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Christina Helena Barboza

1. Objeto é documento?

Um texto clássico de Ulpiano T. Bezerra de Meneses explica-nos o status documental do objeto ao apontar que “não se pode desconhecer que os artefatos – parcela relevante da cultura material – se fornecem informação quanto à sua própria materialidade (matéria-prima e seu processamento, tecnologia, morfologia e funções, etc), fornecem

também, em grau sempre considerável, informação de natureza relacional. Isto é, além dos demais níveis, sua carga de significação refere-se sempre, em última instância, às formas de organização da sociedade que os produziu e consumiu”1. De fato, se tratados do ponto de vista histórico, os artefatos são, sem dúvida alguma, poderosos portadores de informações, mesmo individualmente mas, sobretudo, enquanto integrantes de sistemas culturais configurados materialmente. Basta nos questionarmos sobre as noções que se tem, mesmo em senso comum (e talvez principalmente nesse âmbito), sobre a história, sobre o passado, sobre “como eram as coisas” nesse ou naquele tempo, em um ou outro lugar, para nos darmos conta de que grande parte das idéias que se tem sobre o mundo dizem respeito à dimensão material da cultura, isto é, dificilmente se pensa no passado como algo abstrato mas sim como algo estruturado por condições e características materiais relacionadas a modos de vida e mentalidades. Assim, a dimensão material, além de constituir-se em condição sine qua non da própria existência humana, é também, e por isso mesmo, condição estruturante da compreensão intelectual e psíquica da realidade. Mesmo em termos estritos da informação considerada a mais direta e objetiva possível, caso abríssemos mão de todo o conhecimento histórico que foi desenvolvido em torno da dimensão material da cultura, cairíamos num vertiginoso vazio, pontuado aqui e ali por informações difíceis de contextualizar e, portanto, de historicizar. Que idéias teríamos, por exemplo, da Idade Média européia, abstraindo de nossas noções as catedrais, a arte religiosa ou os modos de vida ligados às condicionantes climáticas das estações do ano?

Já se questionou, no entanto, se um objeto pode realmente ser considerado como documento, isto é, se ele traz, intrinsecamente, informação ou se as informações que a documentação museológica fornece são extraídas apenas indiretamente de outras fontes para contextualizar o objeto e relacioná-lo com outros elementos. Sobre considerar objetos e coleções de objetos como documentos, Armando Malheiro da Silva sustenta que “há em tal perspectiva um evidente equívoco: o artefato suscita informação, mas não se confunde com ela e nem é materialmente um mentefato (uma representação mental e subjetiva), mesmo que este esteja sempre na origem e na produção artesanal ou industrial de objetos materiais”2.A afirmação faz parte da argumentação desse professor da Universidade do Minho em prol da construção epistemológica de uma Ciência da Informação, na qual situa a Museologia como “disciplina periférica” pois, segundo ele, “se nos parece líquido postular a existência de informação museológica, (...) é preciso ter bem presente que essa informação, na generalidade dos casos (...), é suscitada pelos objetos/artefatos e é gerada pela investigação conduzida em torno deles com vista à redescoberta de sua originária função e locus de

contrário do que sucede claramente com a Arquivística e a Biblioteconomia, o objeto central de conhecimento museológico, se é que existe como tal. E se pomos em dúvida tal existência – diz ele – é porque, como já atrás frisamos, joga-se na musealização dos objetos a centralidade e a especificidade do trabalho dos profissionais do Museu”3.

Além disso, se comparado ao documento textual e arquivístico, que goza de status jurídico de documento com valor probatório, o valor documental do objeto poderá ser questionado pois as informações que pode trazer são, em geral, de outra natureza. Quanto a isso, Ana Maria Camargo e Silvana Goulart já apontaram para a “zona de penumbra” que se forma em torno dos documentos não-oficiais, sem função jurídica original, mesmo quando são textuais mas integrantes de arquivos pessoais. E indicam a necessidade de contextualizá-los para lhes garantir sentido.4

De nossa parte, entendemos que a organização de sistemas de informação e sua acessibilidade podem não ser o objetivo final do Museu mas são, por outro lado, condição intrínseca a todo trabalho que se queira desenvolver em torno de acervos museológicos. Assim, a Museologia, que vem sendo vista, entre nós, mais em seus aspectos de Comunicação, tem necessariamente, como um de seus campos, aquilo que estamos habituados a denominar “Documentação Museológica”5, isto é, a organização da informação sobre os acervos de museus, como base para todos os demais trabalhos institucionais, bem como para tornar a informação acessível a pesquisadores e público externos. Deste modo, talvez não seja correto considerar a Museologia em seu todo como uma Ciência da Informação6mas é preciso incorporar ao conjunto dessas ciências o campo da Documentação Museológica, que, na realidade, ocupa boa parte das preocupações e dos trabalhos de profissionais de museus.

Uma primeira conclusão, portanto, é de que vale a pena e nos parece necessário incluir a Documentação Museológica, campo de conhecimento intrínseco à Museologia, entre aqueles a considerar quando se trata de Ciências da Informação. E nos últimos anos, em alguns fóruns, a Museologia foi de fato inserida entre as Ciências da Informação, de par com a Arquivologia e a Biblioteconomia, vista como área na qual também se desenvolvem, entre outros conhecimentos, aqueles voltados à organização de sistemas de informação. E o Museu foi perfilado com o Arquivo e a Biblioteca por sua responsabilidade conjunta por acervos culturais.