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A prática de colecionamento pode ser considerada universal. Em todas as culturas humanas, os indivíduos formam coleções, sejam particulares, sejam coletivas. O ato de colecionar pode ser mesmo pensado como uma operação mental necessária à vida em sociedade, expressando modos de organização, hierarquização de valores, estabelecimento de territórios subjetivos e afetivos. Colecionar, neste sentido, significa estabelecer ordens, prioridades, inclusões, exclusões e está intimamente associado à dinâmica da lembrança e do

esquecimento, sem a qual os indivíduos não podem mover-se no espaço social.

— ABREU, 2005.

Para o direito romano, responsável pela formação de parte da consciência ocidental, o patrimônio é o conjunto dos bens familiais considerados não segundo seu valor pecuniário, mas segundo sua condição de bens-para-transmitir. Tal traço os diferencia de forma absoluta dos demais bens que, de modo geral, “não estão inscritos num status [...], e sim considerados

em separado dentro de um mundo de objetos que possuem um valor próprio, atribuído exclusivamente pela troca e pela moeda”. De fato, na cultura do patrimonium, “a norma social

pedia que aquilo que fosse possuído por alguém devia ter sido transmitido através de herança paterna e aquilo que tinha sido herdado devia ser transmitido.” O termo “patrimônio” remete assim a um bem de herança que, segundo Littré, por exemplo, “descende conforme as leis dos pais e das mães aos filhos”. Ele não evoca a priori o tesouro ou a obra-prima, mas envolve a reivindicação de uma genealogia.

— POULOT, 2003.

Selecionar, reunir, guardar e expor coisas num determinado espaço, projetando-as de um tempo num outro tempo, com o objetivo de evocar lembranças, exemplificar e inspirar comportamentos, realizar estudos e desenvolver determinadas narrativas, parecem constituir as ações que, num primeiro momento, estariam nas raízes dessas práticas sociais a que se convencionou chamar de museus.

ualquer abordagem que se efetue sobre a gênese dos museus deve, forçosamente, passar pela relação entre o ser humano e seus objetos. Desde a reunião de coisas com as quais se identifique, sua armazenagem, conservação, ampliação, até a criação de espaços para sua apreciação, são gestos do comportamento humano que revelam muito sobre seus valores, sua trajetória e sua cultura. Portanto, objeto, memória e museus são aqui apresentados como temas imbricados; assim como os conceitos e pressupostos teóricos que os acompanham são relevantes para compreender o objeto central da pesquisa aqui relatada.

O GOSTO HUMANO PELA POSSE DO OBJETO

Desde tempos imemoriais, são imensuráveis as evidências do gosto humano pela posse de objetos, por seu acúmulo e sua ostentação. O impulso ou a aptidão para juntar coisas “[...] seriam próprias senão de todos os homens, pelo menos de todos os homens civilizados ou, ainda, de certos indivíduos”.124 Um marco para o desenvolvimento desse gosto pode ser situado na Grécia antiga: quando se começa a atribuir importância à história do objeto; o parâmetro não é mais orientado pelo valor material implícito, e sim por sua antiguidade. Os artistas passam a ser reconhecidos. Alguns surgem durante o período clássico, a exemplo de Lisipo, Praxiteles e Fídias. Suas obras eram admiradas pelos critérios da harmonia, beleza e técnica. Quem as possuía as exibia numa perspectiva de ostentação, para que o povo pudesse reverenciar seu poder. Palácios e templos foram dotados de objetos de cunho representativo e decorativo. Cidades como Tebas — a cidade “das cem portas”, diria Homero — dispuseram objetos imponentes e representativos que exaltavam a supremacia dos governantes.125 Eis por que é cabível dizer que por meio dos objetos e de sua leitura pode-se compreender o processo histórico em que se encontram no momento de sua concepção e uso pelo homem. Estão impregnados de valores próprios, que refletem os intricados encadeamentos de relações entre os homens, e entre estes e a natureza. Em outras palavras, estudar a cultura material pode extrair dela uma contribuição singular para a compreensão das realizações dos grupos humanos, tendo em vista o que pode revelar sobre nós mesmos.126

124 POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi, v.1 (Memória-História). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984, p. 54.

125 GRIMBERG, Carl. El alba de la civilización. Madrid, 1972, p. 152.1

126 PEARCE, S. Museum studies in material culture. In: ______. Museum studies in material culture. London, Leicester, University Press, 1989, p. 2.

Gonçalves, em seus estudos sobre objetos, afirma que estes circulam de forma constante na vida social e que é relevante observá-los, analisando seus movimentos e suas mudanças mediante os vários contextos sociais e simbólicos, quer seja nas trocas mercantis, nas trocas cerimoniais, ou mesmo nos espaços institucionais e discursivos das coleções, dos museus e dos denominados patrimônios culturais.

Acompanhar o deslocamento dos objetos ao longo das fronteiras que delimitam esses contextos é em grande parte entender a própria dinâmica da vida social e cultural, seus conflitos, ambiguidades e paradoxos, assim como seus efeitos na subjetividade individual e coletiva.127

Em se tratando ainda do objeto material, o autor cita Kopytoff, que afirma que cada objeto tem sua “biografia cultural” e que, quando passa a se integrar a coleções, museus e patrimônios, trata-se de um momento de sua vida social. Gonçalves argumenta que:

No entanto, esse momento é crucial pois nos permite perceber os processos sociais e simbólicos por meio dos quais esses objetos vêm a ser transformados ou transfigurados em ícones legitimadores de ideias, valores e identidades assumidas por diversos grupos e categorias sociais.128

É importante entender também a lógica e seu processo de produção, bem como a função que estes exercem no seu contexto próprio de criação, visto que são partes de um sistema de representações coletivas e, como categoria cultural, reafirmam o modo como as sociedades se percebem e se situam no contexto social e como se organizam no decorrer de sua existência.129 Os objetos sobrevivem aos seus possuidores. Por meio deles, quem os coleciona pode permanecer e ser lembrado. Assim, “[...] o colecionador pode continuar a viver depois que sua própria vida termina; e a coleção torna-se um baluarte contra a mortalidade”.130 Segundo Pomian, pode-se compreender a coleção como

[...] qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim, e expostos ao olhar do público.131

127 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro, 2007, p. 15.

128 GONÇALVES, 2007, p. 24.

129 CLIFFORD, James. Objects and selves: an afterword. In: STOCKING, G. Objects and others: essays on museums and material culture. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1985, p. 236–46.

130 BLOM, Philipp. Ter e manter: uma história íntima de colecionadores e coleções. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 177.

Para Philipp Blom:

Cada coleção é um teatro da memória, uma dramatização e uma mise-en-

scène de passados pessoais e coletivos, de uma infância relembrada e da lembrança após a morte. Ela garante a presença dessas lembranças por meio dos objetos que as evocam. É mais do que uma presença simbólica: é uma transubstanciação. O mundo além do que podemos focar está dentro de nós e através delas, e por intermédio da comunhão com a coleção é possível comungar com ele e se tornar parte dele.132

Segundo Pomian, a supressão da utilidade do objeto o notabiliza como objeto de coleção. Ele passa a ser portador de significados.133 Uma vez desprovidos do valor de uso, os objetos passam a ter um valor de troca no âmbito de um mercado em que são comprados e vendidos. Os valores de troca advêm dos sentidos conferidos ao objeto ou a sua coleção. Os significados são, num primeiro momento, relacionados com as tradições e os mitos, daí sua conexão com a religiosidade. Na idade moderna, outras perspectivas surgem na relação com o objeto de coleção tendo a dimensão estética e científica. Mais tarde, serão incorporados outros aspectos relativos à afirmação ideológica de organizações nacionais.

Nas coleções, os objetos assumem a condução de produção da subjetividade. Para serem desvelados, torna-se imprescindível a compreensão do seu contexto de representação. Segundo Ulpiano Menezes,

Mais que representações de trajetórias pessoais, os objetos funcionam como vetores de construção da subjetividade e, para seu entendimento, impõem, já se viu, a necessidade de se levar em conta seu contexto performático. Na coleção fica patente esse caráter de interlocução, de ato em que está em jogo a subjetividade em diálogo.134

Compreende-se que objetos e coleções são considerados e valorizados mais pelo que representam do que por eles próprios. Configuram o conjunto de subjetividades construídas sobre eles.135 Entende-se que o colecionador imprime significado e importância aos seus

132 BLOM, 2003, p. 177.

133 Cf. POMIAN, 1978, p. 32 apud GINZBURG, 2001, p. 93.

134 MENEZES, Ulpiano. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos

Históricos, n. 21, 1998, p. 219. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/2067/1206>. Acesso em: 20 fev. 2015 135 Existe uma produção significativa de publicações a respeito do conceito de representação e sua relevância para os estudos históricos, destacando-se aqueles que reconstituem sua trajetória e seu processo de construção. Os autores se dedicaram a compreendê-lo e formulá-lo, bem como compreender as críticas empregadas. O conceito de representação coletiva foi inserido por Durkheim quando buscava entender fenômenos como a

objetos como maneira de dar sentido à vida e organizar o mundo. Nesse aspecto, o colecionismo está associado à forma com que o indivíduo se situa no meio social. Os objetos tornam-se suporte da memória e promovem as relações entre a sociedade, o seu passado e seu presente.136

O ATO DE COLECIONAR

O colecionamento é uma atividade antiga e usual na maioria das sociedades conhecidas no mundo. Dentre uma infinidade de objetos, há muito o homem vem adquirindo, selecionando, classificando e ordenando aquilo que, conforme sua época estabelece como sendo importante guardar e exibir. Cada contexto histórico revela distintas formas de colecionar conforme os valores do momento.137 O hábito de colecionar pode ter surgido quando o homem começa a atribuir significado e importância às coisas. Seja por sua particularidade ou raridade, os objetos vão ganhando admiração e destaque, conferindo prestígio àqueles que os detinham e consagravam. De todo modo, o fato de possuir muitos objetos similares apontava para a necessidade de se indicarem critérios para proceder à sua seleção e organização.

No período neolítico, compreendido entre 10 mil e 4 mil anos antes do presente, os objetos eram guardados em virtude de sua particularidade em relação à natureza, sua estrutura e seu aspecto. Eram quase sempre procurados e encontrados em lugares inusitados e de difícil acesso. Esses bens passam a ter um significado simbólico e eram, geralmente, enterrados com seus donos junto aos demais despojos.

No antigo Egito e na Mesopotâmia, o colecionamento agregava prestígio e poder aos colecionadores. Igualmente, os objetos mais preciosos eram mantidos nas tumbas dos templos

religião. Propunha que para compreensão do fenômeno havia que levar em conta o coletivo, pois os princípios que orientam a vida individual são diferentes daqueles que controlam a vida em grupo. A representação coletiva não seria simplesmente o conjunto de representações individuais, e sim seria um conhecimento novo que é capaz de reelaborar o geral. Roger Chartier diz que o propósito da história cultural é “[...] identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler [...]” (p. 17) e neste âmbito se encontra as representações. Elas expressam como os grupos, a partir de seus interesses, definem o mundo social (p. 19). A história vai trabalhar com o que os homens pensam, como pensam e como constroem o seu imaginário. A representação trata-se, portanto, de como os homens desenvolvem e produzem suas práticas. Estas nem sempre podem ser identificadas em sua totalidade plena, pois existem na condição de representação. Nesse sentido, “[...] o real assume assim um novo sentido: aquilo que é real, efetivamente, não é”. Cf.: CHARTIER, 1990, p. 63; CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: CHARTIER, 2002, p. 61–79; DURKHEIM, Émile. Pragmatismo e sociologia. Porto: RES, DURKHEIM, Émile. As formas elementares de

vida religiosa. São Paulo: Paulinas, 1989.

136 POMIAN, 1984, p. 54.

137 CLIFFORD, James. The predicament of culture — twentieth-century ethnography, literature, and art. Harvard University Press, 1988, p. 217.

em urnas funerárias nas pirâmides e possuíam caráter religioso. A Mesopotâmia possuía três regiões expressivas: Babilônia, Suméria e Assíria. Um dos primeiros colecionadores da Assíria de que se tem conhecimento, Ashurbanipal dispunha de botín de guerra composto de obeliscos e estátuas que preenchiam sua satisfação pessoal no acúmulo de objetos. O colecionamento ficava circunscrito à monarquia, à nobreza e aos sacerdotes. Os objetos apreciados eram encontrados nas tumbas e reportavam a influência e a autoridade de seus proprietários.

No Peru, algumas sociedades como os Moche — ou a cultura mochica — viveram na costa norte tendo como cenário a faixa longa e estreita do deserto. Desenvolveram-se entre os séculos I e VI, 100 e 750 anos d. C. Os Mochica eram uma sociedade estruturada em pequenos reinos e chefias locais, constituída de agricultores, pescadores, artistas e guerreiros que atingiram uma complexa organização social e econômica. Tinham por prática enterrar as pessoas juntas ao seu espólio. Os túmulos eram edificados em pirâmides e revelavam a importância de cada homem no interior dessa sociedade teocrática. As tumbas moches traziam decoração sofisticada em relação aos padrões de culturas anteriores. Os senhores eram enterrados ao lado de seus pertences, além de suas mulheres, seus guardiões e seus animais, no intuito de que o acompanhassem pela eternidade. Além dos pertences e paramentos individuais em ouro e prata, dezenas de potes de cerâmica contendo alimentos e objetos cerâmicos figurativos podiam ser encontrados, o que permite observar que o indivíduo, mesmo morto, não poderia privar-se dos seus tesouros e suas coleções (FIG.1).

No império romano, surgem as primeiras coleções privadas. Abrigavam obras de outras sociedades e épocas. Uma parte considerável foi adquirida como produto do triunfo sobre povos conquistados, como gregos e egípcios. Pode-se perceber que na antiguidade clássica a veneração aos objetos artísticos correspondia a motivações de exaltação do poder e do êxito nas guerras. Após os saques romanos de Siracusa, em 212 a. C., e Corinto, em 146 a. C., foram criados depósitos a céu aberto com o propósito de armazenar o produto das pilhagens. Quando retornavam a Roma, os exércitos ainda desfilavam com seus troféus numa demonstração pública de sua soberania. Outra entrada de objetos se deu por meio do intercâmbio e de rotas comerciais no Mediterrâneo que se estabeleceu desde a antiguidade, bem como de outros destinos comerciais. O colecionamento não só expressava sua natureza estética e cultural, como também sinalizava os contrastes políticos e sociais, expondo as

desigualdades entre os que detinham posses de relevância econômica — como trajes e joias — ou de cunho cultural — por exemplo, obras de arte.

FIGURA 1. Reconstituição da tumba do senhor de Sipán, governante máximo do povo Mochica, civilização pré-colombiana que viveu nos séculos I a VI antes do presente. A tumba foi encontrada em 1987. Ele teria vivido cerca de 1,6 mil anos atrás na região conhecida hoje por Lambayeque. A importância e alta hierarquia do senhor de Sipán são atribuídas ao local e à posição em que foi encontrado; ou seja, num sarcófago de madeira numa pirâmide e junto a seus pertences. No centro da câmara se encontrava o ataúde principal com seus ornamentos. À direita estava enterrado o chefe militar. À esquerda havia um porta-estandarte e uma ossada de cachorro. Aos pés e à cabeça do senhor jaziam três mulheres jovens que haviam se sacrificado para que o acompanhassem eternamente. Foram encontrados restos de um cavalo, ossadas de uma criança e, ao lado da tumba, quatro nichos com 212 potes de cerâmica. Ele portava peitoral, colares, narigueiras, capacetes, orelheiras, cetros e braceletes em ouro; e ainda rodeado de 400 peças de joias em ouro, prata, cobre dourado e pedras semipreciosas. Sua cabeça repousava sobre um grande prato de ouro. Na tumba principal se encontrava um guardião de homem jovem com escudo e os pés cortados. Além desses, dezenas de objetos cerâmicos figurativos foram encontrados, o que permite observar que o indivíduo não poderia privar-se dos seus tesouros e coleções, pois estes o acompanhariam no além-vida. A tumba pode ser vista no Museo de las Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque, Peru.138

No decurso da Idade Média, alguns templos reuniam valiosas coleções, a exemplo da igreja de São Marcos em Veneza, Itália, que teve sua origem na aquisição das prováveis relíquias de São Marcos Evangelista de Alexandria e Saint-Denis, nas proximidades de Paris. O cristianismo nesse período influía sobremaneira na sociedade e na política. Ao apregoar o desapego aos recursos e posses, a Igreja passou, ela própria, a receber e concentrar doações de relíquias, que foram usadas para sustentar pactos políticos e custear guerras contra oponentes do Papa. Durante as cruzadas houve aumento considerável das coleções, fruto da investida e do saque a outros povos e cidades, assegurando ainda mais notoriedade aos tesouros da Igreja. A esse respeito, Blom esclarece que,

Durante a Idade Média, príncipes da Igreja e governantes seculares acumularam tesouros de relíquias, vasos de luxo, jóias e objetos como chifres de unicórnio (narval) ou outras criaturas lendárias. Desses tesouros, surgiu uma forma mais privada de apreciação, o studiolo, um estúdio especialmente construído para abrigar objetos antigos, pedras preciosas e esculturas, popular na Itália entre homens de recursos e conhecimentos, a partir do século XIV. Oliviero Forza, em Treviso, foi dono do primeiro studiolo de que há registro, em 1335. Colecionar obras de arte e objetos esculpidos em pedras e metais preciosos tornou-se passatempo de príncipes, diversão que às vezes beirava a paixão avassaladora.139

Também Giraudy e Bouilhet se referem a essa questão. Após o declínio do império romano, as coleções são reservadas ao espaço sagrado. Os objetos são agregados às riquezas dos palácios e das igrejas. Poucos privilegiados tinham condições materiais de apreciar esses bens. As coleções passaram a ser retratadas a partir do século XV como Wunderkammer ou gabinete de curiosidades ou ainda gabinete das maravilhas (FIG. 2). Durante o Renascimento,

[...] reforça-se o ânimo científico que transforma a maneira de se conceber as coleções e a arte. Neste período, os objetos são permeados por valores que acompanham o mundo moderno em construção. As coleções são destinadas ao exercício da reflexão e admiração em espaços próprios e privados.140

139 BLOM, 2003, p. 33.

140 GIRAUDY, Daniele; BOUILHET, Henri. O museu e a vida. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-memória; Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro; Belo Horizonte: UFMG, 1990, p. 23.

FIGURA 2. Johann Georg Hainz: Kleinodien-Schrank, 1666. Museu de Artes Decorativas. Berlim. Alemanha. Armário de joias, óleo sobre tela, reproduzindo um gabinete onde se guardam joias, objetos raros e estranhos, objetos de sociedades distantes e objetos criados pelo homem. Eram dispostos similarmente àqueles coletados pelos apreciadores de raridades durante o renascimento. Os gabinetes foram o embrião do colecionismo renascentista. Concentravam e organizavam objetos para ser estudados numa perspectiva científica no período dos descobrimentos e das grandes explorações. Fruto da curiosidade humana, abrigavam ainda instrumentos, pinturas e esculturas, espécimes da fauna e flora de outros continentes e minerais. Alcançaram papel considerável no desenvolvimento da ciência moderna, em que pese o contexto de época ainda estar imerso às superstições. Tratava-se, usualmente, de peças distribuídas em um lugar limitado à frequência de um público reduzido. Nos séculos XVIII e XIX, os gabinetes vão se extinguindo. Dão origem a instituições diversas, sobretudo aos museus de história natural e artes. “Os chifres de unicórnio e os esqueletos de sereia são pouco a pouco banidos das coleções, sendo substituídos por peças representativas de séries, de estruturas ou de funções orgânicas. A nova curiosidade científica não se detém mais naquilo que é único e estranho, mas no que é exemplar”. Destacam-se o de Rodolfo II de Hamburgo (1552–1612), o do arquiduque Leopoldo Guillermo (1614–1662), o de Federico Augusto, o Príncipe Forte (1679–1733); o de Carlos I, da Inglaterra (1600–49), o do czar Pedro, O Grande (1672– 1725), a de Ana María Luisa de Médici (1667–1743), a de Mazarino Gastón de Orleáns (1608–60), os monastérios de San Martín de las Escaleras próximo a Palermo; e os estudiosos como Peiresc, Ole Worm

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