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Objetivos institucionais e o atendimento às crianças

4.4 O Enredo

4.4.1 Objetivos institucionais e o atendimento às crianças

O Regimento em vigência dos Centros de Convivência Infantil apresenta, em seu artigo 1°, como objetivo institucional “a prestação de serviços necessários ao acolhimento, ao atendimento e a socialização das crianças.” Percorrendo os demais artigos do documento, nota-se o enfoque dado as atividades relacionadas aos cuidados, higiene e alimentação. De conformidade ao artigo 2° do Título II que trata das atribuições, destaca-se os seguintes incisos.

II – receber e cuidar das crianças, filhos ou dependentes legais de servidoras, num ambiente adequado e por meio de atividades que favoreçam o seu desenvolvimento físico, intelectual, afetivo e social de acordo com suas necessidades básicas;

III – zelar pelo bem estar das crianças;

IV – providenciar o atendimento alimentar das crianças;

VII – zelar pela higiene da alimentação distribuidas às crianças, bem como do material e das dependências por elas utilizadas;

VIII – elaborar e executar programas necessários ao desenvolvimento físico, intelectual, afetivo e social das crianças.

Estas atividades intrinsecamente ligadas aos cuidados são apresentadas como benefícios as crianças no artigo 36, do Título VIII: Do Atendimento e Assistência:

Art. 36. O CCI proporcionará às crianças matriculadas os seguintes benefícios:

I – alimentação adequada a cada faixa etária em obediência a orientação técnica especializada, preservando a qualidade dos alimentos fornecidos, em conformidade com a disponibilidade do CCI, nos horários convenientemente estipulados;

II – medicação, quando necessária por orientação média, cabendo aos pais fornecerem os respectivos medicamentos, que deverão ser entregues à coordenação do CCI ou à funcionária responsável, com a devida receita médica;

III – higiene corporal, sendo que os pais deverão fornecer o material solicitado e repô-lo sempre que necessário;

IV – atividades lúdicas variadas de caráter pedagógico, sob a orientação de pessoa responsável, com a devida receita médica;

V – atendimento por pessoal especializado, mediante técnicas de planejamento previamente elaborados e com material selecionado criteriosamente, visando ao desenvolvimento da criança, de acordo com as faixas etárias;

VI – repouso em ambiente adequado.

A terminologia custodial e assistencial é manifestada no Regimento em um momento histórico de redefinição da função social da creche, em que a dimensão educativa é discutida como objetivo institucional, não havendo referências à proposta pedagógica dos CCIs.

Em contrapartida as supervisoras dos CCIs ao relatarem quanto aos objetivos institucionais, destacaram a preocupação com a educação das crianças, desde a fase inicial do atendimento

[...] nós sempre entramos, com a proposta de que o trabalho dentro do CCI fosse um espaço educativo, certo?

Então não só o cuidar, não só aquela visão assistencialista. No início houve maiores dificuldades neste sentido, porque a visão em 88, de creche era uma visão diferente. Foi se construindo o conceito de creche ao longo desses 15 anos.

Então era um pouco mais assistencialista, mas sempre no nosso CCI nós tivemos o cuidado de estar sempre para o educar e não só para o cuidar.” (Supervisora 2)

[...] sempre o objetivo foi voltado para a educação desde o momento que os pais começaram o trabalho tinham pedagogos, professores voltados para a educação que conduzam o trabalho de ensinar, capacitar os professores e elas foram sempre contratadas com essa visão de educação.” (Supervisora 4)

A referência ao binômio cuidar e educar pode ser explicada pelos crescentes discussões em relação aos cuidados e a educação das crianças no contexto das instituições de educação infantil. Todo ordenamento legal a favor do reconhecimento da criança como cidadã, através da Constituição de 1988, do ECA e da LDB, implica na legitimidade da creche como espaço de educação das crianças de 0 a 6 anos, sendo, ainda, apresentadas como funções institucionais o cuidar e o educar de maneira complementares e indissociáveis:

[...] As particularidades desta etapa de desenvolvimento exigem que a educação infantil cumpra duas funções complementares e indissociáveis: cuidar e educar, complementando os cuidados e a educação realizados na família ou no círculo da família. (BRASIL, 1994, p. 17).

Kuhlmann (2001), afirma que as creches sempre foram instituições educativas e que o assistencialismo consistia na concepção educacional da instituição, preconizada um atendimento de baixa qualidade através de uma pedagogia da submissão:

A pedagogia das instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como um favor aos poucos selecionados para o receber. Uma educação que parte de uma concepção precoceituosa da pobreza e, que, por meio de um atendimento de baixa qualidade pretende preparar os atendidos para permanecer no lugar social a que estariam destinados. Um a educação bem diferente daquela ligada aos ideais de cidadania de liberdade, igualdade e fraternidade. (KUHLMANN, 2001, p. 183).

O histórico das instituições creches e pré-escolas, destinadas às crianças pequenas, apontam a creche ligada à assistência e aos cuidados, principalmente por estar vinculada aos órgãos governamentais de assistência e saúde, e a pré-escola destinada à educação vinculada ao setor educacional.

O que hoje se torna um desafio é o rompimento dessa visão histórica para que o cuidar e o educar possam garantir às crianças um atendimento de qualidade, respeitando-se as necessidades e especificidades que a infância apresenta no desenvolvimento do ser humano.

Com a LDB, creches e pré-escolas tornam-se instituições de educação infantil e deverão ser integradas ao sistema escolar, apresentando como diferenciação o critério etário: as creches destinadas às crianças de 0 a 3 anos de idade e a pré-escola às crianças de 4 a 6 anos e 11 meses.

O Ministério da Educação e do Desporto ao publicar um documento acerca das propostas e diretrizes gerais para uma política de Educação Infantil, reconhece ser a educação infantil a primeira etapa de educação básica, portanto, indispensável à construção da cidadania, e apresentando como objetivo das instituições de educação infantil:

A Educação Infantil é oferecida para, em complementação à ação da família, proporcionar condições adequadas de desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social da criança e promover a ampliação de suas experiências e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformação da natureza e pela convivência em sociedade. (BRASIL, 1994, p. 15).

Em relação às Diretrizes Pedagógicas da Educação Infantil, o documento se refere às duas funções complementares e indissociáveis: o cuidar e educar. Apresenta, ainda, uma concepção de criança como sujeito social e

histórico; ser humano completo e em desenvolvimento, ativo e capaz.

Percebe-se que a concepção de criança e educação apresentadas nas Diretrizes Pedagógicas da Educação Infantil são norteadoras das propostas educativas efetuadas no cotidiano dos CCIs:

[...] com a própria, assim, imagem, idéia de criança que nós tinhamos e que foi mudando. Respeitando essa criança, favorecendo essa criança a ser crítica, a pensar, a ser criativa, autônoma. Então, toda em mudança

da visão da criança foi favorecida pela formação dos educadores e pela experiência do dia a dia. (Supervisora 4)

[...] esse é o nosso objetivo, como possibilitar às crianças uma educação prazerosa, que venha ao encontro às suas necessidades e interesses e de forma é, estimulada, garantindo o desenvolvimento de suas potencialidades (Supervisora 10)

[...] olha o CCI, embora a primeira coordenadora fosse assistente social, o CCI sempre teve um objetivo educativo, sempre teve em pauta que, o objetivo ali não era depositar as crianças e sim elaborar, organizar, discutir um trabalho que visasse o desenvolvimento integral da criança e isso vem sendo feito cada vez mais aprimorado, os profissionais estão se aperfeiçoando e é esse o nosso objetivo. (Supervisora 3)

Apesar dos formulários não indicarem informações sobre a proposta pedagógica, foi salientado durante as entrevistas que o trabalho pedagógico é desenvolvido através de atividades diversificadas, por projetos interdisciplinares e de acordo com as necessidades das crianças:

[...] no início do trabalho, nós mudamos, assim, nós fizemos, assim, estamos trabalhando com mais projetos. Além de trabalharmos com esta interdisciplina, nós estamos fazendo um trabalho voltado, assim é, para o lúdico. (Supervisora 1)

[...] olha a própria concepção do trabalho apesar de desde o início a gente já trabalhar com essa tendência construtivista, mas é, hoje a gente percebe que tá assim um trabalho mais consciente, mais maduro. (Supervisora 5)

Há expectativa de um projeto pedagógico para os CCIs que respeitando as individualidades de cada unidade, possa verdadeiramente ser um espaço de vida às crianças, contribuindo para o seu desenvolvimento, aprendizagem, relações sociais, trocas afetivas, enfim, que seja pautado no que Demo (1994) designou de compromisso construtivo frente à criança: (grifo do autor)

- a educação deve centrar-se na criança, como sujeito histórico, abrindo-lhe toda sorte de motivação ao desenvolvimento pleno e equilibrado;

- - em termos instrumentais a evolução cognitiva de estilo construtivo é o fator central da formação de competência inovadora;

- em termos de conteúdo, está em jogo o rol de direitos da criança como ente global rumo a uma cidadania plena que expresse o desenvolvimento harmônico de todas as potencialidades;

- é fundamental saber partir da criança, de sua vivência, cultura, meio ambiente, expectativas, potencializando seu próprio ritmo, principalmente a dimensão lúdica como forma própria e criativa de expressão;

- não é o caso de fazer da criança mero objeto de cuidados, ensino, enquadramento normativo. (DEMO, 1994, p. 25).