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O objeto e a natureza da pesquisa

2. Metodologia

2.1. O objeto e a natureza da pesquisa

Os procedimentos metodológicos desta pesquisa são do tipo qualitativo, perspectiva metodológica que nos pareceu mais adequada aos objetivos propostos de investigar uma realidade em profundidade. Realizamos um estudo de caso na Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo com sede na cidade de Itu/SP. Apresentamos um breve histórico dos processos de transformações que ocorreram em nosso projeto antes de discorrermos sobre os procedimentos da pesquisa em si. Acreditamos que essa apresentação tornará mais claro o percurso e as escolhas que foram sendo feitas ao longo do processo.

O ponto de partida inicial era a corriqueira discussão acerca da duplicidade de função do músico e do professor de música, além de considerar ainda a função multitarefas comumente exercida pelos mestres de bandas. Nesse ambiente da banda de música eu tinha a pretensão investigar o perfil de formação dos mestres das bandas da região de Campinas/SP com maior recorrência, e, a partir deste perfil, analisar em trabalho de campo os desdobramentos advindos dessa formação através de suas atuações pedagógicas como mestres nas bandas de música.

A partir de um mergulho mais profundo no referencial teórico, bem como nas observações sistematizadas advindas do trabalho de campo, passamos a intuir tantas outras questões que nos vimos com uma visão significativamente modificada quanto à ideia inicial desta pesquisa. Nossa busca pelas potencialidades pedagógicas da banda de música passou a considerar outras questões que a perpassam a todo o momento, como: a interação musical e social entre os componentes da banda, entre o mestre e os músicos, interações entre a banda e a comunidade e a interação da banda com

diferentes áreas que, mesmo não sendo do meio musical ou artístico, influíram e influem de maneira fundamental nas condições de atuação do grupo.

Essas interações observadas no trabalho de campo aliadas a uma leitura crítica da literatura específica de banda nos levaram a entender que tais interações vieram provocando mudanças fundamentais na banda de música em um processo histórico e social de uma contínua (re)construção da sua realidade em diversos aspectos.

Na fase do projeto de pesquisa encontrei um material muito restrito sobre o objeto, o que se colocou como um desafio inicial. Já ao começar a pesquisa com a busca de expandir essa base inicial, nos deparamos com uma realidade contrária, ou seja, nos deparamos com um vasto material que se propunha a discutir a banda de música em diversos aspectos. Nossa leitura iniciou-se nos “clássicos” escritos históricos que buscam iluminar, por exemplo, a origem ou a atuação das bandas de música em determinado período e local. Por vezes encontramos pesquisas de cunho antropológico, buscando situar e discutir a banda nos espaços urbanos, evocando sempre as ideias de pertencimento e representatividade da banda como símbolo de poder, como em Reily (2009), por exemplo. Já nos estudos que buscam discutir o ensino de música nas bandas com os quais tivemos contato, percebemos que pouco ou quase nada se pode diferenciar quanto aos processos de ensino musical que ocorrem na banda em relação ao que se pode observar em outros espaços como em Benedito (2011), Pereira (1999) e Lima (2005). Nesses casos são priorizadas as discussões acerca das atividades de ensino sistematizadas ou formais e dos métodos utilizados pelos mestres de banda. Nesse ponto da nossa pesquisa tivemos já um contato inicial com o autor Joel Luís Barbosa e alguns dos seus escritos mais específicos sobre o ensino de música nas bandas, além dos métodos “Da Capo” e “Da Capo Criatividade” para bandas de sua autoria.

Outros estudos trouxeram diferentes abordagens. As leituras de Binder (2006), Duprat (2009), Lange (1968 e 1997), Lima (2011), Pereira (1999), Barbosa (2009) e Schwartz (1998) nos dão a base histórica da atuação das

bandas de música. Pateo (1997), Binder (2006), Lima (2000), Pereira (2008) e Reily (2009) nos apoiam na aproximação dessa atuação por seu envolvimento social que evoca o pertencimento da banda com determinada comunidade na qual se insere.

A maior parte desses estudos apresenta uma realidade de plural atuação, tanto do grupo como um todo em apresentações que envolvem diferentes repertórios, em diferentes espaços que evocam diferentes valores, quanto dos componentes da banda tocando diferentes instrumentos e cumprindo diversas tarefas no grupo. Esses processos de intercâmbio de função, a nosso ver, colocam a banda e seus componentes em constantes

interações com diferentes sistemas ideológicos16 e com a comunidade na qual

o grupo se insere. Outro ponto que nos despertou o interesse, e que está presente em toda a literatura de banda consultada, é o repertório como o principal fim musical da banda, e principal objeto de identificação das bandas. Tendo em vista que os processos interacionais envolvem diferentes sistemas ideológicos, de diferentes costumes e valores, para nós acabou se tornando de primordial importância a discussão acerca do papel do repertório em tais interações.

Apesar de os processos interacionais e a representatividade do grupo pelo seu repertório serem relatados historicamente por diversos autores, como em (DUPRAT, 1968, 2009 e 2011; LANGE, 1998 e 1968; BINDER, 2006 e PEREIRA, 1999) os mesmos não são exatamente o objeto de principal atenção. Ainda que por vezes surjam apontamentos gerais e um tanto isolados de uma relação dessas múltiplas interações e os processos de aprendizado musical, pouco se pode averiguar sobre de que forma esta relação se estabelece e consolida-se, ou seja, apesar de ser inevitável que os músicos das bandas acabassem por dominar diversos estilos e gêneros musicais, de modo geral não se discute como isto ocorreu. Além disso, o apontamento do contato com uma grande diversidade de gêneros musicais como provocador do

16Os sistemas ideológicos estão relacionados ao que chamamos anteriormente de campos de

atividades humanas. Estamos nos referindo ao contexto social específico de cada um desses campos ou sistemas, como por exemplo, o meio político, o religioso, o acadêmico etc.

desenvolvimento de habilidades musicais, esta aproximação também não é discutida com maior profundidade.

Portanto, foi preciso “cruzar” as evidências dessas interações e da presença do repertório nas mesmas que servem de pano de fundo no relato das comemorações, sobretudo políticas, militares e religiosas em busca de como se dava e quais os desdobramentos das mesmas. Tal qual foi nossa surpresa em perceber, através dos estudos realizados, que historicamente a banda vinha sendo profundamente transformada por tais processos, ao passo em que dava seu parecer dos mesmos e do mundo que a rodeia num processo mútuo de constantes transformações.

Considerando então as novas perspectivas suscitadas para leitura da banda de música no trabalho de campo, e da literatura que nos apoia, além do curto prazo de tempo destinado às pesquisas de nível de mestrado passamos a refletir acerca da natureza da pesquisa que pretendíamos desenvolver. “O estudo qualitativo... é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986 p. 18). Após uma reflexão mais acautelada vimos ainda diversos outros motivos para transformar a pesquisa em um estudo de caso. Esses motivos vão desde a necessidade de considerar todo o entorno (para além da simples atuação do mestre) das atividades que ocorrem na banda, dos processos não formais (fora dos momentos de aulas formais) que impulsionam o aprendizado musical até o desejo de não assumir os riscos de realizarmos discussões muito superficiais etc.

Numa pesquisa qualitativa, o processo deve ser de maior interesse ao pesquisador do que o fato ou produto final de um único fenômeno. A imersão do pesquisador deve se dar da maneira mais direta e próxima possível com os fenômenos observados, isso porque esses fenômenos estão sempre fortemente envoltos em um contexto, sendo por ele afetados. Cada caso se constitui “numa unidade dentro de um sistema mais amplo” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986 p. 11). Além disso, é primordial “interpretar o sentido do evento a partir do

2006 p. 28). Por estas proposições, concluímos ser provável a formulação da nossa pesquisa como estudo de caso, qualitativo, num espaço no qual venho vivenciando diversas situações musicais e educacionais durante alguns anos. Os questionamentos que formulamos acerca de características atribuídas às bandas por diferentes pessoas, após experiências relatadas em diferentes

lugares e épocas, vêm dessa vivência ao longo de minha imersão “natural” no

ambiente de bandas.

Mantendo um distanciamento claro durante as observações em trabalho de campo, acreditamos que essa vivência anterior à realização da pesquisa me coloca imerso num contexto geral das bandas de música. Em alguns momentos me auxilia na compreensão de alguns posicionamentos, tomadas de decisão e ações observadas no trabalho de campo. Dessa forma justificamos a adoção da pesquisa qualitativa para buscar responder os questionamentos que nos acompanham em direção aos objetivos postos.

2.2. Estudo de Caso: a Corporação Musical Nossa