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O universo literário de João Ubaldo Ribeiro

3. Viva o povo brasileiro: romance histórico brasileiro

3.1 O universo literário de João Ubaldo Ribeiro

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro é consagrado como um dos maiores romancistas do país e de toda a América Latina. Sua carreira literária abrange tanto romances quanto diversos contos e crônicas. Entre outras atividades, destaca-se também como tradutor e jornalista. Foi professor, chegando a lecionar, a convite de outras universidades, fora do Brasil também. Como jornalista, trabalhou no Jornal da Bahia e na Tribuna da Bahia, além de colaborar com outros jornais e revistas como cronista e colunista, entre os quais, Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, A Tarde e os internacionais Diet Zeit e Frankfurter Rundschau (Alemanha), The Times Literary Supplement (Inglaterra), O Jornal (Portugal) e Jornal de Letras (Portugal). Além da formação jornalística, João Ubaldo Ribeiro graduou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia, mas nunca exerceu a profissão.

Nasceu no Recôncavo Baiano, na Ilha de Itaparica, em 23 de janeiro de 1941; de lá, percorreu o Brasil e o mundo, morando em Sergipe, Salvador, Rio de Janeiro, Lisboa, Estados Unidos e Berlim. Deve a seu pai, que era professor e político, o gosto pela literatura, pois desde pequeno o incentivou a ler muitos clássicos literários, o que contribuiu para sua ampla formação literária – Shakespeare, Cervantes, Homero, Graciliano Ramos, Jorge de Lima e muitos outros. Mais tarde, seguiu os passos do pai, dando início à sua carreira acadêmica. Lecionou na Escola de Administração, na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e na Escola de Administração da Universidade Católica de Salvador. Entretanto, ao contrário do pai, não seguiu a carreira política, embora tivesse engajamento para isso. Durante o período como estudante, era declaradamente esquerdista, chegando a participar como militante do movimento estudantil.

A atividade literária do autor iniciou cedo, quando ele ainda estava na faculdade e já trabalhava na imprensa. Nesse período editou, em colaboração com o amigo de infância, o cineasta Glauber Rocha, revistas e jornais culturais. Seus primeiros trabalhos literários foram publicados em diversas coletâneas, são eles: Lugar e circunstância (1959), conto que ele escreveu para participar da antologia “Panorama do Conto Baiano” e Josefina, Decalião e O Campeão (1961), estes escritos para participar da coletânea de contos “Reunião”.

Aos 21 anos de idade, em 1963, Ubaldo escreveu seu primeiro livro, Setembro não tem sentido (1968), publicado cinco anos depois. A partir daí, foi uma publicação atrás de outra, resultando em um conjunto de obras mestras de nossa literatura como: Sargento Getúlio (1971); Vila Real (1979); Viva o Povo Brasileiro (1984); O sorriso do lagarto (1989) – uma alegoria sobre o “Mal” da classe dominante brasileira; O feitiço da Ilha do Pavão (1997); A casa dos Budas Ditosos (1999) – sucesso de vendas e de crítica que tem como temática central a luxúria; Miséria e grandeza do amor de Benedita (2000); Diário do Farol (2002) e O Albatroz Azul (2009).

Além dos romances, destacam-se também seus contos, crônicas e ensaios – dos contos: Vencecavalo e o outro povo (1974); Livro de histórias (1981); as crônicas Sempre aos domingos (1988); Um brasileiro em Berlim (1995) – que fala sobre sua estadia em Berlim; Arte e ciência de roubar galinhas (1999); O conselheiro Come (2000); A gente se acostuma a tudo (2006) e O Rei da Noite (2008); e os ensaios, Política: quem manda por que manda, como manda (1981). Também, encabeçam suas principais obras os livros da literatura infanto-juvenil – Vida e Paixão de Pandomar, o cruel (1983) e A vingança de Charles Tiburone (1999).

Sobre o universo literário de João Ubaldo Ribeiro, Glauber Rocha diz em algumas linhas:

Ubaldo, um escritor pra frente. Não tem preconceitos literários, maneja bem qualquer estrutura [...] Ubaldo, quando escreve, não se tortura com a palavra, como se a “seriedade” fosse uma espécie de salvo-conduto para frieza ou intelectualismo [...] é um cidadão que faz literatura com a voracidade e alegria de quem toca jazz ou improvisa numa batucada: senta na máquina e manda brasa. Não é, porém, um improvisador primário: sua veia satírica é forte; sua indagação é gigante, sua novidade é permanente. (ROCHA apud COSTA, 2009, p. 46-47)

A obra ubaldiana caracteriza-se por sua diversidade temática e formal, através da qual aborda assuntos como injustiça, discriminação, religião, raízes culturais, poder, etc. Compõe seu legado literário, em que podemos encontrar, numa única obra, um conjunto de abordagens, como em Viva o povo brasileiro, no qual ele questiona o poder, critica a situação brasileira de país colonizado, apresenta a cultura africana (religião, culinária, costumes, etc.) e transgride, com a personagem Maria da Fé, colocando-a como uma heroína, dando a ela voz e poder em sua obra. Ainda sobre a diversidade da obra de João Ubaldo, Maria Gabriela Cardoso afirma: “A diversidade é, pois, a constante da sua obra em que o épico se opõe ao prosaico, a introspecção regionalista confronta o

regionalismo metropolitano, um surrealismo hiperbólico contrasta com a exatidão neomodernista” (COSTA, 2009, p. 56). Fica, assim, evidente o crescimento e a consolidação da obra de Ribeiro.

Muitas de suas obras foram traduzidas para vários idiomas (alemão, dinamarquês, espanhol, finlandês, francês, hebraico, holandês, inglês, italiano, esloveno, norueguês, sueco e português para Portugal). Algumas traduções para o inglês foram feitas pelo próprio autor – Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro, isso devido à grande quantidade de regionalismos presentes nas obras e vocabulários da cultura africana. Algumas obras foram adaptadas para cinema, televisão e teatro, como Sargento Getúlio, que teve adaptação no roteiro para o cinema, O sorriso do lagarto, O santo que não acreditava em Deus, entre outras obras, transformaram-se em minisséries para a televisão e A casa dos Budas Ditosos foi adaptada para o teatro.

Consagrados pela crítica literária, Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro estão na lista dos cem melhores romances brasileiros do século, ambos regionalistas, com histórias que se passam no nordeste brasileiro, mais precisamente em Sergipe e na Ilha de Itaparica respectivamente. Sargento Getúlio é considerado um marco do romance moderno brasileiro e tem como enredo a cultura e os costumes da região nordestina. Esse romance concedeu ao autor o prêmio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Janeiro de melhor autor e melhor romance. Sobre este romance João Ubaldo disse o seguinte:

Sargento Getúlio é um romance engajado – persegui esta espécie de autobiografia fantasmagórica, mas com maior distância. É de certa forma um retorno à minha infância, ao universo de Sergipe, com sua brutalidade, seu primitivo ao qual dei uma dimensão mais ampla – ética e política. (COSTA, 2009, p. 47).

Outro romance premiadíssimo foi Viva o povo brasileiro, o qual ele começou a escrever no ano de 1982 e publicou em 1984. Com este livro, João Ubaldo Ribeiro também recebeu os prêmios de melhor autor e melhor romance. De todas as premiações concedidas durante sua carreira, a principal foi o Prêmio Camões em 2008, o maior da língua portuguesa, que já agraciou outros grandes nomes da literatura, como José Saramago (1995), Jorge Amado (1997) e o angolano Pepetela (1997). João Ubaldo Ribeiro foi o oitavo brasileiro a receber essa honra, devido a todas as premiações e ao seu conjunto de obras, sempre voltadas a retratar as culturas brasileira, portuguesa e africana.

Sobre o romance Viva o povo brasileiro, Antônio Esteves faz um estudo histórico que mostra como João Ubaldo Ribeiro reescreve a história do país “de forma paródica, para tentar captar, por meio do grotesco, da carnavalização, a essência do povo brasileiro.” (ESTEVES, 2010, p. 169). A história, que percorre quatro séculos da história do país, tem como cenário a Ilha de Itaparica, na Bahia, que é a metáfora do Brasil e de seu povo no romance. A Ilha de Itaparica é um cenário constante em suas obras. Como nasceu e morou durante um bom tempo na ilha, cada local, cada pedaço dela é possível enxergar em suas obras, ou como um local de lutas, guerras, formação de um povo, ou como um local paradisíaco.

Graças ao sucesso de suas obras, ele desponta como um dos principais autores da América Latina, ao lado de nomes como Gabriel García Marques, Mario Vargas Llosa, Jorge Luís Borges e Jorge Amado. João Ubaldo Ribeiro enriquece sem dúvida o patrimônio cultural e literário do país. Em consequência disto e, claro, por sua representatividade e sua carreira literária é que ele teve seu maior reconhecimento no ano de 1993, quando foi escolhido para ocupar a cadeira de número 34 da Academia Brasileira de Letras.

3.2 O (re)contar da história – O embate ideológico representado pela luta de classes