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O transplante de medula óssea e seus desdobramentos: o sobreviver e as

os dias atuais, é crescente o interesse das diversas áreas do conhecimento humano pelo transplante de medula óssea, em busca da compreensão da experiência de vida de pessoas submetidas a essa modalidade terapêutica.

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O transplante de medula óssea apresenta-se como um longo caminho a ser percorrido pela criança, adolescente e suas famílias e, nesse caminhar, a qualidade de vida tem um significado especial no seu cotidiano considerando as conseqüências precoces e tardias do próprio tratamento. Mesmo assim, essa modalidade terapêutica oferece novas chances de sobrevivência à criança/adolescente, abrindo-lhes novas perspectivas de vida.

Consideramos necessário o entendimento do processo de crescimento e desenvolvimento da criança/adolescente para compreensão das implicações que a experiência da doença e do tratamento acarretam às suas vidas.

Sobreviver à doença e ao TMO não significa apenas estar curado e livre da doença, pois, está inserido nesse contexto, o mundo da pessoa que vivenciou o processo de adoecer e o tratamento. Assim, viver não é simplesmente ter saúde. Todo indivíduo pode viver de forma saudável na sua condição de saúde ou de doença, dependendo dos significados, atitudes e valores que atribui às situações vivenciadas.

Percebemos que, ao dar voz às crianças e adolescentes, sua experiência com o TMO mostrou-se a partir da dimensão temporal desse processo, revelando que, diante da complexidade que envolve essa experiência, o passado precisa ser resgatado para a compreensão do presente e, por consegüinte, do futuro. Assim,

agrupamos os temas segundo o eixo temporal encontrado nos seus relatos, mostrando que a vida é um processo contínuo e que não houve ruptura na sua vivência, antes, durante e mesmo após o tratamento.

O primeiro tema que emergiu dos dados empíricos foi o passado - lembranças da doença e do tratamento. As crianças e adolescentes descreveram várias situações pelas quais passaram desde o início do adoecer até realizarem o TMO, como: os primeiros sinais e sintomas da doença, o transplante e as particularidades de cada fase do processo. Consideraram esse período como crítico e difícil, uma vez que os procedimentos invasivos e agressivos causaram impacto em várias dimensões de suas vidas. Em alguns momentos, emergiram lembranças de tempos difíceis, com desdobramentos significativos para suas vidas.

Em outras palavras, no mundo do TMO instalou-se uma nova rotina em suas vidas, no qual o cuidado diferenciado, carregado de responsabilidades, encargos e dificuldades, passou a fazer parte da tarefa diária da criança, do adolescente e família. Mesmo com a participação das crianças/adolescentes, recaía sobre a família a maior responsabilidade do cuidado.

Destacaram, detalhadamente, as dimensões das suas vidas que foram afetadas com a realização do TMO e como enfrentaram as limitações físicas e psicológicas, a dor, as mudanças da imagem corporal e as conseqüências dos efeitos colaterais do tratamento, como queda de cabelo, emagrecimento ou edema. Além destes, fizeram referências às alterações nos seus hábitos de vida, tais como o afastamento da escola, do lazer e do convívio social.

O TMO traz resultados positivos e negativos à vida dos pacientes. Trata- se de uma experiência demarcada pelo antes e depois do tratamento, não somente em relação ao funcionamento da medula, mas também aos demais aspectos físico,

funcional, social, emocional e familiar. Percebemos que conviver com a doença e o transplante de medula óssea trouxe preocupações à condição de existir dessas pessoas. Também a interrupção de algumas atividades desenvolvidas antes do tratamento mostrou-se presente, repercutindo de forma negativa em suas vidas, pois em alguns momentos sentiam-se diferentes porque seu convívio social era limitado. Consideramos fundamental uma intervenção interdisciplinar no cuidado à criança e do adolescente, ou seja, os profissionais envolvidos devem compor medidas de promoção e prevenção à saúde da criança/adolescente, visando seu desenvolvimento sadio, minimizando as seqüelas de ordem física, social ou psicológica da doença e tratamento e uma melhor qualidade de vida.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei no 8.069, de 13 de julho de 1990), dispõe no artigo 7 que a criança tem: direito à educação gratuita e obrigatória... direito de brincar e distrair-se (SANTOS, 2000). Assim, o lazer e a educação são atividades importantes na vida da criança/adolescente e são apoiadas nos Direitos Universais da Criança, adotados pela Organização das Nações Unidas- ONU, em 1989.

O segundo tema apreendido nos dados empíricos referiu-se ao tempo vivido no presente. As crianças/adolescentes relataram o significado de crescer e viver na condição de transplantado, seus avanços e retrocessos, assim como mudanças em suas vidas, que exigiram readaptações para o enfrentamento das diversas situações.

Identificamos nos relatos experiências comuns que incluem inseguranças, alteração da imagem corporal, problemas de ordem física e emocional. Algumas estratégias foram mencionadas por eles no enfrentamento dessa condição, tais como acreditar no sucesso do tratamento; apoio da família, de amigos e da equipe

de saúde; retomada das atividades do cotidiano; apoio espiritual; vontade de viver e determinação.

A escolarização e o convívio social são fatores importantes em suas vidas e, assim, o retorno às atividades escolares, em algumas situações, foi difícil, segundo os relatos. Muitos foram apontados como diferentes, seja pela necessidade de alguns cuidados específicos, seja pela dificuldade de desenvolverem determinada atividade coletiva, fatos que interferiram em sua auto-estima e no desenvolvimento para a autonomia. Uma identidade estigmatizada que lhes é atribuída socialmente pode dificultar o viver e conviver na condição de ser transplantado.

Nesse sentido, o tempo pós-TMO e a presença ou não de problemas/seqüelas foram fatores importantes na observação da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Mesmo com a complexidade do TMO, todos os participantes do estudo verbalizaram que sua vida era normal.

Por mais difícil que tenha sido essa experiência, as crianças/adolescentes mostraram adaptação às limitações físicas, alimentares e de socialização em seu processo de recuperação e reabilitação. Para eles, uma vida normal parecia ser a condição do momento vivido, com retorno às atividades interrompidas durante o tratamento. A volta à escola, às brincadeiras, o convívio com os amigos revelaram a vontade das crianças de terem sua autonomia, serem livres e independentes.

O terceiro tema apreendido nos dados empíricos referiu-se aos caminhos que se projetam para o futuro. Como o transplante de medula óssea é um tratamento para toda a vida, algumas vezes a imprevisibilidade desta modalidade terapêutica trouxe ao cotidiano das crianças e dos adolescentes algumas ameaças. Efeitos tardios do tratamento foram pontuados pelos sobreviventes, transformando-

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