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O tratamento do “erro” no campo educacional

No documento Atividades experimentais e informatizadas (páginas 71-75)

2. OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS NO CONTEXTO DO

2.8. O tratamento do “erro” no campo educacional

Como vimos anteriormente, poderíamos assumir que, segundo as concepções de Bachelard e Piaget, a concepção construtivista ressalta o papel fundamental do erro na construção do conhecimento. Do "direito ao erro" reconhecido aos alunos, passa-se progressivamente à busca de situações onde os erros seriam reveladores de um saber em constituição, necessário à construção do conhecimento.

Com o intuito de fundamentar o nosso estudo na prática educacional, buscamos na Didática da Matemática, mas que tem reflexos, ou mesmo podem ser aproximados para a Física, a análise do erro, fundamentado nas teorias de Guy Brousseau, que exatamente se apóiam na noção de obstáculos desenvolvida por Bachelard e na teoria da equilibração de Piaget. Brousseau (1981, 1986) adotou, em 1976, novas concepções para a Didática da Matemática, tentando desenvolver uma teoria que facilitasse estudar e explicar os erros dos alunos como estratégias particulares ou pessoais.

Almouloud (1997) explica que no pensamento de Brousseau, o erro seria a expressão ou a manifestação explícita de um conjunto de concepções espontâneas ou reconstruídas integradas numa rede coerente de representações cognitivas, que se torna em obstáculo à aquisição e dominação de novos conceitos. A superação desses obstáculos seria então o projeto do ensino, e o erro a passagem obrigatória.

"O erro não é somente o efeito da ignorância, da incerteza, do acaso (...) mas o efeito de um conhecimento anterior que tinha o seu interesse, seus sucessos, mas que agora se revela falso, ou simplesmente inadaptável. Os erros deste tipo não são erráticos e imprevisíveis, eles se constituem em obstáculos. Tanto no funcionamento do mestre como naquele do aluno, o erro é constitutivo do sentido do conhecimento adquirido". (BROUSSEAU, 1981, p.171 – tradução livre).

"Além disso, estes erros, num mesmo sujeito, estão ligados entre eles por uma fonte comum: uma maneira de conhecer, uma concepção característica, coerente senão correta, um "conhecimento" antigo e que deu certo em toda uma área de ações". (BROUSSEAU, 1981, p.173 – tradução livre).

Desta forma, os erros parecem como conseqüência das respostas atuais do sistema cognitivo às perturbações oferecidas pelo meio, representando verdadeiras produções intelectuais, que indicam formas particulares de organização dos esquemas do sujeito, em função da idade (Astolfi, 1999).

Dos estudos da noção de obstáculo Almouloud (1997) apresenta uma caracterização dos mesmos no processo educacional, formulada por Duroux em 1983 e retomada por Brousseau em 1986:

a) Um obstáculo é um conhecimento, uma concepção, não uma dificuldade ou uma falta de conhecimento.

b) Este conhecimento produz respostas adaptadas num certo contexto, freqüentemente encontradas.

c) Mas ele produz respostas falsas fora deste contexto. Uma resposta correta e universal exige um ponto de vista notavelmente diferente.

d) Além disso, este conhecimento resiste às contradições com as quais ele é confrontado e ao estabelecimento de um conhecimento melhor. Não basta possuir um conhecimento melhor para que o precedente desapareça (é o que distingue o transpor de obstáculos da acomodação de Piaget). É então indispensável identificá-lo e incorporar a sua rejeição no novo saber.

e) Depois da tomada de consciência de sua inexatidão, ele continua a manifestar-se de modo intempestivo e obstinado. (ALMOULOUD, 1997, p.39). Dessa forma, os obstáculos aparecem pela incapacidade de compreender certos problemas ou os resolver eficazmente, ou pelos erros que para serem superados, deveriam conduzir a instalação de um novo

conhecimento (Almouloud, 1997). É nesta visão que o erro é considerado necessário para desencadear o processo da aprendizagem do aluno e, permitir ao professor situar as concepções do aluno, eventualmente compreender os obstáculos subjacentes, adaptando a situação didática.

A noção de obstáculo é importante de um lado, porque a aprendizagem por adaptação, que permite dar sentido aos conceitos, produz, em geral, ao mesmo tempo concepções errôneas e conhecimentos locais os quais devem ser rejeitados, por outro lado porque esses nós de resistência, os obstáculos, vão necessitar da construção de situações adaptadas.

Mesmo não sendo uma classificação unânime, apresentamos as várias origens para os obstáculos identificados por Brosseau (1981) que correspondem a maneiras diferentes de serem tratados no plano didático:

1) Obstáculos epistemológicos: São obstáculos "que tiveram um papel importante no desenvolvimento histórico dos conhecimentos e cuja rejeição precisou ser integrada explicitamente no saber transmitido". (Brosseau, 1981, p.238). Os obstáculos de origem epistemológica são ligados ao saber caracterizados pelas dificuldades encontradas pelos cientistas para os superar na historia. Eles são constitutivos do conhecimento visado, são aqueles aos quais "não se pode nem se deve escapar".

2) Obstáculos didáticos: Os obstáculos de origem didática são aqueles "que parecem depender apenas de uma escolha ou de um projeto do sistema educativo" (Brosseau, 1981, p.238), que resultam de uma Transposição Didática16 que o professor pode dificilmente renegociar no

quadro restrito da classe. Os obstáculos didáticos aparecem na escolha das estratégias do ensino, deixando se formar, no momento da aprendizagem, conhecimentos errôneos ou incompletos que se revelarão mais tarde como obstáculos ao desenvolvimento dos conceitos. Os obstáculos didáticos são inevitáveis, inerentes à

16 Termo introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e rediscutido por Yves Chevallard em 1985 e por, Jean-Pierre Astolfi e Michel Develay (1989). Analisaremos a “Transposição Didática” no próximo capítulo.

necessidade da Transposição Didática. Reconhecer um obstáculo permite ao professor rever sua primeira apresentação do conceito em questão, para explicitar melhor a dificuldade vivida pelo aluno.

3) Os obstáculos psicológicos: Tais obstáculos aparecem quando a aprendizagem está em contradição com as representações profundas do sujeito ou quando ela induz uma desestabilização inaceitável.

4) Os obstáculos ontogênicos: Os obstáculos de origem ontogênica aparecem em razão das limitações do sujeito num dado momento de seu desenvolvimento.

Outras origens podem surgir, deixando a classificação ainda maior, como os de origem cultural17, que corresponde ao peso histórico de certas formas de pensar, no qual os sentidos políticos e culturais influenciam o conhecimento. Têm-se ainda os obstáculos técnicos que se apresentam também como causa de erros ou da incapacidade de compreender alguns problemas, estes surgem quando a complexidade da tarefa ultrapassa as capacidades da atenção do aluno.

Durante a aprendizagem, ao iniciar o contato com um conceito inovador, pode ocorrer uma revolução interna entre o equilíbrio aparente do velho conhecimento e o saber que se encontra em fase de elaboração. Isto interessa à didática, pois para aprendizagem escolar, por vezes, é preciso que haja rupturas com o saber cotidiano.

Segundo Pais (2002), o interesse em estudar a noção de obstáculo decorre do fato da mesma permitir identificar as fontes de diversos fatores que levam a aprendizagem a uma situação de inércia e de obstrução. Baseado nas idéias de Bachelard, destaca que é preciso entender como ocorre a reorganização intelectual de modo que o novo conhecimento entre em conflito com os anteriores, sendo esse o momento em que os obstáculos se manifestam.

17 Para maior aprofundamento, ver trabalho “Identificando o obstáculo cultural em aulas de física do ensino médio”, de Santos Neto & Pietrocola (2006)

Tal como manifestado por Brousseau (1981, 1983), a idéia de obstáculo não finda a busca relativa aos problemas e dificuldades no campo educacional e pedagógico. Essa idéia nos mostrou e nos mostra caminhos e direções importantes nas quais ainda teremos muito que percorrer na tentativa de suplantar os diversos obstáculos presentes no ensino do Eletromagnetismo.

No documento Atividades experimentais e informatizadas (páginas 71-75)