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O uso dialético ou constitutivo do incondicionado

CAPÍTULO 3 – A FUNÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DO INCONDICIONADO NA

3.3 O uso regulativo do incondicionado

3.3.1 O uso dialético ou constitutivo do incondicionado

O uso dialético do incondicionado é dado quando o PRP é usado para determinar em si o objeto dado na ideia, ou seja, é um certo uso transcendental do PRP derivado de seu uso transcendente. O PRP pode conduzir o uso do entendimento, mas não pode estabelecer uma relação direta entre o conceito e seu objeto, essa atividade cabe exclusivamente ao entendimento. A razão especulativa não erra propriamente ao conduzir o entendimento, ela só exige o incondicionado para dar um acabamento à sua unidade lógica. A faculdade do juízo é que erra ao inferir conhecimentos sobre o incondicionado para além dos esquemas que permitem a subsunção do objeto no conceito. A lógica transcendental tem como grande vantagem corrigir a faculdade do juízo, diferente da lógica geral. Aliás, a Analítica não mede esforços teóricos para suprir essa falha da lógica geral. A lógica transcendental mostra muito bem que a faculdade do juízo só pode subsumir o objeto no conceito se este estiver de acordo com as condições de toda a experiência possível. O problema é que a razão especulativa força a faculdade do juízo a subsumir o incondicionado nas categorias e a produzir objetos que são depois desdobrados analiticamente, resultando em vários juízos sintéticos a priori sem referência alguma na experiência. Logo, o uso dialético do incondicionado é dado quando este é tratado com um certo valor objetivo.

Kant refere-se a esse uso dialético como um uso equivocado do PRP, que é nomeado, a partir desse uso, de princípio dialético. O princípio dialético da razão pura, que Kant repetidas vezes fala na Dialética, refere-se ao uso equivocado do PRP. Ele nomeia esse uso de constitutivo e chama o princípio dialético de princípio constitutivo. As duas principais características apresentadas por Kant para definir um uso constitutivo do PRP são: a) um princípio usado para ampliar o conhecimento do mundo sensível para além da experiência; b) busca o conhecimento objetivo completo ou em si do objeto pensado na ideia, ou seja, do incondicionado.283 Esse uso constitutivo seria também um uso transcendental, pois o PRP seria usado para determinar a coisa em si ou coisa em geral (incondicionado).

Todo erro da metafísica pré-crítica foi usar o PRP como princípio capaz de ampliar o conhecimento a priori dos objetos para além da unidade da experiência. A aparência

transcendental, manifestada quando a ML é convertida em PRP, força a faculdade do juízo a subordinar a experiência às ideias. Como foi mostrado no primeiro capítulo, essa subordinação é um resultado de um erro dialético chamado de sophisma figurae dictionis. O conceito do condicionado, dado na premissa maior (como algo em geral) e menor (como fenômeno), não pode servir de conceito médio para permitir a inferência de juízos sintéticos com validade objetiva que determinam o incondicionado. Ou seja, enquanto na premissa maior o conceito médio significa as coisas em si, na premissa menor, esse mesmo termo médio, significa algo enquanto fenômeno. Só os princípios do entendimento podem ter um uso constitutivo, pois eles são a própria condição de possibilidade da experiência, ou seja, é a partir deles que os objetos da experiência são determinados. O PRP é usado como princípio constitutivo quando é usado para determinar o incondicionado hispostasiado, ou seja, como objeto real sem si mesmo determinável.

O PRP, enquanto princípio dialético, não só pressupõe que o incondicionado seja um objeto real dado na ideia, como infere juízos sintéticos na esperança de determiná-lo em si. O uso dialético do incondicionado faz com que essa representação expresse ilusoriamente uma condição última de toda experiência capaz de ser determinada por juízos assertóricos. A experiência, como foi dito diversas vezes, aparece ilusoriamente como um momento da determinação desse objeto pensado na ideia.

Mostrou-se na solução da Antinomia que o único modo do incondicionado ser pensado como objeto na ideia sem produzir inferências dialéticas é quando ele tiver um uso apenas problemático, ou seja, possuir apenas possibilidade lógica. Porém, está interditado pela crítica qualquer tentativa de determiná-lo de modo objetivo. Assim, o incondicionado poderia ser pensado problematicamente como uma condição inteligível em séries dinâmicas, em que é permitida uma heterogeneidade das condições, mas nunca determinado objetivamente. Porém, essa solução só garante uma abertura para a filosofia prática, já que suprime a falsa oposição que existia entre os conceitos de liberdade e natureza. A solução da Antinomia não garante nenhum uso teórico para o incondicionado, apenas adverte que a tendência para a transcendência encontrada na atividade lógica da razão resulta em inferências dialéticas que acabam levando a razão pura a provocar o conflito de suas leis. Nesse contexto crítico, anterior ao Apêndice, o incondicionado é sempre um problema para a razão.

A crítica dialética, no exercício de sua função de alertar o erro dialético por trás do uso constitutivo de PRP, apenas autoriza o uso problemático do incondicionado como uma condição inteligível dos fenômenos que não pode ser negada pelo princípio de não contradição.

O PRP não possuiria, pela ótica da solução da Antinomia, um uso não dialético. Mesmo que Kant fale de um uso regulativo das ideias como solução dos problemas cosmológicos, esse uso ainda é pensado, nesse contexto, como uma advertência sobre a tendência da razão em avançar para o transcendente.

Essa interpretação é importante, porque Kant cita um uso regulativo para o PRP na Oitava Secção da Antinomia, antecipando um tema que só ficará claro no Apêndice da Dialética. As soluções apresentadas por Kant para os problemas cosmológicos somente afirmam que o incondicionado não pode ser pensado na experiência como uma condição sensível. Porém, Kant parece pressupor a todo momento que o PRP pode, a partir do uso regulativo, possuir um uso objetivo. Pressuposição que só é tornada clara na exposição do PRP no contexto do Apêndice. Dentro do contexto do corpo do texto da Dialética, antes do Apêndice, a denúncia do uso dialético ou constitutivo do PRP apontam apenas para um uso hipotético e subjetivo. Diferente disso, no Apêndice, o PRP possui usos, objetivo e empírico, legítimos e imprescindíveis para o conhecimento científico. Isso significa que a definição precisa do uso regulativo do PRP deve ser buscado no Apêndice.