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1. Introdução

1.2 Objetivos do Estudo

Este estudo tem, pois, como objeto, a problemática da ONG chamada alternativa enquanto instituição portadora do Desenvolvimento de Comunidade que se contrapõe ao projeto do “livre desenvolvimento de todos os indivíduos e de cada um deles”. 50 Essa compreensão articula-se em torno da luta do trabalho contra o capital, a partir da fonte histórico-dialética de Karl MARX. Por isso, estudaremos a gênese da ONG, sua

49 Para Karl MARX, a livre individualidade corresponde ao pleno desenvolvimento de todos os indivíduos, conforme as possibilidades encontradas na sociedade. Nessa condição, a livre associação dos trabalhadores e controle dos meios de produção, assim como a gestão política são elementos fundamentais dessa emancipação. Logo a seguir, desenvolvemos essa palavra-chave do nosso estudo. 50 MARX, Karl ; ENGELS, Friedrich. L’Idéologie Allemande, Paris, Editions Sociales, 1970.

razão de ser e seu desenvolvimento, tanto no espaço quanto no tempo, articulando-os com as conjunturas econômicas, política e cultural. Portanto, trata-se de resgatar a relação do social como dialética do individual e do coletivo, nas práticas de projeto de desenvolvimento que parece constituir o núcleo molecular do modelo do desenvolvimento a partir de ONGs no mundo. Desse modo, destacaremos, no âmbito da materialidade/subjetividade, a crise estrutural da ordem do capital. Crise esta que rebate nas relações existentes entre a reestruturação produtiva e a alienação do trabalho.

A dominância dos projetos de desenvolvimento, construída a partir do empobrecimento de massas populares, e que se constitui em mediações entre o capital e estas, engloba o período que vai de 1974 até hoje, mas por razão analítica, nosso objeto de estudo será construído nas suas práticas dos anos 90 até hoje.

Nessa perspectiva, o nosso objetivo geral é o de estudar o processo de luta ideopolítica que se trava dentro do Projeto de Desenvolvimento de Comunidade que são as ONGs chamadas alternativas. Trata-se, portanto, de se analisar uma estratégia de reestruturação do capital, no império estadunidense, pelas vias da expansão do Desenvolvimento de Comunidade. Por isso, tomamos como objetivos específicos, os seguintes:

a) o aprofundamento do conhecimento sobre o projeto de desenvolvimento de comunidade enquanto prática de intervenção social nas carências, que nega a tradição de livre individualidade oriunda da formação social haitiana, isto é, enquanto política de institucionalização de políticas sociais focalizadas em comunidade local;

b) a análise do processo de formação de beneficiários ideologicamente conscientes, mas politicamente carentes de lutas sociais autônomas, dentro da prática de solidariedade de espetáculo que simboliza as ONGs, e

c) o estudo das contradições entre o processamento e operação de carências que representam um projeto de desenvolvimento nas ONGs alternativas e o projeto de livre individualidade concebido enquanto programa de superação das relações autoritárias presentes na cooperação pelo desenvolvimento, contradições assim postas que possibilitem a sua superação.

Este trabalho é composto de sete partes. Na primeira, tentamos problematizar o nosso objeto de estudo, destacando, sobretudo, a relação contraditória entre a educação

popular e o desenvolvimento de comunidade, que define as ONGs chamadas alternativas por pretenderem atuar no caminho da livre individualidade. Logo a seguir, ou seja, na segunda parte, enfocamos o nosso objeto a partir do método ontológico- histórico, isto é, colocando as relações sociais e internacionais desiguais entre o Norte e o Sul como elementos fundamentais da gênese e desenvolvimento das ONGs, sendo a divisão internacional do trabalho, decidida dentro da Internacional Comunitária, o cerne do relacionamento que alguns consideram de ajuda e solidariedade.

Uma vez que estudamos esse tipo de enfrentamento de desigualdades sociais em termos de tratamento de carências sociais no decorrer do tempo da crise estrutural contemporânea do capital, delimitamos o nosso objeto de estudo no tempo-espaço para analisarmos a funcionalidade das ONGs, e, sobretudo, daquelas que passam a se chamar de ONGs alternativas. Desse modo, a terceira parte da tese destaca a gênese e desenvolvimento da sociedade haitiana, na qual atualmente se enfrentam três projetos principais de organizações ditas de sociedade civil. É dentro desse quadro que colocamos as atuações do nosso universo de estudo constituído de ITECA, PAJ e SAKS.

Na quarta e quinta partes, construímos teoricamente o nosso objeto de estudo, partindo da origem moderna do desenvolvimento, isto é, do progresso. Assim sendo, de uma parte, desenvolvemos a teoria do progresso nos contratualistas como sendo aquela do desenvolvimento da propriedade privada capitalista, teoria esta que nutre, a nosso ver, a cooperação internacional para o desenvolvimento adotada logo após a Segunda Guerra, embora fosse cunhada, já em 1918, pelo presidente estadunidense Woodrow WILSON. Contrapomos essa teoria à da livre individualidade, cunhada por Karl MARX para superar os limites postos pela contradição fundamental entre o capital e o trabalho, cuja contradição se enraíza na divisão do trabalho que orienta a produção social e a apropriação privada das riquezas, de modo hierárquico e anárquico. Essa contraposição nos permite representar a relação contraditória entre a educação popular e o desenvilvimento de comunidade em movimento nas ONGs chamadas alternativas, sendo que o “processing” e execução de carências sociais pressupõem a existência de privilégios decorrentes tanto da divisão social de trabalho quanto da divisão internacional de trabalho. Dentro desse prisma, representamos a ONG como um micro- organismo de desenvolvimento de comunidade que também desempenha o papel de

ente ideopolítico transnacional que facilita o controle “soft” do campesinato pelo capital, por ser o veículo da transferência de tecnologia chamada apropriada no campo. Incorporando na sua finalidade de reprodução, desse modo, os modos solidários de vida e trabalho dos camponeses. Assim sendo, refutamos as teses de ONGs portadoras de desenvolvimento, de democracia, de solidariedade, de igualdade ou de potencialidades de modernização do Welfare State, no tempo da crise estrutural do capital, teses estas que erguem a ONG ao patamar de Terceiro Setor.

A sexta parte do nosso trabalho descreve, portanto, essas atuações mediante a análise de conteúdo das avaliações respectivas de cada uma, bem como a de documentos de trabalho que dizem respeito a sua natureza e relação de “parceria”, tanto com ONGs arrecadadoras de fundos, quanto com organizações e movimento de camponeses. Se esse movimento dialético desvela a natureza de solidariedade de espetáculo como valor central desses relacionamentos, também aponta para os limites onto-metodológicos das chamadas ONGs alternativas dentro de um projeto de livre individualidade no Haiti. Daí que concluímos com as possibilidades de superar essas contradições mediante a re-organização política da educação popular dentro do desenvolvimento de comunidade. Assim sendo, a sétima e última parte recapitula a incoerência das teses de autonomia, solidariedade, ajuda mútua e democrática desenvolvidas por autores tanto haitianos e franceses, quanto estadunidenses e brasileiros, para caracterizarem a sociedade civil liderada por ONGs.

Apesar do volume deste nosso trabalho, o mesmo comporta alguns limites. O primeiro é que o estudo não inclui a representação dos trabalhadores de ONGs chamadas alternativas, nem dos “beneficiários”. Esta ausência está ligada ao fato de que as referidas representações já estão contidas nos documentos de avaliação por nós utilizados. Por outro lado, o trabalho não contempla a análise das ONGs arrecadadoras de fundos de tratamento de carências assim processadas, uma vez que a racionalização da doação pressupõe a existência de um consenso entre processadoras e arrecadadoras, condição sine qua non da relação chamada de parceria, ou seja, consenso este que representa a base da “solidariedade” entre os dois tipos de instituições.

No entanto, todos esses limites inferem novas unidades de análise, isto é, requerem, para a sua remoção, corpos teóricos específicos que definam

metodologicamente os novos objetos de pesquisa. É nesse sentido que o trabalho pode ser considerado uma tese que possibilite tais indagações, por vislumbrar a ONG enquanto micro-organismo de desenvolvimento comunitário, para cujo funcionamento precisa processar carências sociais, esvaziando-se os conteúdos antagônicos das mesmas através do tratamento técnico que resulta no projeto de desenvolvimento.

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