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O Trabalho Experimental na Educação em Ciências

Capítulo II REVISÃO DA LITERATURA

2. A Educação em Ciências na escola

2.2. Educação em Ciências no 1º CEB e práticas na sala de

2.2.5. O Trabalho Experimental na Educação em Ciências

Conforme afirma Hodson (1994), a importância do Trabalho Experimental na Educação em Ciência não tem sido contestada. A sua relevância desde o início da escolaridade tem sido defendida por diversos investigadores (Charpak, 1996; Sá, 2000, 2004; Cachapuz et al., 2001, 2002).

Em Portugal, conforme afirma Miguéns (1999:77), o Trabalho Experimental é recomendado tanto nos programas como nas orientações curriculares do Ensino Básico.

No que respeita ao 1º CEB, embora o Programa (ME – DGEBS,1990) proponha que as crianças conduzam pequenas investigações e experiências para aprenderem conceitos e desenvolverem processos e atitudes, é no Currículo Nacional do Ensino Básico (ME – DEB, 2001), mais concretamente no capítulo referente à área de Estudo do Meio, que são explicitadas orientações claras no sentido de fomentar nos alunos uma atitude científica pela via do Trabalho Experimental. Conforme é mencionado no documento para o

desenvolvimento desta atitude científica torna-se fundamental o envolvimento dos alunos na planificação e execução de experiências e pesquisas, partindo do seu quotidiano, de fenómenos que lhes são comuns, de questões que os preocupem, de experiências vividas em trabalho de campo, de conceitos que lhes são prévios e da sua representação, na perspectiva de que esses conceitos sejam alargados, reformulados e/ou introduzidos outros. Assim, deve ser oferecida aos alunos a possibilidade de realizarem actividades investigativas que lhes permitam apropriarem-se dos processos científicos para construírem conceitos e ligações entre eles de forma a compreenderem os fenómenos e os acontecimentos observados e, deste modo, contribuírem para um melhor conhecimento, compreensão e domínio do mundo que os rodeia (ME – DEB, 2001:80).

Embora as orientações curriculares preconizem uma abordagem experimental das Ciências no 1º CEB desde 1975, a verdade é que continuam nos dias de hoje a ter pouca expressão nas práticas docentes (Sá, 2000:58).

Estudos realizados em Portugal com a intenção de caracterizar o ensino experimental das Ciências (Cachapuz et al., 1989; Almeida, 1995; Miguéns, 1999) permitiram constatar a fraca utilização do Trabalho Experimental nas aulas de Ciências e a predominância de actividades experimentais com carácter demonstrativo e verificatório.

Nas actividades experimentais de tipo verificatório os resultados a alcançar são previamente definidos pelo professor, que acompanha os alunos na execução de um protocolo experimental, tendo em vista a obtenção desses mesmos resultados. Ao professor compete o planeamento da actividade, a definição do tipo de análise e da exploração dos dados (Almeida, 2000:162).

As actividades de tipo demonstrativo também são fechadas, muito estruturadas e centradas no professor. Este realiza as experiências, descreve o que observa e coloca questões enquanto o aluno se limita a observar, a relatar, a escrever explicações daquilo que observa ou a responder a perguntas (ibidem).

Estas actividades em que os alunos se limitam a seguir receitas, sem terem consciência do que estão a fazer e porquê, a maior parte das vezes não contribuem nem para o aumento do interesse e motivação dos alunos pelo estudo das Ciências, nem para a aprendizagem da Ciência (ibid:166).

Miguéns (1999:81), apoiando-se em artigos publicados por Hodson no início dos anos noventa, afirma que este investigador põe em dúvida a eficácia do trabalho prático, tal como é organizado presentemente, no que se refere à motivação dos alunos, à aquisição de competências e atitudes e aos conhecimentos alcançados, tanto a nível dos conceitos como dos procedimentos.

Estes problemas relacionados com as concepções e práticas do Trabalho Experimental fizeram emergir a necessidade urgente da sua reconceptualização, em que se exige um novo quadro conceptual, fundamentado em teses e princípios da epistemologia racionalista e em teorias construtivistas da aprendizagem (Almeida, 1995, 2000; Praia, 1999).

Almeida (2000:167) destaca algumas vertentes da reconceptualização do Trabalho Experimental, tais como:

ƒ Releva a importância da teorização e exploração das ideias prévias como percursos necessários do Trabalho Experimental. Este não se limita à experimentação e observação, mas contempla a especulação teórica, o debate e o confronto de ideias com vista à definição e realização do plano experimental;

ƒ Não há uma metodologia bem definida, mas um conjunto de métodos e processos que devem ser seleccionados em função de objectivos a atingir, do conteúdo científico em questão e do contexto de aprendizagem;

ƒ Deve envolver uma componente pessoal e social. A componente pessoal está relacionada com o envolvimento efectivo dos alunos em todas as etapas da actividade e com a criação de oportunidades para que os alunos mobilizem os seus interesses, saberes e

experiências anteriores, bem como as suas estratégias de aprendizagem na realização das actividades experimentais. A componente social, considerada fundamental, implica a relação com os outros, concebendo-se o Trabalho Experimental como uma actividade cooperativa de aprendizagem, realizada em pequenos grupos e/ou no grupo – turma. As actividades experimentais contribuem para o desenvolvimento pessoal e social das crianças, porque apelam ao poder de iniciativa e à tomada de decisões, promovem o desenvolvimento do trabalho cooperativo e autónomo e contribuem para a compreensão da actividade científica (Miguéns, 1999:86);

ƒ Perspectiva o Trabalho Experimental como uma actividade de resolução de problemas. Deste modo, o Trabalho Experimental não seria entendido como um processo linear, que caminha inexoravelmente dos factos para as ideias, mas como um processo investigativo que envolve uma pluralidade de métodos e de explicações, onde a criação, a invenção, a incerteza, a autocrítica, a heterocrítica e o erro podem desempenhar um papel fundamental na compreensão do problema de partida e na definição e avaliação das estratégias possíveis para a sua resolução.

Conforme afirma Miguéns (1999:86), as actividades práticas de natureza investigativa, baseadas na resolução de problemas, constituem oportunidades para que os alunos, usando procedimentos da Ciência e envolvendo-se pessoalmente, trabalhem a partir das suas concepções, reconheçam diferentes opiniões e construam novas concepções significativas e funcionais

No entender de Sá (2000:64), a resolução cooperativa de problemas de Ciências reveste-se de particular importância nos primeiros anos de escolaridade, dado que este é um óptimo período de aprendizagem e desenvolvimento por intermédio do Trabalho Experimental.

Defendendo um ensino experimental e reflexivo das Ciências, Sá (ibidem) considera que em qualquer experimentação é importante: i) Planificar e prever; ii) Executar procedimentos, fazer medições, observações e registos; iii) Explicar, interpretar e avaliar.

Referindo-se ao trabalho prático de tipo investigativo, Martins (2002:56) diz que o mesmo estimula a criatividade (o aluno tem de definir formas de resolver a questão) e desenvolve a capacidade de sistematização (o aluno tem de recolher e organizar os dados),

de reflexão e de análise (o aluno tem de interpretar os dados). Além disso, fomenta a capacidade crítica (o aluno interroga-se sobre o procedimento usado) e a tomada de consciência dos limites de validade da resposta encontrada para a questão problema.

Posicionando-se num contexto educativo – didáctico coerente com um quadro construtivista, Praia (1999:68) entende que tanto os alunos como os professores devem ser capazes de: i) Articular o Trabalho Experimental com os conceitos a adquirir; ii) Explorar o Trabalho Experimental tendo em vista a compreensão adequada dos fenómenos naturais; iii) Articular os vários trabalhos experimentais, de modo a que contribuam para a compreensão dos fenómenos e processos como um todo devidamente estruturado; iv) Conceber a Ciência como uma interpretação dinâmica, construída pelos investigadores, com o intuito de dar respostas (provisórias) a problemas; v) Através do Trabalho Experimental utilizar processos científicos tendo em vista a aquisição de conceitos; vi) Estimular a curiosidade, a dúvida, o questionamento, o empenhamento, a responsabilidade e a reflexão em conjunto; vii) Desenvolver capacidades de problematização, de formulação de hipóteses, de observação/interpretação de argumentação e de validação de ideias.

Conforme diz Miguéns (1999:87), compreender como se concebem, planeiam, conduzem e avaliam investigações em Ciência e desenvolver competências investigativas e de resolução de problemas são passos decisivos para se promoverem melhores e mais significativas aprendizagens futuras.

Tanto os conhecimentos como as competências desenvolvidas funcionam como autênticas ferramentas de aprendizagem. Em todo este processo é relevante o papel do professor enquanto mediador e interprete (ibid:92).

Praia (1999:70) sublinha a necessidade de uma mudança de atitudes dos professores no sentido de abandonarem o empirismo clássico e ingénuo, em que a Ciência é tida como uma simples descoberta, realizada quer a partir da observação neutra do sujeito, quer através da confirmação experimental, considerada positiva e inquestionável.

Para isso, é fundamental o aprofundamento da formação científica dos professores, que não deve limitar-se à aquisição de conhecimentos na formação inicial, mas exige uma formação contínua, concebida como um percurso de desenvolvimento pessoal e profissional (ibidem).