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3. O TERCEIRO SETOR NO BRASIL – O CAMPO DAS ONGS

3.5 O trabalho não-governamental no Espírito Santo

No Espírito Santo, temos o registro de uma pesquisa na Grande Vitória, em 1994, coordenada por Maria Angela Varella Cabral, sobre as ações não-governamentais que atendem a crianças e adolescentes. O estudo foi beneficiado pelo convênio de cooperação entre o Instituto

Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e a Universidade Federal do Espírito Santo, com assessoria da professora Lícia do Prado Valladares.

A pesquisa traça um importante cenário da constituição da atividade não-governamental no estado do Espírito Santo. Cabral (1994, p. 5) destaca que o início do atendimento à crianças e adolescentes carentes no Estado se dava por meio do sistema da Roda de Expostos. Os considerados “expostos” eram crianças recém-nascidas, filhos de mães solteiras, em sua maioria do sexo masculino e negras.

Em 1905, a autora chama a atenção para a criação do orfanato Santa Luiza, para órfãos do sexo feminino, que ocupavam o pavilhão dos expostos na Santa Casa. Anos mais tarde, em 1924, é criado o orfanato Cristo Rei, para meninos, também vindos do sistema da Roda (CABRAL, 1994, p.6). Como mostra o estudo, o universo da assistência foi-se integrando a iniciativas religiosas, e a algumas de origem leiga.

Segundo o levantamento realizado pela autora e pesquisadores envolvidos, pôde-se identificar a existência de 151 instituições voltadas para o público infanto-juvenil das classes populares na Grande Vitória. Por meio de questionários e entrevistas, mapeou-se o cenário das organizações não-governamentais voltados para a criança e o adolescente empobrecidos até aquela data.

De acordo com o tópico que investigou o tipo de instituição ou programa segundo sua natureza, o destaque fica a cargo da quantidade de iniciativas religiosas, a maioria derivada da Igreja Católica, seguida da Espírita e Protestante (juntas somando 84 % do cadastro geral), e os projetos de origem leiga representam a menor parte.

Prosseguindo nas questões, os resultados mostraram que, por tipo de atendimento, a maioria das organizações realiza trabalhos na área de assistência social propriamente dita, seguidas de atividades educacionais, atendimentos de assessoria, saúde e outros.

A localização das entidades, até a data da pesquisa, se distribuía: 37% em Vitória, 25,8% em Cariacica, 17,8% em Vila Velha, 17,2% na Serra e apenas 1% em Viana.

Os dados referentes ao quadro de pessoal, mostram a maioria absoluta das pessoas que trabalham nessas organizações de caráter voluntário. Apenas 17% são remunerados. E para os que não são voluntários, a remuneração pode ser feita junto a convênios com órgãos governamentais de várias esferas, ou então de associações corporativas, congregações religiosas, patrocínio de empresas particulares. O próprio trabalho pode autofinanciar-se por meio de captação de recursos (CABRAL, 1994, p.14).

De onde vêm os recursos? A maioria, de convênios e sócios, seguido de doações, comercialização de produtos e alguma contribuição da família da criança.

Uma outra pesquisa realizada no Estado, que teve como objetivo avaliar o impacto da implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na prática dos Assistentes Sociais que atuam na área infanto-juvenil das Organizações Não-Governamentais, traz mais algumas informações que merecem apreciação.

A pesquisa, intitulada “A Prática Profissional do Assistente Social junto aos Programas de Criança e Adolescente na Cidade de Vitória”, sob coordenação da professora Vania Maria

Manfroi, pesquisou doze Organizações Não-Governamentais da cidade de Vitória que possuem em seu quadro de profissionais ao menos um Assistente Social. O objetivo era verificar nos programas e projetos existentes se houve transformações significativas na atuação do Assistente Social após o ECA, e quais foram essas transformações.

Quanto à data de fundação, a maioria das organizações pesquisadas surgiu na década de 90. Segundo o estudo, as instituições religiosas continuam participando significativamente das ações sociais voltadas à criança e ao adolescente, tendo permanecido nesse cenário que lhe é tão peculiar (CAMPAGNARO, 2001, p.21). Essa presença, em alguns casos, tem dificultado o desenvolvimento das atividades propostas, como registrado pelas pesquisadoras em uma das entrevistas:

“nós somos uma entidade que temos como entidade mantenedora uma Igreja, e nem tudo a gente leva ao conhecimento da Igreja porque a Igreja tem a sua função e o projeto como entidade social tem outra função, apesar de que permeia um pouco a questão do cristianismo, mas em alguns momentos já teve, por exemplo, de nós prepararmos a participação num evento e chegar na hora falar: olha, não, as crianças não vão porque não tem nada a ver, é um evento que vai estar enfocando outras coisas (...) não entende que aquela atitude faz parte de toda uma questão pedagógica”.

A maioria das organizações é mantida com recursos provenientes de parcerias com a Prefeitura, órgãos ligados ao governo e empresas privadas.

Com relação ao trabalho dentro das organizações, os Assistentes Sociais relatam possuir poder de decisão nas entidades, participando, freqüente e diretamente, da formulação dos programas desenvolvidos, não sendo esse fator considerado como um entrave burocrático para a execução das atividades (CAMPAGNARO, 2001, p.29). Entretanto, o que tem sido considerado um fator negativo para o desempenho profissional em quase todas as ONGs é a questão do espaço físico, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento das atividades do projeto, quanto da própria atividade desenvolvida exclusivamente pelo Assistente Social. O relato a seguir evidencia a situação precária para o desenvolvimento da prática profissional:

“A nossa sala a gente divide com a Secretaria. Às vezes quando está havendo atividades de Secretaria e chega alguém para o Serviço Social, ou você interrompe a atividade da Secretaria ou o atendimento”.

Os trechos citados expõem, resumidamente, a realidade do trabalho de muitas ONGs no Estado. Muitas vezes as atividades só são realizadas porque há um comprometimento muito grande dos envolvidos. Esse fato evidencia as implicações dessa modalidade de intervenção social para o trabalho, um dos temas que serão aprofundados mais à frente.

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