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OBJETO E INSTALAÇÃO: ITINERÁRIOS DE CRIAÇÃO E

Os capítulos anteriores abrangem o estudo e o destaque de algumas questões pertinentes ao universo da arte, em geral, das artes plásticas, em particular, e ao sistema cultural, detendo-se mais longamente no cenário social e artístico brasileiro, investigando a função e a conceituação da arte na atualidade. O objetivo primordial é demonstrar teoricamente que a arte contemporânea brasileira, nas modalidades objeto e instalação, possui uma história própria mas em constante diálogo com a arte internacional, produzida nos grandes centros, possuindo, portanto, uma formulação consistente. Tal consistência permite a diversos artistas a apropriação de seus conceitos e o desenvolvimento de poéticas pessoais constituindo, assim, uma produção plástica/visual passível de ser compreendida em termos próprios, desde que se compreenda que nossa identidade “é esse esforço de introjeção, de obsessiva vivência e reflexão das matrizes culturais” (VENÂNCIO FILHO, 2000, p.134).

Averiguamos, inicialmente, que a expansão da linguagem tridimensional, desde meados do século XX, entre nós, apresenta o objeto e a instalação, seja como arte ambiental, como composições híbridas, possibilitando a utilização de quaisquer ou vários materiais, exibindo um embricamento com o espaço, com o entorno sócio-cultural, criando um campo ampliado, múltiplo de interesses e interpretações. Acolhe assim a transdisciplinaridade, o entrecruzamento de diversas áreas de conhecimento e o da intermídia, ao mesmo tempo em que busca garantir a especificidade do projeto plástico/visual das artes. Notamos que, com essas composições, sai-se do terreno da representação para outro que indica a necessidade não apenas da presença do espectador que penetra no espaço da obra para tornar presente para si a experiência da fruição do objeto, mas também que, no mesmo movimento, ele exerça a reflexão, realizando a interconexão com o presente e o passado histórico, cultural e imagético, apreendendo que a atitude da arte na atualidade é agregadora.

Contextualizar, portanto, o atual momento histórico de transformações sócio- culturais em andamento, permite-nos a reflexão sobre a importância das artes, de obras que

não se apresentam como mero reflexo ou ilustração de um determinado contexto, à medida em que se apresentam com um poder determinante e formativo desse mesmo contexto.

Todas essas ponderações nos levam a questões essenciais que dizem respeito ao artista, ao produtor de arte, ao historiador, ao teórico, ao crítico de arte, ao espectador e, em última análise, ao ensino de arte na contemporaneidade. Trabalhamos com a construção social dos significados da arte, quando a obra já pertence ao circuito artístico, já foi articulada, isto é, mediatizada em direção à cultura.

No presente capítulo, voltaremos nossa atenção para os processos ou itinerários de criação, especificamente os que geram o objeto e a instalação, buscando, através da investigação, a sua apreensão e compreensão.

Tentamos localizar, no tempo e em determinado espaço de realização, a produção, ou seja, o objeto e as instalações em arte, voltando-nos para o primado do singular e dos sentidos emergentes que ganham significação no processo da construção.

Concordando com os autores que preconizam que não pode haver uma investigação sobre a criação de arte e a sua compreensão crítica separada de um contato direto com as obras ou desvinculada do espaço simbólico em que estas estão inseridas e, ainda, compreendendo que pensar esses processos/itinerários é encontrar a arte no lugar em que ela se processa, decidimos pela realização dessa investigação em Uberlândia, MG, lugar onde trabalho e que se apresenta como um pólo regional de cultura.

Herkenhoff (1997/2001) já nos alertava sobre o fato de que se opera no país um sistema de arte de eqüidistância, explicando, como vimos, que a mesma distância política que separa os grandes centros brasileiros de arte dos centros hegemônicos europeus e norte- americanos parece separar os centros regionais e periféricos brasileiros dos centros que se querem hegemônicos, o eixo São Paulo - Rio de Janeiro. Interessa-nos, nessa pesquisa, a produção de arte que se processa no circuito artístico de Uberlândia, que podemos denominar de periferia cultural em relação aos grandes centros, para investigar o diálogo, as influências que a produção desses centros exerce sobre a produção local, bem como a expansão e irradiação da produção local para outros espaços do circuito de arte no Brasil.

A Especificidade da Escolha

Uberlândia é uma cidade de porte médio, localizada na região denominada de Triângulo Mineiro, no centro-sul do estado de Minas Gerais. O censo demográfico/2000 (fonte: IBGE) calcula a população em 501.214 habitantes, com uma taxa de alfabetização que compreende 95% dessa população. O desenvolvimento dos setores da indústria e serviços, suplantando o setor agropecuário, desde meados do século passado, garantiu um processo de urbanização bastante rápido, permitindo que a cidade se tornasse um pólo de referência regional. Nesse contexto, a Universidade Federal de Uberlândia, desde 1976, apresenta-se também como referência de ensino e produção de conhecimento cientifico e cultural para a cidade e região.

A Secretaria Municipal de Cultura de Uberlândia, articuladora do diálogo com essa realidade, produz o Projeto Panorama – 1998: Produção Plástico/Visual do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, buscando dar visibilidade à produção artística da cidade e do seu entorno regional.

Participei como membro da Comissão de curadoria do Projeto Panorama – 1998, juntamente com a crítica de arte Maria Alice Milliet, SP, com o crítico Marcos Hill, MG, e com o Prof. Ms em Comunicação e Arte, Marco Antônio P. Andrade, da Universidade Federal de Uberlândia, MG.

A participação nesse projeto despertou o interesse em realizar uma pesquisa sistematizada sobre as modalidades objeto e instalação e os processos/ itinerários de criação, abarcando, assim, o âmbito local e regional da produção cultural.

Neste projeto, realizado de agosto a outubro de 1998, a modalidade objeto recebeu inscrição de treze participantes, com a apresentação de cinco trabalhos para cada inscrito, e a modalidade instalação recebeu a inscrição de nove participantes, com a apresentação de um trabalho para cada inscrito. Esse evento registrou uma produção consistente de obras nessas linguagens plásticas, fornecendo, portanto, material para o estudo e abordagem sistemática dos processos de criação e apreciação de tais modalidades.

Tal projeto tinha como objetivo não a seleção dos participantes, mas sim a seleção e apresentação dos melhores trabalhos por eles inscritos para participarem da mostra. Assim, todos os inscritos tiveram seus trabalhos expostos, o que nos dava uma visão bastante geral

da produção existente. Não havia, inicialmente, a idéia de premiação, mas a equipe curadora propôs e a equipe de artes plásticas da Secretaria Municipal de Cultura, que assessorava o projeto, acatou que se destacasse em cada categoria um artista participante e o indicasse para apresentar uma exposição individual em uma das galerias administradas pela própria Secretaria, em data a ser definida pelos artistas, como reconhecimento da qualidade do trabalho por eles apresentado no Panorama – 1998.

Na modalidade objeto foi indicado o artista João Virmondes e na modalidade objeto e instalação a artista Cláudia França.

O trabalho de ambos já havia sido motivo de reflexão geradora de dois artigos assinados por mim e publicados no suplemento Revista do Jornal Correio/ Uberlândia , MG, “Integridade em fitas e arames – a propósito da exposição de Cláudia França”, em 27/07/1996, e “Casulo, Mandala e Intervalo – a propósito da exposição de João Virmondes”, em 20/02/1998.

Consultados, os dois artistas mostraram interesse e disponibilidade para participarem da pesquisa que visava a investigar seus itinerários de criação e a busca de compreensão e crítica das suas obras, já pertencentes ao circuito de exposição e divulgação. Tal pesquisa se formaliza como projeto de doutorado no ano de 2000. Desde então, acompanho sistematicamente a produção, a trajetória dessa produção, bem como a reflexão que eles realizam sobre o próprio trabalho e de outros artistas. No segundo semestre de 2003 entrevisto-os em seus ateliês; estas entrevistas/depoimentos, apresentadas em anexo, muito me auxiliaram na compreensão desses processos de criação.

Entendimento Preliminar

Gesto inacabado – processo de criação artística, de Cecília Almeida Salles, prestou-se como um roteiro importante para a sistematização desses itinerários, uma vez que essa autora, a partir de estudos sobre processos singulares, realiza uma generalização sobre o processo de criação que leva a princípios norteadores de uma “possível morfologia da criação”. Através dos estudos das singularidades, ela busca as generalizações pertinentes. Fazemos o caminho inverso: das generalizações possíveis sobre o processo

O estudo da Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Ponty, foi também de auxilio inestimável. Partimos da compreensão de que as experiências só se tornam significativas após terem sido vividas e que o vivido já traz em si um sentimento imanente que o pensamento tenta objetivar, transformando em conhecimento.

Só do ponto de vista retrospectivo é que existem experiências delimitadas. Somente o que já foi vivenciado é significativo, e não aquilo que está sendo vivenciado. Pois o significado é meramente uma operação da intencionalidade, a qual, no entanto, só se torna visível reflexivamente (SCHUTZ, 1979, p.64).

A reflexão, portanto, só se dá a partir de um fundo perceptivo, sentido imanente constituído pelas nossas sensações e emoções, vivenciadas na experiência.

Gendlin (1978) e outros teóricos da psicologia da aprendizagem distinguem no significado duas dimensões: a dimensão experimental e a dimensão simbólica, definindo-a como a relação funcional existente entre símbolos e experiência. Assim, o significado possui uma dimensão sentida (vivida) e uma simbolizada (refletida).

Para Merleau-Ponty, o sentido imanente da percepção é essa dimensão do vivido ou do irrefletido, cuja significação a palavra não consegue explicitar totalmente e que a arte busca capturar. A percepção primeira sendo a fonte de onde jorram os motivos, fonte de onde nascem as ações humanas sem sentido, que a razão reflexiva trabalha, buscando burilar sua forma, objetivando-a em símbolos condensadores do seu sentido.

Entendemos que o que define o homem é a sua capacidade de codificar, isto é, de simbolizar a sua experiência vivida. A atribuição ou o valor que as coisas possuem em relação à vida humana surge da atividade do grupo social e a linguagem e os artefatos passam a ser a memória coletiva deste grupo, integrando, pela comunicação que eles possibilitam, os afazeres, as idéias, as criações e apreciações.

Neste trabalho interessa-nos não a construção do pensamento sistemático que opera através das categorizações, separando o racional do irrefletido e dando primazia à lógica da razão, mas sim uma forma de conhecimento que não é separável da palpitação do mundo, de um conceito fecundado pela imaginação e revelado na experiência da arte, a primazia da lógica do sentido. Voltamos, pois, nossa atuação para as manifestações da arte e o seu processo de criação.

No processo de criação em que o artista se lança há que se considerar sempre um elemento indeterminável de imponderabilidade, de casualidade e de mistério. Se ele

necessita de inspiração, que será definida como uma predisposição favorável ao trabalho, necessita ainda da sua intuição, ou seja, de determinado estado de alerta ou abertura às vivências emocionais, à dimensão da experiência mesma para que a atividade resulte criativa.

Segundo Suzanne Langer, o artista, ao manipular sua própria criação, ao compor e qualquer arte é sempre uma composição, ele pode apreender da realidade à qual tem acesso possibilidades da experiência subjetiva que ele pode não vivenciar em sua vida pessoal.

Seu próprio alcance mental e o crescimento e expansão da sua personalidade estão, portanto, profundamente envolvidos em sua arte. Dizer, porém, que ele não traduz suas próprias emoções seria simplesmente tolice (...) Todo conhecimento reporta-se `a experiência, não podemos conceber coisa alguma que não tenha relação com nossa experiência. Qualquer coisa que o artista possa visualizar é “como” a própria subjetividade dele, ou é, ao menos relacionado com suas maneiras de sentir. Normalmente tais conexões ocorrem, para ele, através de seu conhecimento crescente da arte de outras pessoas, isto é, por revelação simbólica (LANGER, 1980, p.405). É nesse sentido que sempre indagamos sobre as influências artísticas ou a que família do universo das artes os artistas se filiam ou pertencem.

Duarte Júnior (1981, p.88) esclarece que o pensamento rotineiro se guia por símbolos e conexões já estabelecidas, enquanto que o pensamento criador procura estabelecer novas relações simbólicas e que a relação se dá primordialmente através dos significados sentidos ou sentimentos. Diz que, para o indivíduo criador, as ligações ocorrem, inicialmente, num nível pré-simbólico, vivencial e assinala que esta idéia é defendida também por diversos autores. Cita, então, Einsten e Koestler. O primeiro encara a criação como produto de uma intuição que independe dos símbolos e caminhos; já Arthur Koestler tem como tese central da sua teoria da criação que todos os processos criadores participam de um padrão comum, por ele denominado bissociação, que consiste na conexão de diversos níveis de experiência ou sistema de referências. Defende que no pensamento criador a pessoa pensa simultaneamente em mais de um plano de experiência, ao passo que no pensamento rotineiro ela segue caminhos usados por anterior associação. Traça, ainda, uma diferença entre a criação da ciência e a criação artística: na primeira, as experiências e sentidos se fundem, numa síntese; na segunda, o que ocorre é a justaposição destes.

Podemos concluir, juntamente com os autores citados, que o pensamento criador nutre-se fundamentalmente dos significados sentidos, encontrando neles conexões que,

imaginação é o substrato da criatividade, e imaginação, aqui, diz respeito ao surgimento de imagens e ao encontro de símbolos/formas que expressem esses processos e resultados.

No exercício da criação artística, emoção e raciocínio são componentes igualmente importantes na busca da estrutura ou composição da forma e da sua apresentação. A capacidade de expressão reside no domínio da criatividade e da reflexão. O artista vai expressar uma maneira de ser, ver, sentir, refletir uma atitude de abertura ao mundo natural/cultural, real/ficcional. Essa atitude, entretanto, exige permanente esforço de reavaliação de todos os valores estabelecidos e instituídos, despertando a criticidade.

Para Almeida Salles (1998, p.13) um artefato artístico surge ao longo de um processo complexo de apropriações, transformações e ajustes. Sendo que a grande questão que impulsiona a pesquisa é compreender a tessitura desse movimento e que se o objeto de interesse é o movimento criador, este, necessariamente, inclui o produto entregue ao público. “O interesse não está em cada forma mas nas transformações de uma forma em outra. Por isso, pode-se dizer que a obra entregue ao publico é reintegrada na cadeia continua do percurso criador” (1998, p.19).

Podemos, então, pensar a criação como um percurso que compreende uma cadeia infinita de agregações de sentidos e idéias e uma série de ações e de aproximações para atingir o que denominamos de obra.

Salles afirma que, de uma maneira bem geral, poderíamos dizer que

o movimento criativo é a convivência de mundos possíveis. O artista vai levantando hipóteses e testando-as permanentemente. Como conseqüência, há, em muitos momentos, diferentes possibilidades de obra habitando o mesmo teto. Convive-se com possíveis obras: criação em processo. Admite-se, portanto, a impossibilidade de se determinar com nitidez o instante primeiro que desencadeou o processo e o movimento do seu ponto final. É um processo contínuo, em que regressão e progressão infinitas são inegáveis. (1998, p.26).

Como bem nota essa autora, qualquer busca da origem da obra mostra-se ingênua, da mesma maneira que a noção de conclusão de uma obra, não diz da conclusão de um processo de criação, porque o objeto considerado final representa, de uma forma potencial, apenas um momento do processo contínuo de criação.

O artista é visto em seu ambiente de trabalho, em seu esforço de fazer visível aquilo que está por existir: um trabalho sensível e intelectual executado por um artesão (...) a arte está sendo abordada sob o ponto de vista do fazer, dentro de um contexto histórico, social e artístico. Um movimento feito de sensações, ações e pensamentos, sofrendo intervenções do consciente e do inconsciente (...) O trabalho criador mostra-se como um complexo percurso de transformações múltiplas por meio do qual algo passa a existir (SALLES, 1998, p. 26-27).

Nesse sentido, Sandra Rey observa a impossibilidade de realização de um projeto de pesquisa em artes visuais da forma como foi pensado e estabelecido a priori. Para ela o projeto,na pesquisa em artes visuais, equivaleria a um projétil, “algo que é lançado com uma mira. Mas o caminho exato que irá percorrer nunca sabemos”. (REY, 1996, p.84)

Pensarmos a produção plástico/visual implica uma atenção ao trabalho de ateliê, à obra como processo, processo contínuo e sempre inacabado e a construção de um aparato teórico que permita uma aproximação com o processo e uma compreensão da obra exposta no circuito cultural. O campo se abre para o exercício da interdisciplinaridade e utilizamos, então, conceitos advindos da filosofia, da história da arte, da psicanálise, da ciência contemporânea e outros, como instrumentos que nos permitam operar uma compreensão da arte enquanto conhecimento e seus desdobramentos no processo de construção, no sentido que abrange o pessoal e o cultural como um todo.

Devemos lembrar que, como seres humanos, somos o ser da falta, buscamos nos completar, ao longo da vida, através de atos, ações que, no limite, signifiquem não apenas a garantia da nossa sobrevivência, mas alguma realização pessoal articulada a um contexto sócio-cultural, ou, mais simplesmente, uma satisfação pelo esforço empreendido. O desejo surge como motor de uma ação que busca compor com o âmbito da realidade um estado de equilíbrio que sempre se revela instável e precário para o ser desejante.

Em lugar e tempo nenhum tem sido fácil a vida humana, porque tem sido, em toda parte e sempre, vida em cultura. Pois a cultura é simultaneamente des-alienação e alienação, mediação e encobertura, emancipadora e condicionante. Tal ambivalência do ambiente cultural no qual o homem se encontra cria tensões externas, entre o homem e seu ambiente, e internas, no interior da sua consciência, dificilmente suportáveis (FLUSSER, 1983, p. 137).

O amor e o ódio, o sentimento de ambivalência, desde Freud; o conhecimento do instinto de vida e do instinto de morte, ambos atuantes na construção da existência humana; a atuação do inconsciente sempre presente fazem com que nos confrontemos com a precariedade do nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o motivo de nossas ações.

Muitos teóricos voltados para os estudos psicanalíticos investigaram as questões referentes aos sentimentos e à criação em arte. Citaremos Enrique Pichon-Rivière que, em O processo de criação, enfatiza que, dando continuidade aos estudos de Freud sobre a

uma coisa fundamental, o sentimento do maravilhoso ligado à vivência do sinistro. Ou seja, o maravilhoso é a elaboração, por meio de processos mentais complexos, da vivência de destruição, de morte e do sinistro”. (PICHON-RIVIÈRE, 1999, p. 13)

Sabemos da necessidade do artista agir, impelido, impulsionado por um sentimento de urgência, uma ação com tendência complexa. De acordo com Almeida Salles trata-se de

uma atividade ampla que se caracteriza por uma seqüência de gestos, que geram transformações múltiplas na busca pela formatação da matéria de uma determinada maneira, e com um determinado significado. Processo que envolve seleções, apropriações e combinações, gerando transformações e traduções (...) gestos construtores que, para sua eficácia, são, paradoxalmente, aliados a gestos destruidores: constrói-se à custa de destruições (1998, p.27).

Salles cita Mário de Andrade, que nos dá seu testemunho em O banquete, 1989. A arte é uma doença, é uma insatisfação humana; e o artista combate a doença fazendo mais arte, outra arte. Fazer outra arte é a única receita para a doença estética da imperfeição.

Estamos no terreno da falta e do desejo propulsor de uma ação, mais especificamente, propulsor de um ato de criação, sempre renovado, por não ser nunca completamente satisfeito. Assim a criação aparece como um movimento sempre tensionado por forças internas e externas a esse fazer singular.

Dentro desse processo contínuo que é o ato de criação, processo recursivo, como assinala Salles, porque prenhe de desvios originados pela confluência entre a tendência inicial que norteava um determinado projeto e o acaso que aponta novos caminhos, exigindo, às vezes, mudanças radicais ou, então, simples acomodação. O tempo surge, nesse processo, como o grande conselheiro, por ser o sintetizador do trajeto criativo. Bachelard considera que é nesse tempo de envolvimento total com a obra em formação, quando se buscam suas leis, orientações próprias para sua organização ou construção, entre o plano de idéias e das possibilidades que vão sendo selecionadas, que pode ocorrer a

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