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OBJETO DIRETO NA ESCRITA DE AFRICANOS ALFORRIADOS NO BRASIL

COMPLEMENTOS VERBAIS DIRETOS E DATIVOS Rerisson CAVALCANTE

2. COMPLEMENTOS DIRETOS

2.4. OBJETO DIRETO NA ESCRITA DE AFRICANOS ALFORRIADOS NO BRASIL

As construções sintáticas incluindo verbos transitivos diretos, nas atas, estão bastante relacionadas ao gênero textual a que pertencem. Esse gênero, de caráter documental, consiste no registro dos atos e decisões tomadas em uma dada reunião ou seção. Três características do gênero ata são determinantes na escolha das construções sintáticas utilizadas:

I. Objetividade: os assuntos são ordenados linearmente, sem repetições e com poucas retomadas anafóricas;

II. Registro coletivo: a responsabilidade dos atos e das decisões tomadas é diluída, o que dispensa construções com sujeito explícito;

III. Documental: o que leva ao estabelecimento de uma estrutura formal bastante rigorosa, abertura e fechamento seguem formas pré-estabelecidas, ficando livre apenas o corpo da ata, em que se registram as informações novas.

2.4.1. AS CONSTRUÇÕES TRANSITIVAS NAS ATAS E O COMPORTAMENTO DO ARGUMENTO INTERNO

As características desse gênero textual podem levar a um uso produtivo de construções com verbos transitivos diretos sem que eles, necessariamente, requeiram que o argumento interno exerça a função de complemento direto, por exemplo, em construções passivas.

A Tabela 6, a seguir, registra a distribuição das construções ativas (que requerem a realização da função de objeto direto) e das passivas (em que o argumento interno é elevado à posição de sujeito). Identificamos 409 construções que envolvem verbos transitivos diretos. A maior freqüência é da voz ativa, com 59% das ocorrências.

Tabela 6: Objeto direto em construções ativas e passivas

Variante Ocorrências %

Voz ativa 240 59

Passiva 169 41

Para o fenômeno analisado, o caráter formular do fechamento das atas pode enviesar os números, visto que esta parte da ata é constituída de verbos transitivos semelhantes, que têm como complemento o mesmo referente nas diversas atas:

(27) a. epor esta / Com forme mandou o Provedor lavra es / te termo eeu Como Secretario ofis eSu / bré escrevi ___, etc. (JFO, 05, 10.07.1836)

b. e para Constar mandou o Prezidente e mais / Membro da Junta que / este fizese e

asig ase (MSR,01, 23.02.1835)

c. e para Constar mandou a meza / Administradora que este Sefizese para Constar etodo tempo eu que /subscrevi e Asignei (MSR, 15, 11.10.1835)

d. epor estar Com forme mandou lavra este / para Constar Herá Suprá Cons cistorio / dos des Valido etc (JFO, 7, 04.09.1836).

Nos exemplos em (27), retirados do fechamento, observa-se a repetição do verbo transitivo mandar, que, sendo causativo, seleciona como argumento uma sentença, cujo verbo ora é lavrar (27a, d), ora é fazer (27b, c). O complemento dos últimos verbos é sempre o documento redigido, ou seja, a ata. A fórmula ainda inclui dois verbos que selecionam como complemento o mesmo referente, a ata, assinar e subscrever. A fim de se obter números mais precisos, desconsideramos o fechamento das atas, devido a seu caráter formular, mas retomaremos consideração sobre essa parte adiante. Sem os dados do fechamento, os números são outros e há uma inversão na freqüência dessas construções. Quando são focalizados apenas os dados do corpo das atas, é maior a freqüência de construções passivas, com 58%, como se pode ver na Tabela 7, uma diferença bastante significativa de quando consideramos todos os dados:

Tabela 7: Objeto direto em construções ativas e passivas no corpo das atas

Variante Ocorrências %

Voz ativa 110 42

Passiva 151 58

Total 261 100

O uso de construções passivas reflete uma das características do gênero textual analisado, que é o fato de não ser necessário explicitar o agente das ações realizadas. No corpo das atas, encontraram-se três tipos de passiva: a verbal com o

verbo ser + particípio passado (cf. 28); a passiva adjetiva, com o verbo ficar + particípio adjetivado (cf. 29); e a passiva pronominal, verbo + pronome apassivador SE (cf. 30). Consideramos construções passivas as formas verbais no particípio, construções consideradas reduzidas21 (31):

(28) a. Segundo, que a Missa he selebrada / pelo Padre que adisser logo as Oito horas imperte /rivelmente. (LTG, 16.11.1832)

b. e Continuou-se os traba / lhos e determi nou-se que naõ pode ra ser Eleito / Irmaõ algum sem que naõ esteje legar emsuas Contas / mensaes ou Entrada segúndo marca naLei <Artigo> 49 (MSR, 18.07.1835)

(29) a. Fica adi / ado aremataçaõ do novo Coffre aquem / preferi por menos fazer. (LTG,

04.10.1835)

b. Irmoins por- / Estremadós, ea Comiçaõ Nomeadá epor ter preenchido, estes / deveres, ficou marcadó apossé pará para treze de Dezembro / deste mesmo annó. (JFO, 10, 13.11.1836)

(30) a. Decidio-se por maior / votto das favas oSeguinte / (16.07.1832)

b. Lanca-se o Termo como Ley os que / ficaraõ aprovado, assim como aver / Loterias.

(LTG, 21.04.1833)

(31) a. epropos o Juiz que sedevia Organizar / hu a Loteria de mil Belhetes [empresso a 32o cada hum, / (LTG, 11. 04.08, 1833)

b. a Meza de pois de ter es corrido o es co tinio man / dar im primir huma Satisfacaõ ao Publico / em Resposta da dita. Espedida nodia 16 de Janeiro /de 1834 (MSR, 01, 23.02.1834)

Quanto às construções ativas, foram selecionados todos os tipos de categorias como complemento:

DP:

(32) nafalta que possaõ ter sobre as festividade / poderá o Cofre Emprestar [adita quantia] ao Thezoureiro de que / faltar sobre a Finta dos 500 reis (MCRS, 14, 13.07.1835)

21 A tradição gramatical chama de orações subordinadas de particípio e, ao serem desenvolvidas,

correspondem a uma construção passiva verbal.

i) Iniciados os trabalhos, deu-se prosseguimento às discussões.

CP22:

(33) de liberou aJunta [que to dos Irmãos / Princi piante aes ta Devocaõ tenhaõ o termo /

de D[o]finidores aquelles que merecer Unanim / amente Popular] (MSR, 02,

23.02.1834)

IP:

(34) Mandar [emprimil a Leis] para Repatir Com o Irmão (MVS, 04, 05.04,1835)

Mini-oração:

(35) lemos o termo Anteceden / te do que ficou adiado sobre as Conta do Ex Tezoureiro Da / niel Correia eaXemos [___ Com forme] (JFO, 06, 14.08.1836)

Devido às características particulares do gênero textual analisado, os assuntos se dispõem linearmente nas atas, de maneira que repetições e retomadas anafóricas foram evitadas no corpo das atas. Identificamos apenas treze ocorrências de objeto anafórico, realizado por ON (36a), por clítico (36b) ou por DP (36c):

(36) a. etratemos a Rever o debitoi que Se devia a Caza ó / qual mandou oVis Provedor Cartiar-sé aos / ditos para Virem Remirem ___i naprimeira Reuniaõ (JFO, 04, 05.06.1836)

b. Segundo, que a Missai he selebrada / pelo Padre que aidisser logo as Oito horas imperte / rivelmente. (LTG, 06, 16.12.1832)

c. O Sacretario Luiz Teixeira Gomes / naõ deu votto algum na re- / formai por ser quem fes areformai (LTG, 10, 21.04.1833)

Para não fugir à objetividade, outro recurso utilizado para a retomada é o uso de construções relativas. Nessas construções, o objeto direto é realizado por um pronome relativo, reunindo duas informações em uma só sentença. São treze as ocorrências deste tipo de construção, dentre elas estão as sentenças apresentadas em (37):

22 O verbo deliberar ocorre principalmente na abertura das atas e ora seleciona um CP, como em (29),

ora seleciona um DP, como no exemplo a seguir.

(37) a. elle ficara res- / ponca vel pella as fatas do andamento / des ta de uo caõ Visto negar o despaxoi / quei a Commicaõ emViov emNome da De- / uocaõ (MC, 02, 02.05.1841)

b. Igiga do Mencaes da Deuocaõ as murtai quei os Irmão tiuerem / de Comprir pagar (MC, 02, 02.05.1841)

c.com tinuouse os trabalhoi quei ja vai para / a Comissaõ dessedir eregular, (LTG, 13, 03.05.1835)

Na próxima seção, trataremos apenas de um subconjunto dos casos dos argumentos internos, aqueles que realizam na função típica de objeto direto, ou seja, na voz ativa.

2.4.2. REALIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE OBJETO DIRETO NAS ATAS

Nesta subseção, trataremos das ocorrências do argumento interno efetivamente na função de objeto direto, ora retomando um antecedente discursivo, numa relação anafórica23 (cf. 38), ora se referindo a um elemento presente na

situação, numa relação dêitica (cf. 39). A identificação da referência dêitica se diferencia da anafórica por não apresentar índice de correferência:

(38) a. epara cons / tar mandou oprovedor Lavra estes ter / moi em que nos acinamos e eu