Paraíba e do Município de Marcação sobre as políticas educacionais indígenas, seus impactos e conceitos dentro desse modelo de promoção da cidadania e cultura étnico-racial. Levando em consideração que todo impacto desde os tratados internacionais em direitos humanos e a legislação oficial nacional é a base para os documentos que serão analisados.

4 CONTEXTO DA PRÁTICA: DOCUMENTOS LOCAIS E AS VOZES DA GESTÃO

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