• Nenhum resultado encontrado

Neste Capítulo, o objetivo principal da pesquisa é reapresentado e, posteriormente, desdobrado nas questões mais amplas, que nortearam tanto a seleção dos dados e das fontes de informação como a organização dos resultados. Por fim, são indicados os procedimentos de coleta e análise dos dados.

II1. Objetivos

Os objetivos principais são descrever e analisar o ensino de mapeamento geológico praticado no Centro de Geologia Eschwege, com ênfase no campo disciplinar da Sedimentologia- Estratigrafia, evidenciar os fatores intelectuais, sociais e econômicos que contribuíram para o surgimento e legitimação desse ensino e identificar a influência dos modelos sobre a geologia da Serra do Espinhaço nesse ensino.

Derivam desses objetivos, as metas de: caracterizar as práticas científicas e de ensino desenvolvidas no CGE e a relação entre elas; identificar os instrumentos conceituais utilizados na articulação teoria-prática realizada; apontar diretrizes para a incorporação de abordagens históricas no ensino de campo.

Considera-se que a trajetória de ensino e pesquisa do CGE deva ser buscada na recuperação do conjunto de práticas (no sentido de estratégias, convenções, habilidades e ações) ali desenvolvidas, em diferentes contextos, configurando cenários onde as funções do campo possam ser apreendidas e a sua natureza histórica, resgatada.

Derivam do objetivo principal da investigação, algumas questões que nortearam a seleção dos dados e das fontes de informação, bem como a organização dos resultados. A seguir, são mencionadas somente as de maior amplitude, que, durante a pesquisa, foram subdivididas em outras mais específicas:

- Como surge essa instituição destinada prioritariamente à pesquisa e ao ensino de campo? - Como as atividades de pesquisa e ensino se constituem e se desenvolvem no CGE e quais são

os fatores que influenciaram a sua legitimação pela comunidade geológica? - Quais são as características do programa de ensino do CGE?

- Quais fatores contribuem para a permanência temporal dessas atividades?

qual a função do campo nessa relação? II2. Procedimentos de investigação

De início, foi necessário definir o design11 da pesquisa. A natureza das questões (situada no

campo da compreensão, e não da quantificação) determinou a escolha de método qualitativo de pesquisa.

Os procedimentos e instrumentos de coleta de dados mais utilizados nesse tipo de pesquisa são a observação, a entrevista e a análise de documentos (Alves-Mazzotti, 2004). Na pesquisa em foco, a observação (participante ou não) envolveria o acompanhamento das atividades de ensino e pesquisa do CGE e, até mesmo, do cotidiano da instituição. Observando a realização de estágios de campo, seria possível registrar, por exemplo, como essa prática ocorre, a forma de orientação e o trabalho dos estudantes no campo e no gabinete. Apesar da riqueza de análise possível de se obter com esse procedimento, os resultados que a pesquisa alcançaria não atenderiam aos objetivos aqui definidos, já que a experiência estaria condicionada aos próprios limites espaciais e temporais da observação. Mesmo que fosse possível acompanhar várias turmas de estágios, a dimensão temporal dos dados, ainda assim, ficaria reduzida a dois ou, no máximo, três anos. Similar limitação ocorreria no levantamento de dados por meio de entrevistas. Tal restrição não ocorre, porém, com a análise de documentos, mas, nesse caso, não seria possível averiguar a realidade vivida nas atividades de ensino e pesquisa, tampouco no cotidiano da instituição.

Ainda assim, considerando o objetivo principal do trabalho, que envolve a análise de uma trajetória e não apenas de um momento, a opção foi proceder ao levantamento de dados por meio da análise de documentos. Dessa forma, a pesquisa pautou-se pela análise qualitativa, com inquirição empírica de fontes documentais. O estudo de caso foi utilizado como estratégia para gerar insights exploratórios e para orientar a escolha e a organização dos dados, que, por vezes, foram submetidos à análise segundo uma perspectiva histórica.

O estudo de caso constitui estratégia adequada a pesquisas qualitativas onde, em lugar da quantificação, busca-se a descrição e a formulação de idéias no sentido da obtenção da compreensão (e não da formulação de teorias testáveis). É adequada para responder a questões

11 O design ou desenho da pesquisa “corresponde ao plano e às estratégias utilizadas pelo pesquisador para responder

às questões propostas pelo estudo, incluindo os procedimentos e instrumentos de coleta, análise e interpretação dos dados, bem como a lógica que liga entre si diversos aspectos da pesquisa” (Alves-Mazzotti, 2004, p. 147).

que tratam de relações operacionais que ocorrem ao longo do tempo, em pesquisas focadas em fenômenos contemporâneos dentro de algum contexto de vida real e onde o pesquisador, que tem pequeno controle sobre os eventos, lança mão de vários tipos de fontes de informação.

No estudo de caso, contudo, as generalizações têm valor limitado, pois a pesquisa circunscreve-se a situações precisas no tempo e espaço e sua meta é a descrição, o estabelecimento de tipologia e a compreensão teórica do caso (Yin, 1994). A construção de generalizações demandaria extensão das metas investigativas para outros casos similares ocorrendo em contextos geográficos ou temporais distintos. No estudo em foco, contudo, procura-se evidenciar as relações que se dão no ensino de mapeamento geológico no CGE para focar os fatores atrelados a uma forma de ensinar e fatores advindos da sociedade. Em lugar de responder à necessidade de formular generalizações para aplicação em outras situações, o estudo se volta para a compreensão dessas relações no percurso já trilhado e, assim, contribuir para o desenho de possibilidades futuras.

O projeto de investigação funcionou como bússola da pesquisa, orientando a coleta de dados e a análise dos mesmos à luz das proposições estabelecidas.

A coleta inicial de dados foi guiada pelo desenho da investigação, elaborado a partir dos objetivos e dos pressupostos previamente assumidos. Na trajetória, os próprios dados modificaram o desenho inicial.

As fontes foram localizadas nas bibliotecas e arquivos do CGE, em Diamantina, do Instituto de Geociências (IGC-UFMG) e da Reitoria da UFMG, em Belo Horizonte, na biblioteca da Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais (CPRM, Superintendência de Belo Horizonte) e no Arquivo Público Mineiro, também em Belo Horizonte.

As fontes principais incluem: registros de campo, relatórios e mapas elaborados por estudantes, relatórios e mapas derivados de projetos de pesquisa individuais e institucionais, dissertações e teses, trabalhos apresentados em eventos técnico-científicos, documentos normativos e administrativos, além de jornais, correspondências e pareceres.

A coleta de dados no CGE foi realizada em três períodos. No primeiro, tiveram lugar o levantamento dos documentos administrativos da instituição e das atividades do programa de estágios, além da análise preliminar de relatórios.

(decretos, correspondências, atas de reuniões, projetos para obtenção de recursos, artigos em jornais e revistas) para, no conjunto, embasarem a caracterização da instituição.

O levantamento da participação dos cursos no programa de ensino do CGE (Anexo A) possibilitou a demarcação da permanência e importância das diferentes modalidades de ensino de campo e a elaboração de quadro sinótico da evolução do programa.

As principais modalidades de ensino de campo constam de: Estágio de campo com duas semanas de duração; Trabalho de Graduação (TG), Cursos Temáticos, Estágio de campo de três semanas, Estágios de campo de quatro semanas e Estágio de Aperfeiçoamento. As três últimas modalidades deixaram de ser ofertadas ainda na década de 1980.

Segundo o levantamento realizado, estima-se em cerca de 1.900 o número de relatórios produzidos no conjunto das modalidades do programa, no período de setembro de 1970 a março de 2004, correspondendo a cerca de 7.000 estudantes estagiários. O levantamento da participação dos cursos no programa de ensino do CGE indicava o estágio com duas semanas de duração como a modalidade de maior permanência temporal (35 anos), além de maior número de estudantes e de cursos de Geologia atendidos. Os relatórios de estudantes nesses estágios de duas semanas (correspondente a aproximadamente 95% do total de relatórios) passaram a constituir as fontes prioritárias.

Muitos relatórios foram extraviados ou se encontram em empréstimo sem registro. Alguns tiveram seus mapas danificados ou desmembrados do texto, o que facilitou o extravio. Alguns mapas avulsos foram localizados, contudo, a falta de identificadores cartográficos, impossibilitou a identificação de seu correspondente relatório.

No primeiro contato com essas fontes, foi analisado um reduzido número de relatórios aleatoriamente escolhidos.

Essa análise preliminar, que incluiu dois a três relatórios dos anos de 1970, 1972, 1975, 1980, 1986, 1990 e 2000, evidenciou padrões de organização e representação da informação, esquemas de referências teóricas e habilidades mobilizadas. Com relação a esses elementos, o conteúdo textual e imagético dos relatórios de 1970, 1980, 1990 e 2000 mostrava-se representativo das variações identificadas no conjunto inicial. A seleção dos relatórios seguiu, então, essas marcas temporais.

As informações obtidas nessa fase preliminar foram confrontadas com as categorias de análise previamente definidas no projeto, resultando em uma estrutura básica de análise e de

registro de dados (Anexo B).

Nas duas etapas seguintes, foram analisados 184 relatórios envolvendo um total de 623 estudantes de dezenove cursos de Geologia em estágios de duas semanas nos anos de 1970, 1980, 1990 e 2000. Esses relatórios constituíram a unidade de análise para o entendimento metodológico da atividade de ensino de campo do CGE.

A análise da narrativa textual e imagética dos relatórios, cotejada com as referências metodológica, evidenciou categorias de análise atinentes a:

- objetivos explicitados (considerados como aqueles alcançados pelo estágio, na perspectiva do estudante);

- relação estabelecida com os modelos científicos validados pela comunidade geológica, especialmente com os modelos sedimentológicos-estratigráficos que integram o processo de construção do conhecimento sobre a SEm;

- os conceitos, procedimentos e representações utilizados na caracterização sedimentológica- estratigráfica das unidades mapeadas;

- as principais habilidades técnicas e intelectuais mobilizadas no levantamento e interpretação dos dados;

- os elementos constitutivos da linguagem visual e sua articulação com a narrativa e com os modelos explicativos.

Analisados na perspectiva da categorização de Compiani e Carneiro (1993) os relatórios fazem emergir as categorias relacionadas com: objetivos pretendidos, visão de ensino, forma de relação com os modelos científicos e lógica predominante no processo de aprendizagem.

Simultaneamente à coleta de dados, foram sendo estabelecidas, tentativamente, as primeiras relações e ensaios interpretativos. Muitas vezes, esse processo apontou a necessidade de novos dados (complementares ou mais específicos) ou de revisão daqueles anteriormente levantados. O redesenho da investigação assumiu, então, formas não lineares, incorporando os movimentos de retorno às fontes e de reconstrução interpretativa. Uma grande quantidade de dados foi obtida, o que demandou uma organização tal que, sem descaracterizar a abordagem qualitativa, evidenciasse tendências. Assim, ferramentas de quantificação foram utilizadas para evidenciar possíveis agrupamentos e, assim, produzir uma reorganização que possibilitasse atribuir significado às tendências.

Os dados relativos à produção do conhecimento sobre a SEm foram selecionados de relatórios de pesquisa, dissertações e teses, artigos técnico-científicos e outras publicações. Para a discussão dos estudos de Wilhelm Ludwig von Eschwege, foram utilizadas as obras publicadas em português e documentos inéditos levantados junto ao Arquivo Público Mineiro.

O desenho da pesquisa conferiu prioridade aos trabalhos que configuram tipizações explicativas e metodológicas, no âmbito da sedimentologia-estratigrafia das seqüências de rochas do Espinhaço, e que são citados nos relatórios dos estágios de campo. Para esses trabalhos, buscou-se estabelecer nexos entre os movimentos de construção do conhecimento geológico nas últimas décadas do século XX e a difusão desse conhecimento no contexto de uma comunidade acadêmica e técnica que desenvolve, nesse mesmo período, práticas científicas e de ensino- aprendizagem de campo na região da SEm.

Os critérios de avaliação de credibilidade da investigação consistiram da convergência e coerência das informações oriundas de fontes distintas e, principalmente, da plausibilidade das interpretações para os sujeitos envolvidos. Nesse caso, algumas interpretações foram submetidas à opinião de professores que participaram das atividades do CGE.

A seguir, são examinados alguns dos elementos materiais, científicos, sociais e econômicos que confluíram para a criação, consolidação e legitimação do Centro de Geologia Eschwege como instituição de pesquisa geológica sobre a SEm e de ensino de geologia de campo.

III. ESPAÇO INSTITUCIONAL DE PESQUISA E ENSINO DE GEOLOGIA DE