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A partir da apropriação dos procedimentos metodológicos da pesquisa do tipo etnográfica, enfatizo como um dos recursos para a viabilização de uma postura ética pautada no compromisso, no rigor e na fidedignidade da pesquisa qualitativa: a triangulação das fontes. Ou seja, o cruzamento de todas informações obtidas por meio de diversas técnicas – observações participativas, entrevistas e análise de documentos – durante o processo investigativo.

A abrangência deste método de pesquisa objetiva “fazer com que os dados falem da forma mais completa possível” (PRADO, 1998, p. 38), pois a triangulação permite confrontá- los, complementá-los e problematizá-los com a finalidade de, posteriormente, aprimorar a reflexão sobre eles.

A partir do desejo de explorar mais detidamente as mensagens implícitas, o não-dito, o que escapa ou passa despercebido – por diversas razões –, utilizei também como fonte complementar as filmagens (observações gravadas em vídeo), após seis meses de observação direta. Prado (1998) também em seus estudos utilizou-se deste procedimento:

Com a necessidade de expor tantas mensagens expressas nas mais diversas linguagens do outro, que se diluíam entre a observação e o relato no diário de campo, e como forma de aliar ao modo de comunicação adulta – a escrita, um modo infantil que não se lê, pois não se escreve – se vê, introduzi (ao término de oito meses de observação) a utilização da técnica de filmagem, lidando com a heterogeneidade da platéia, personagens, pesquisadora e câmera, cada qual, associado a formas de interações diferentes (PRADO, 1998, p. 38).

Nesse sentido, é importante enfatizar que as observações participantes se constituíram como principal instrumento metodológico de apreensão dos dados, sendo as filmagens empregadas como um recurso – suporte – para sua complementação.

Assim, foram utilizadas com intuito de contextualizar o fenômeno estudado, demonstrando o local da pesquisa, ou seja, a estrutura física da brinquedoteca, os tipos de brinquedos que a compõem, a forma como as crianças se relacionam com eles e, finalmente, a interação entre elas – meninos e meninas – durante o brincar.

Além disso, a técnica da filmagem possibilita analisar a própria postura do pesquisador, na medida em que expõe seu olhar sobre o objeto. Este olhar, por sua vez, observa, seleciona, interpreta, atribuindo significações. Assim, permite também ao pesquisador prestar atenção em si mesmo, avaliando e refletindo sobre o seu lugar, suas atitudes, suas expectativas e seus preconceitos.

Compartilhando dessa mesma perspectiva metodológica, embora priorizando a técnica de filmagem, Ávila (2002), em sua pesquisa sobre as práticas educativas das professoras de crianças pequenininhas, zero a três anos, faz um importante percurso teórico e histórico sobre os estudos – em diversas áreas – que se valeram deste instrumento, buscando suas contribuições.

Segundo esta autora, as primeiras pesquisas que se utilizaram desta ferramenta, como principal meio de captação dos dados, concentraram-se na área da psicologia educacional. Oliveira (1989) a utilizou para analisar os jogos de papéis na perspectiva do desenvolvimento infantil; Paula (1994) observou situações de alimentação na creche; Rocha (1994) enfocou a constituição social do brincar entre pré-escolares e Cruz (1995) centrou-se nos gestos, expressões e linguagem de crianças pequenininhas em um berçário municipal.

Em relação aos estudos pedagógicos, destacam-se: Nogueira (1997) que abordou a produção da cultura infantil no brincar de crianças de quatro a seis anos; Búfalo (1997), que privilegiou as práticas educativas de monitoras de creche; Prado (1998), que estudou as brincadeiras de crianças pequenininhas (três meses a três anos), porém, valendo-se desta técnica como recurso complementar, acima mencionado. Finalizando, Godói (2000) elegeu as práticas de avaliação como objeto de investigação em sua pesquisa.

O campo da antropologia visual se configura como perspectiva privilegiada para o pensar sobre o emprego de técnicas audiovisuais, produzindo vários trabalhos relevantes na área. Em relação às crianças, Ávila destaca o estudo de Fonseca (1995), A noética do vídeo etnográfico.

Para transcrever as filmagens e, posteriormente, considerá-las em minha funda- mentação analítica, pautei-me na perspectiva de observação proposta por Bondioli (2004), na qual a autora assume uma perspectiva de representação. Esta perspectiva se propõe:

a considerar o que se apresenta aos olhos do observador – o dia escolar – como uma espécie de representação teatral com um início, um fim e um desenrolar temporal marcado em “tempos” e “atos”; estes últimos, por sua vez, caracterizados pela sucessão de diversos episódios (BONDIOLI, 2004, p. 23).

Os componentes destes episódios são: o cenário, o local onde se dá o evento – a brinquedoteca; o elenco de atores, as crianças que representam papéis nas brincadeiras; estas, por sua vez, integram a cena; a forma como as crianças interagem – agrupam-se – umas com as outras (individualmente, em duplas ou em grupos), sob a coordenação de um diretor que eventualmente participa ou não do episódio. Estes componentes coincidem com os focos de observação propostos pela autora. Entretanto, acrescenta-se a eles a duração dos episódios (longos, curtos ou intermediários) e a posição seqüencial dos acontecimentos.

Identifiquei-me, especialmente, com esta perspectiva de observação e análise por me sentir, muitas vezes, diante das crianças como espectadora de um belo e complexo espetáculo teatral (brincar é uma arte!), rico em imaginação, criatividade, fantasia e seriedade, no qual, em alguns momentos, era convidada a participar da encenação14.

14

No primeiro dia de filmagem, inicialmente, expliquei para as crianças o que era aquele equipamento e por que eu o estaria utilizando em alguns momentos, durante as brincadeiras. Além disso, comprometi-me a mostrar os resultados das filmagens a elas: passar na televisão. As crianças reagiram muito bem diante da presença deste objeto desconhecido. No início, muitas alteravam seu comportamento diante da câmera, procurando todas as formas de chamar atenção; faziam pose, sorriam, gesticulavam, acenavam ou ficavam estáticas na minha frente, esperando que eu as fotografasse. Com isso, dei a elas a oportunidade de filmar também, sempre as acompanhando, auxiliando-as no que fosse preciso, para que assim pudessem conhecer e se familiarizar com o equipamento, além de se colocar no meu lugar. Ao longo do tempo, as observações ocorreram com as crianças indiferentes à câmera.

Algumas frases ilustraram o primeiro momento de filmagem:

⎯ Tira foto, tira foto. Weslei

⎯ Senta que a tia tá tirando foto! Rodrigo ⎯ Tia, cê tá tirando foto? Louize

⎯ Vai Bruno, roda, pode rodar... Weslei

Ao contrário das outras crianças que ficaram estáticas frente à câmera ou mantiveram- se indiferentes, Bruno, quando percebeu que eu o estava filmando, começou a dançar, encenar com alguns objetos, inclusive com um vestido, fazendo coreografias... Isto, justifica a frase de Weslei, que, observando-o, dizia: vai Bruno, roda, pode rodar...